*Por Brunna Condini
Na onda das comemorações por suas quatro décadas de trajetória, Marisa Orth vem ao Rio com o seu primeiro monólogo, ‘Bárbara’, poderá ser vista no programa ‘Dois em cena — Encontro de gerações‘, que estreia no canal Viva, e já alinhava projeto com Miguel Falabella, em Portugal. Em entrevista exclusiva ao site, a atriz brincou com a efeméride. “Fico pensando pra quê essa coisa de celebrar 40 anos de carreira. Os Beatles tiveram 10, Amy Winehouse (1983-2011) também teve carreira curta. Tanta gente que tem mais tempo que isso de trajetória e não fica comemorando…sei lá”, analisa. “Sou muito feliz e realizada nesta carreira que abracei. Agradeço sempre. Era criança e já queria ser atriz. E vocês acreditarem que eu sou, é fundamental (risos). Amo o que eu faço e não tenho muito essa história de estar off do trabalho, não”.
Em cena com o espetáculo livremente inspirado no livro ‘A Saideira’, em que a jornalista Barbara Gancia relata, com emoção e humor, a sua luta contra o alcoolismo, Marisa fala sobre a importância de desfazer os tabus e preconceitos que pairam sob temas como dependência e compulsão. E parte da observação da própria vida: “Sou uma compulsiva que dá nó em pingo d’água, mas estou arrasando. Para o grau de tendências à dependência que tenho, estou indo muito bem. Já fui muito dependente de cigarro, consegui parar faz 13 anos. Hoje mesmo estive na padaria e fui perguntar o preço do maço. Nem sei o motivo e fui perguntar. Olha que loucura essa curiosidade, até porque só de falar em cigarro me dá enjoo. Mas ele está aí, mora na minha cabeça. Sobre álcool, cada vez bebo menos, porque o estômago com a idade vai ficando sensível. Então, passo mal antes de ficar louca. Estou sempre me observando, porque existe uma tendência ao abuso. De comida, açúcar, carboidratos”, compartilha.
Se você não fizer terapia sendo atriz, está roubada. Tudo dá vontade de ficar louca – Marisa Orth
“Cuido da cabeça, sempre fiz muita terapia. Sou formada em Psicologia, então faço análise desde os 21 anos. Não fico muito tempo sem. Tento olhar o que está me desagradando, antes de passar para outras coisas fugindo. Estamos sempre procurando prazer, endorfina por aí. Se tenho coragem de olhar mais de frente meus incômodos, existe menos chances de ficar dependente de algo. Não tem mágica. E investir nesse autoconhecimento, cuidar de mim, me faz ser uma artista melhor, sem dúvida. Ninguém paga ingresso para me ver sofrendo. Quanto mais higienizada psicologicamente estou, sou um ‘tubo’ melhor, recebo melhor a personagem. Caso contrário, eu não entendo meu papel, não entendo o sucesso, o fracasso, a crítica. Se você não fizer terapia sendo atriz, está roubada. Tudo dá vontade de ficar louca”.
Jornada até aqui
Sobre a trajetória artística, Marisa avalia: “Aconteceu diferente do que eu imaginava. Não entendia que não era só o meu destino que estava em movimento, mas que ia entrar em uma gira de destinos. Dos parceiros artísticos, do país, o meu, tudo foi se cruzando. Existem personagens que caem no seu colo. Não foi você que escolheu, mas é pra você fazer. Tem o destino das personagens, como se fossem arquétipos flutuantes que precisam ser encarnados. Isso é muito surpreendente. Ou seja, tive menos controle na carreira do que imaginava. Fiz sucesso popular por esse Brasil todo, que é algo que me envaidece. Sou muito grata por isso. E te digo que me sinto na metade da minha carreira. Agora quero o resto.
Tenho muito ainda pra fazer. Voltei a dançar, fazer balé clássico, estou cantando cada vez melhor, e quero fazer as vilãs, as velhas. Quero fazer todas as velhas, não vem, não! – Marisa Orth
Atriz, comediante, cantora e apresentadora, Marisa completa 60 anos em 21 de outubro, mas não vê muita razão em falar dos anseios da nova idade. “Claro que atriz sofre preconceito etário, sabemos disso. Fora isso, comecei a sofrer com idade no meu aniversário de 9 anos, porque entendi que dali por diante nunca mais teria uma vela só no bolo”.
Sempre tive inquietações, não tenho novas por fazer 60. Talvez só mais medo de morrer, que faz todo sentido, né? Acho que é isso – Marisa Orth
E a nosso pedido, entrega o que deu mais prazer realizar até hoje como intérprete. “Minha briga inicial e depois meu regozijo de fazer os outros rirem. O que me deu mais prazer foi fazer comédia mesmo. Sou muito boa nisso, sou engraçada. Reconhecer isso é mérito, é bom. No começo reneguei por achar uma coisa menor. Tive que me enamorar disso e hoje tenho um orgulho imenso de ser também comediante, é um puta instrumento. Cada vez mais acredito que a única coisa que nos salva neste planeta é rir da própria cara. O jeito de parar as guerras no mundo é rirmos da própria cara, é ridículo”
As pessoas ridículas são muito mais interessantes. Até porque as que não são, acabam sendo ainda mais ridículas, né? Gente que se leva a sério demais é muito engraçada – Marisa Orth
Presente e futuro
Atuando no teatro, na televisão, no cinema e na música nestas quatro décadas, a artista ficou conhecida do grande público por personagens inesquecíveis com a Nicinha de ‘Rainha da Sucata’ (1990), sua estreia em novelas; além de mais de 30 trabalhos na TV, e também por papeis nos programas de humor ‘TV Pirata‘, ‘Sai de Baixo‘ e ‘Toma Lá Dá Cá‘. Em novelas foi vista pela última vez em ‘Além da Ilusão‘ (2022), mas em breve poderá ser vista no programa ‘Dois em cena — Encontro de gerações‘, que estreia dia 28, no Viva. A atração reunirá sempre um ator mais jovem e um veterano. “Foi uma idealização do Hermes Frederico e falamos sobre arte dramática. Juntamos atores e atrizes como Othon Bastos e Caio Blat; Regina Casé e Leticia Colin; Marco Nanini e Johnny Massaro; Antônio e Bruno Fagundes; Mauro Mendonça e Sergio Malheiros; Rosa Maria Murtinho e Sophie Charlotte; Camila Pitanga e Jonathan Azevedo…está bonito demais. Eu medio os bate papos”.
E o que Marisa diria para uma jovem atriz ou ator que está começando a carreira? “Aprenda a imitar outra pessoa o melhor que você puder. É mais sobre essa outra pessoa, o personagem, do que sobre você. Especialize-se nisso e busque todas as referências que puder, cursos, aulas. Estude o quanto puder, porque isso ajuda a se transportar para a pele dos outros. É sempre sobre o fazer, o parecer confunde. Dá uma tranquilidade para quem trabalha com você perceber que é um ator ou atriz que sabe o que faz”, ensina.
O próximo ano também reserva muito trabalho para Marisa, que pretende continuar com a turnê do monólogo, além de reeditar a parceria com Miguel Falabella em um espetáculo em Portugal. “Estamos com uma agenda linda em Portugal no segundo semestre de 2024. Estamos decidindo o texto, mas já temos datas, porque somos muito conhecidos em Portugal, olha que chique”.
Por que esse monólogo?
No espetáculo livremente inspirado no livro ‘A Saideira’, em que a jornalista Barbara Gancia relata sua luta contra o alcoolismo, a atriz é dirigida por Bruno Guida com dramaturgia de Michelle Ferreira, a partir do dia 5, no Teatro XPO. O espetáculo já rodou São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Brasília e Goiânia. “Agora a gente vem para o Rio de Janeiro durante um mês. Até porque estamos sem patrocínio ainda”. As tragicômicas histórias dos mais de 30 anos de dependência do álcool e suas consequências contadas no livro de Barbara Gancia ganharam uma bem-sucedida adaptação para o teatro. Barbara está sóbria há 15 anos. “Admirei muito a coragem dela de falar sobre alcoolismo, se expor assim. Acho que esse é um dos flagelos que assolam o mundo e o Brasil há muitos anos. Fala-se muito pouco sobre o tema. O livro é muito bonito e tem final feliz”, reflete.
Barbara está aí bem, viva, na sobriedade, dominando a dependência. Para mostrar que tem saída, sem tabu. É muito cafona essa coisa do brasileiro de não querer falar do problema, esconder. Acho que chega da gente ser assim, acredito que é um sinal de atraso do nosso país – Marisa Orth
“O alcoolismo, assim como algumas dependências de substâncias e até de relacionamentos, está aí, ao alcance de todos. As pessoas podem se tornar dependentes a qualquer momento. E é algo muito difícil, porque existe pouco diálogo ainda, preconceitos. Acham que o dependente não tem fibra, é frouxo, como se fosse algo de caráter. Não é sobre isso. Aprendi muito com essa peça, então achei esse trabalho fundamental. Fala de amor, de estender a mão e da compulsão. Foi um pedido da Barbara que a peça tivesse alegria, riso, festa, porque o álcool está muito aparentado com isso. Ela disse: “Se eu não tivesse ficado doente, minha vida teria sido uma festa”. O espetáculo tem graça, humor, auto avacalhação à beça, humaniza a questão e gera muita conexão com a plateia”.
Sou muito feliz e realizada nesta carreira que abracei. Agradeço sempre. Era criança e já queria ser atriz. E vocês acreditarem que eu sou, é fundamental (risos) – Marisa Orth
A atriz se comove com o retorno do público: “Uma vez, na fila de cumprimentos, chegou um cara para mim e disse: ‘Muito obrigada. Estou vindo aqui com o meu orientador, porque hoje completo dois anos limpo’. Ele saiu da clínica de reabilitação para ver a peça e iria retornar. Isso me emocionou muito. Já teve gente que depois da peça não estava conseguindo falar, porque passava por algo similar naquele momento. Uma mulher me disse que agora conseguia entender e perdoar melhor a irmã, que morreu aos 37 anos e havia sido internada 13 vezes. É uma doença avassaladora. Isso tudo me comove demais… esse trabalho permite o contato com muitas histórias”, pontua.
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