*por Vítor Antunes
Ele sempre se manteve na sua. Numa das mais perfeitas traduções para a expressão easy-going. Marcos Pitombo sempre optou por fazer com que sua arte viesse à frente de sua vida pessoal. Inclusive, suas redes passaram há pouco tempo a ter mais fotos suas. Desta vez, o ator compartilha um pouco mais do seu modo de ver a vida, enquanto fala da montagem de sua peça – um retorno aos palcos depois de alguns anos – com “Clarice & Nelson – Um recorte biográfico a partir de entrevistas” – bem como fala, ainda que discretamente, sobre o outing forçado, à revelia, que viveu em junho de 2023, quando um jornalista tornou pública a sua homossexualidade. Para o ator, além da deselegância, foi desrespeitosa a forma como tudo sucedeu. “Eu não escondo nada da minha vida, mas tento preservar o máximo possível a minha privacidade, sempre no meio-lugar entre explorar o nosso trabalho e se expor. É uma linha tênue de tentativa e erro. Mas acho que acabei construindo uma comunidade positiva e de muito afeto”.
Para Pitombo, é positivo que mais pessoas tornem público o fato de serem LGBT’s. “Eu acho que é importante ter mais pessoas nas quais se olhar, se espelhar, se empoderar em qualquer que seja o assunto ou recorte de sociedade. A gente esteja falando do empoderamento feminino, de pessoas negras, de LGBT’s. Acho que ele é importante nessa representatividade na TV aberta de forma empoderada”.
O ator, inclusive, assinala que antigamente havia um temor que atores gays não pudessem fazer personagens héteros. Razão pela qual muitos deles não tornavam pública a sua homossexualidade. Para ele, porém, essa é uma coisa superada. “A versatilidade do ator também dá a ele a possibilidade de fazer uma gama cada vez maior de personagens diferentes do seu universo. Acho que o ideal é ver atores LGBT’s fazendo personagens de uma forma digna”.
Tal como a fruta que lhe baseia o nome, é um artista que guarda dentro de si uma doçura encoberta pela casca da discrição. Ele opta por expor a alma no palco. A maturidade lhe trouxe não apenas novos personagens, mas uma compreensão mais profunda de sua própria essência. Assim como Clarice Lispector (1920-1977) sugere que precisamos perder a “terceira perna” para poder caminhar, Pitombo se despe das expectativas externas e caminha com coragem. Ele abraça a arte como um canal de empatia e reflexão, um espaço onde cada papel é uma oportunidade de redescoberta. Ao olhar para trás, sua jornada revela mais do que cenas gravadas ou personagens encenados; ela reflete um ator que amadureceu ao transformar sua emoção em profissão, encontrando equilíbrio entre palavras e silêncios.
FRUTO MUTANTE
Pitomba, a fruta, tem origem na língua tupi e significa tapa, sopapo. É desta palavra que há a variação no masculino que dá origem ao sobrenome de ator. A contrário da etimologia da palavra, o fruto é doce. Talvez esta deifinição seja mais adequada para definir o artista de 42 anos. Que afirma nunca haver recebido cobrança da classe por ser um rosto bonito. “Não houve nada semelhante a isso”, disse ele, timidamente. Já com relação às redes sociais, ele toma como prerrogativa aquilo que a novíssima geração Alfa adota que é justamente o de se expor menos. “Acho que a rede social está evoluindo com o tempo. Essa geração mais nova já não quer se expor tanto, é mais low-profile. Tem pessoas que fazem isso com muita qualidade, com muita naturalidade então de uma certa forma, o público já consegue compreender”.
Ele prossegue: “As pessoas públicas se expõem através de ferramentas como as redes sociais para dialogar com aquilo que elas acreditam ou acham melhor. Acho que é um pouco por aí, tanto que me posiciono apenas em questões pontuais e que envolvem a nossa sociedade, mas sempre com muita educação sem ser de forma bélica”.
Ao falar sobre a passagem do tempo e o amadurecimento, Marcos Pitombo valoriza a maturidade tanto no âmbito pessoal quanto no profissional. Ele reconhece que o passar dos anos traz uma maior profundidade aos personagens e uma compreensão mais rica do ofício de ator: “Eu acho que a maturidade é extremamente bem-vinda, não só na carreira profissional como pessoal. Eu lido muito com isso e tenho certos cuidados em relação à minha própria saúde. Seja com exercícios físicos, alimentação, agora com bastante protetor solar e cuidados com a saúde de uma forma geral. Acho que a maturidade também vai trazendo uma complexidade maior de personagens, de possibilidades, e até de me compreender como artista, produtor de conteúdo, entender melhor essa vocação do artista, isso de provocar, convidar ao questionamento, provocar um exercício de empatia do público. Então, isso tudo vai vindo com o tempo”.
O ator alcançou grande visibilidade ao participar da trilogia Mutantes da Record, uma das produções de maior sucesso da emissora na época. Embora a novela tenha sido criticada por alguns, acabou se tornando uma obra cult, apreciada por sua ousadia e extravagância no uso de efeitos especiais e histórias de superpoderes. Ao falar sobre sua experiência, Pitombo relembra o momento em que recebeu o convite, logo após sua participação em Malhação, e enfatiza a intensidade do trabalho: “O convite para esse projeto aconteceu quando eu estava saindo de ‘Malhação’ (2008) e era para fazer um protagonista jovem, um personagem que tinha uma carga de cenas absurda, eu trabalhava bastante e posso falar seguramente que foi um dos trabalhos mais divertidos que eu já tive na minha vida. As cenas eram de ação, dentro de um helicóptero, de barco, em cima de um caminhão, pendurado na Pedra da Gávea, dentro das Cataratas do Iguaçu, de um jeito de que era uma brincadeira de gente grande”.
A novela, que combinava ficção científica, ação e uma dose de aventura, exigia grande esforço físico e dedicação do elenco. Pitombo destaca o clima de descontração que permeava os bastidores e o ritmo acelerado de gravações, comuns às produções da Record naquela época: “Tinha um elenco muito divertido, a gente se divertia muito. Quanto a ser tida como trash, aquela é uma obra de 2008. Uma série americana tem 10 episódios por temporada e nós fazíamos 6 episódios por semana, então, assim, era um volume muito intenso e exitoso dentro da ousadia. Meu personagem tinha um novo superpoder a cada semana”.
QUASES
Marcos Pitombo quase seguiu um caminho completamente diferente na vida: o ator estava prestes a se formar em Odontologia quando decidiu trocar os consultórios pela carreira artística. Em suas palavras, ele explica a transição definitiva para o mundo da atuação, revelando como se afastou da faculdade para perseguir o que realmente o movia: “Para mim faltou a parte justamente a Clínica Integrada. Eu fiz oficina de atores da Globo em 2005 e deixei a faculdade trancada e fui jubilado e não tive como retroceder. Não encontrei meu propósito na Odontologia, mas sendo artista”.
Também comenta sobre sua trajetória na TV e o motivo de ter feito menos teatro ao longo de sua carreira. Ele reflete sobre como o intenso ritmo de trabalho e os contratos de exclusividade com as emissoras dificultaram sua participação em montagens teatrais: “No entanto, toda a minha bagagem de ensinamentos vem do teatro. Logo depois que eu saí da Malhação, entrei na Record, que tinha comigo um contrato de exclusividade e por muitas vezes tive que declinar por não ter agenda. Tive sete anos de contrato, e estive em seis produções, era uma carga de trabalho muito intensa. Quando voltei para a Globo também não consegui conciliar. Mas hoje minhas energias estão todas voltadas para esse espetáculo, e eu estou retornando ao teatro, que é onde eu realmente me sinto realizado como artista, como poder me comunicar. Eu acredito muito no teatro que é esse local da arte do ator. Acho que ‘Nelson e Clarice‘, ícones da nossa literatura e que têm muito a dizer, atravessam o tempo e atravessam o mundo”.
Atualmente, Pitombo faz parte do elenco da peça Clarice & Nelson – Um recorte biográfico a partir de entrevistas, onde atua ao lado de Carol Cezar. A obra revisita a vida de dois grandes nomes da literatura brasileira: Clarice Lispector (1920-1977) e Nelson Rodrigues (1912-1980), com texto de Rafael Primot e Franz Keppler e direção de Helena Varvaki e Manoel Prazeres. E reflete sobre a profundidade das temáticas abordadas, especialmente a vida trágica de Nelson Rodrigues e sua influência sobre sua obra: “A vida de Nelson é cercada de tragédias que acabaram permeando e influenciando a sua obra, como mortes que ocorreram ao longo da trajetória dele e o começo dele como jornalista, em que morte era um assunto de jornal, então ele retratava essa forma… Ele via as coisas de forma bem original, genuína e ímpar e conseguia retratar a tragédia carioca, os personagens do subúrbio, as pessoas que o envolviam. Os espectadores vão observar uma metalinguagem na qual os personagens são um ator e uma atriz tentando construir essa história, num encontro que não aconteceu, e no outro plano, ao mesmo tempo, ele e Clarice falando sobre suas vidas.”
Para Pitombo, uma fala de Clarice Lispector na peça em que atua resume bem o momento que está vivendo. Essa fala evidencia a fase de reflexão e autodescoberta pela qual o ator está passando, buscando se conectar com sua essência artística e pessoal: “Ela usa uma alegoria que é muito interessante, de que é muito comum da gente querer ter uma terceira perna, que é o que nos deixa firme, o que nos deixa forte. Mas é preciso deixar a gente perder essa terceira perna, pois ela limita o nosso movimento. Acho que a Clarice tem uma forma tão bonita de falar do sentimento, do que é nosso, é uma simplicidade que é tanta coragem.”
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