Mateus Solano estreia primeiro monólogo e reitera necessidade da união de artistas pelos direitos autorais


Com direção de Miguel Thiré, e texto de Isabel Teixeira, Mateus e Miguel, o espetáculo fala alto aos nossos tempos quando, através do dia-a-dia de um figurante do audiovisual, aborda os invisibilizados na sociedade, que nem sempre se percebem apagados dentro de um coletivo. Analisa sobre o que é ser um ‘protagonista’ ou um ‘figurante’ na própria história hoje. “Parece que temos a oportunidade de sermos protagonistas com a câmera de um celular e a participação em redes sociais, mas a grande verdade é que acabamos fazendo parte de um esquema maior de compra e venda de afetos que vai nos distanciando de nós mesmos”. E se manifesta mais uma vez sobre o direito do ator receber por reexibições de obras: “Questão antiga e que fala muito sobre a falta de organização da classe artística brasileira”

*Por Brunna Condini

Às vésperas de estrear ‘O Figurante’, seu primeiro monólogo, nesta sexta-feira (dia 19), no Rio, Mateus Solano fala do espetáculo que pretende jogar luz sobre os invisibilizados na sociedade, que nem sempre se percebem apagados dentro de um coletivo, seja ele profissional ou pessoal. Pegando como gancho a montagem, ele analisa sobre o que é ser um ‘protagonista’ ou um ‘figurante’ na própria história hoje. “Parece que todos temos hoje a oportunidade de sermos protagonistas com a câmera de um celular e a participação em redes sociais, mas a grande verdade é que acabamos fazendo parte de um esquema maior de compra e venda de afetos que vai nos distanciando de nós mesmos. No meu entendimento, ser protagonista é viver de acordo com a liberdade, viver com liberdade de acordo com nossos desejos em sintonia uns com os outros. Porém, na ânsia de fazer parte desse mundo, que inventamos para viver, acabamos vendendo a nós mesmos. Então, digamos que na ânsia de sermos protagonistas, acabamos figurando em um esquema em que somos apenas mais um”.

Homem de seu tempo, recentemente Mateus se posicionou sobre a questão do repasse de direitos autorais para os atores quando seus trabalhos são reprisados, e acabou levantando novamente o debate sobre o tema: “Essa é uma questão antiga e que fala muito sobre a falta de organização da classe artística brasileira”. E continua:

Temos nosso trabalho reexibido inúmeras vezes, de inúmeras formas, por inúmeros lugares pelo mundo e mal ficamos sabendo. O pagamento pelas reexibições, quando existe, é simbólico e absolutamente desproporcional à importância dos artistas na criação dos personagens que, no fim das contas, são os responsáveis por trazer público. Fazer telespectadores para o produto – Mateus Solano

Mateus Solano joga luz nos invisibilizados em espetáculo, fala sobre fama e a urgência da classe artística se organizar sobre direitos autorais (Foto: Divulgação/Globo)

Mateus Solano joga luz nos invisibilizados em espetáculo, fala sobre fama e a urgência da classe artística se organizar sobre direitos autorais (Foto: Divulgação/Globo)

Com quase 30 anos de trajetória, o artista defende a união da classe como meio de acelerar as transformações necessárias no que diz respeito aos direitos autorais. “Acredito que a união faz a força, mas entendo que muitos profissionais têm medo de se posicionar. Por isso é tão importante o fortalecimento de uma associação como a Interartis, que já tem mais de 3 mil profissionais inscritos e que luta por leis mais justas e pelo pagamento dos nossos direitos autorais na reexibição dos nossos trabalhos”.

É preciso rever antigas leis e criar novas, pois vivemos um mundo em que a exposição é algo banal. Não podemos banalizar também o nosso trabalho – Mateus Solano

"No palco tudo é permitido e é a partir da liberdade do palco que se reduz para encaixar na TV ou no cinema" (Foto: Dalton Valerio)

“No palco tudo é permitido e é a partir da liberdade do palco que se reduz para encaixar na TV ou no cinema” (Foto: Dalton Valerio)

Lugar de liberdade absoluta

Mesmo sendo presença constante na TV – sua última novela foi ‘Elas por Elas‘ (2023), na Globo -, Mateus sempre volta para o teatro. Foi nos palcos que ele despontou para o ofício com apenas 15 anos, no espetáculo ‘A Aurora da Minha Vida‘, de Naum Alves de Souza (1942-2016), e de lá para cá, não parou mais de investigar possibilidades cênicas. “O teatro é onde a gente aprende a ser ator com toda a liberdade possível. No palco tudo é permitido, e é a partir da liberdade do palco, que se reduz para encaixar na TV ou no cinema. Portanto, preciso estar sempre voltando ao teatro para ‘alargar’ o meu trabalho”.

"No palco tudo é permitido, e é a partir da liberdade do palco que se reduz para encaixar na TV ou no cinema" (Foto: Dalton Valerio)

“No palco tudo é permitido, e é a partir da liberdade do palco que se reduz para encaixar na TV ou no cinema” (Foto: Dalton Valerio)

Como não se deslumbrar e manter sua essência em um universo da fama, em que ‘parecer’, muitas vezes é mais valorizado do que ‘ser’? “Fui criado com valores mais ligados à natureza, portanto, sei desde muito pequeno que somos um bicho que se acha muito importante e que não consegue conviver muito bem com a noção da própria finitude. Mas esse bicho é muito criativo e é capaz de inventar outras realidades para acreditar e viver. O mundo das celebridades é uma ‘matrix’ dentro da ‘matrix’. E o mundo das redes sociais, é a ‘matrix’, da ‘matrix’, da ‘matrix’, então assisto com clareza e assombro, que nos afundamos exponencialmente nas mentiras que vamos criando para viver”.

"Acredito que a união faz a força, mas entendo que muitos profissionais têm medo de se posicionar" (Foto: Divulgação/Globo)

“Acredito que a união faz a força, mas entendo que muitos profissionais têm medo de se posicionar” (Foto: Divulgação/Globo)

Espaço de diversão e reflexão

Pensando no seu solo, ‘O Figurante, o ator diz quando se sentiu ‘protagonista’ ou ‘figurante’ da própria história: “De alguma forma, a sociedade nos incentiva a sermos sempre uma espécie de funcionário na vida. E creio que cumpri esse papel até bem pouco tempo atrás. E só depois dos 40 anos que comecei a me debater com essas questões, e a me perguntar o quanto de mim tem em cada coisa que fiz, em cada conquista minha”, analisa.

 

Somos um animal que cria histórias para viver e um mundo para acreditar. Na ânsia em fazer parte desse mundo, acabamos por nos afastar de nós mesmos a ponto de não saber se somos protagonistas ou figurantes de nossa própria história – Mateus Solano

A reflexão acima permeia a dramaturgia do espetáculo, construída por Mateus, Miguel Thiré e Isabel Teixeira – recente par do ator em ‘Elas Por Elas’. Com Miguel, a parceria é antiga, eles estão no quinto trabalho juntos, entre eles ‘Selfie’, peça que lotou os teatros do Rio e São Paulo entre 2014 e 2016. “Venho trabalhando com Miguel desde 1999 e temos uma pesquisa em cima do Teatro Essencial, onde apenas corpo e voz são utilizados para demonstrar quem somos e onde estamos. No palco vazio. Para este último encontro foi fundamental o casamento com o método de Isabel através do qual pude transpor ideias que ferviam na minha cabeça para a linguagem cênica”. E diz: “Queremos levar o argumento de ‘O Figurante‘ para outros lugares também, como um curta-metragem e uma história em quadrinhos”.

Mateus Solano e Miguel Thiré celebram a quinta parceria no teatro (Reprodução/Instagram)

Mateus Solano e Miguel Thiré celebram a quinta parceria no teatro (Reprodução/Instagram)