Mês do Orgulho LGBTQIA+: Em cena casal de artistas mulheres contra o apagamento do amor lésbico na história

Cristina Flores e Laura Castro em cena de ‘Luzia’ , espetáculo que exalta, entre vários pontos, o amor lésbico (Foto: Maria Flor Brazil)

*Por Brunna Condini

Junho é escolhido como o mês da Diversidade e Orgulho LGBTQIA+ porque foi no dia 28, do ano de 1969, que aconteceu a Rebelião de Stonewall, na qual a população LGBT, que estava no bar Stonewall Inn, confrontou a polícia de Nova York contra a repressão e o preconceito. O evento foi o marco inicial do movimento LGBTQIA+. De lá para cá, conquistas e promoção de equidade, conscientização contra LGBTfobia, mas muito ainda a avançar. O Brasil, pelo quarto ano consecutivo, ainda aparece como o país que mais mata pessoas LGBTQIA+. As lutas e a esperança são para que o afeto se torne a verdadeira revolução contra a violência e qualquer tipo de preconceito, e num futuro mais perto do que distante.

Dentro da programação deste junho libertário, ‘Luzia‘ se destaca. Em cartaz no Teatro Ruth de Souza, no Parque das Ruínas, em Santa Teresa, nos dias 10 e 17 de junho, às 19h, com ingressos à venda pelo Sympla, o espetáculo conta com pesquisa e dramaturgia de Laura Castro, e direção de Cristina Flores, e também tem as duas, casadas há cinco anos, no elenco. Após a sessão desta sexta-feira, dia 10, jogando luz no mês sobre Orgulho LGBTQIA+, ainda acontece o debate com a vereadora Monica Benicio, viúva de Marielle Franco. “A peça fala de apagamento. Do apagamento da mulher e da lésbica em especial na história, mas fala também de resgate. Resistimos, sobrevivemos e existimos em diferentes tempos históricos. Recuperamos imagens de cenas lésbicas em espetáculos dos anos 1970, recuperamos a memória de uma diretora lésbica chamada Luzia Mariana, enquanto contamos nossas próprias histórias”, detalha Laura.

Laura Castro e Cristina Flores em cena do espetáculo ‘Luzia’ (Foto: Maria Flor Brazil)

Em cena, a história de três ‘Luzias’ perdidas e achadas na memória: a primeira personagem, diretora e autora teatral lésbica baiana, irmã de uma atriz central no Grupo Opinião; a segunda, uma mulher sapatão contemporânea vivendo e morrendo na pandemia; e a terceira, o fóssil Luzia, o mais antigo fóssil hominídeo da América do Sul, o início da humanidade no continente, queimada no incêndio do Museu Nacional, para depois ser 80% reconstruída: “Nesse mês do orgulho, refletir sobre nossas permanências na arte e na história, permanecer fazendo arte no palco, é um respiro depois de tanta falta de ar”, completa.

Falando de história, Cristina recorda a das duas: “Quando a gente começou lembro de uma conversa ótima que tivemos, sobre sermos as duas ‘Yang’, pensamos se daria certo ninguém na relação ser ‘Yin’ (risos). Temos muito em comum. Somos apaixonadas e gostamos de construir juntas, peças, crianças, músicas, bichos, o Brasil, gostamos da vida, de viver. Me lembrei agora de um poema da Maria Rezende que está escrito na caneca que apoia nossas escovas de dentes em nosso banheiro: “Somos as que evitam o desastre/ as que inventam a vida, as que adiam o fim/ mulher, multidão”.

‘Luzia’, espetáculo criado por Laura Castro e Cristina Flores (Foto: Maria Flor Brazil)

Após a atual temporada, a montagem contemplada pelo edital de Fomento à Cultura Carioca, FOCA, no quesito Pesquisa e Inovação dentro do projeto ‘Outro Mundo é Possível Embaixo do Temporal‘, segue em circulação pelos espaços da Rede Municipal. “A dramaturgia de ‘Luzia’ começou a nascer junto do meu mestrado em artes cênicas, já depois da ascensão da extrema direita no país, e especificamente durante o isolamento promovido pela pandemia de Covid-19, com o desafio: como viver? Como fazer, escrever teatro nesses tempos? Daí nasce essa montagem em processo, em pesquisa e criação conjunta e misturada com Cristina Flores. Eu e Cris, casadas, passamos juntas o isolamento, fizemos mestrado na UNIRIO ao mesmo tempo, acompanhamos a pesquisa, o trabalho e as questões uma da outra, e ‘Luzia‘ é o resultado disso tudo. Desses difíceis últimos anos em casa. É o compartilhamento de pesquisas, pensamentos e de nossa intimidade também. Da nossa cozinha, para o palco”, expõe Laura Castro.

Cristina Flores e Laura Castro circulam na rede municipal de teatros com ‘Luzia’ (Foto: Maria Flor Brazil)

Sobre as escolhas da encenação, fruto da nova dramaturgia que nestes tempos ganha ainda mais relevância, Cristina Flores aponta: “É um espetáculo híbrido, multimídia, que mistura alguma tecnologia com as cinzas do que temos visto desaparecer sem deixar rastros. É uma dramaturgia feita de arquivos e de uma ficção utópica, que procura, de certa forma, afirmar uma nova maneira de viver e, principalmente, se narrar. Vem de um desejo imenso de nos comunicarmos com outras artistas, especialmente as sapatas, de resgatarmos trajetórias importantes que se perderam apagadas pela ‘His Story’, de aproveitarmos a chance de estarmos vivas em uma pandemia que já levou tanta gente maravilhosa para falar do que não pode mais ser calado, esquecido, nós mesmas e tantas outras como nós”.

Em nome das famílias homoafetivas

Aos 40 anos, Laura, atriz há 20, se prepara para outro lançamento, dos grandes, este ano. Em 28 de julho estreia no Brasil o longa ‘Aos Nossos Filhos‘, seu primeiro roteiro de ficção, dirigido por Maria de Medeiros, depois de estrear em fevereiro na França. O filme traz Marieta Severo encabeçando o elenco, ao lado de José de Abreu, além de Laura, e da atriz Marta Nóbrega, ex-esposa, com quem Laura tem Clarissa, 13, Rosa, 12, e José, 10. A história da construção desta família inspirou o texto, que foi escrito para o teatro, e ganhou versão audiovisual. “São quase 10 anos de trajetória, a idade do meu caçula que mamava recém-nascido quando escrevi a peça. Era uma necessidade visceral falar das famílias homoafetivas em 2012, mãe de três filhos, compartilhando a maternidade com a outra mãe deles e sem nossos direitos garantidos. O tempo passou, conquistamos direitos, mas ganhamos medos, ameaças aos direitos tão duramente conquistados”, lembra.

Jose de Abreu, Maria de Medeiros, Laura Castro e Marieta Severo no set do filme ‘Aos Nossos Filhos’ (Divulgação)

“A peça estreou com a Maria de Medeiros atuando e depois virou filme nas mãos dela também. Depois de muita dificuldade, do massacre ao audiovisual brasileiro, do isolamento pandêmico, o filme vai estrear. Acho que no momento certo. Momento de refletir sobre passado e futuro. O filme rememora os horrores da ditadura e os que lutaram contra ela, ao mesmo tempo em que desvela a comunidade LGBT contemporânea e suas lutas. É o Brasil que resiste”.

Laura aproveita para revelar o próximo projeto no audiovisual: “Será distribuído pela Imovision e tem a Camila Pitanga como protagonista. O filme se chama ‘Tanto Mar‘ e fala sobre os direitos das mulheres em três décadas e três países no mundo lusófono”.