A cada 40 minutos uma pessoa comete suicídio e a cada três segundos alguém tenta fazê-lo. Foi de olho nestes números alarmantes que a atriz, roteirista e dramaturga dos programas ‘Zorra’ e ‘Escolinha do Professor Raimundo’, da TV Globo, Marcélli Oliveira desenvolveu seu primeiro monólogo, “Se não agora, quando?”. Partindo da premissa que assuntos como depressão, solidão e suicídio precisam deixar de ser tabus para se tornarem assuntos naturais, tratados de forma cuidadosa e respeitosa. A atriz e autora faz um solo sobre uma mulher decidida a se matar, que da janela do seu apartamento acompanha diariamente a vida dos vizinhos do prédio de frente. Como nada do que planejou para sua vida deu certo, ela se alimenta do que acontece com os outros.
O espetáculo dirigido por Leonardo Hinckel, teve a temporada presencial no Sesc Tijuca interrompida pela pandemia e retorna em montagem adaptada à plataforma virtual Zoom a partir de hoje, às 20h. “Um novo cenário e um novo figurino estão sendo feitos, assim como novas marcações de cenas e outra proposta de direção. Esta temporada virtual também contará com duas sessões acessíveis, com intérprete de libras, e quatro sessões com debate ao vivo com uma psicóloga ao final das apresentações. Nos demais dias, reexibiremos os papos gravados após a exibição” explica Leonardo, que assim como Marcélli, não sabe definir o que é exatamente esse novo formato. “Não é teatro e nem é cinema. Acho que é mais um encontro, uma celebração da arte em um novo formato”, sugere a atriz e autora.
Ela fala sobre o tabu em torno da temática, ainda mais em um momento como o que vivemos. “As pessoas ainda cochicham para falar de depressão e suicídio. Enquanto isso, os números só aumentam. Antes da pandemia, três pessoas que eu conhecia se mataram. No caso de duas delas, a família divulgou a morte como outra causa. Na pandemia acho que isso está ainda pior. Está todo mundo se sentindo frágil e vulnerável. A gente precisa começar a gritar sobre o assunto e não mais cochichar. Precisamos parar de esconder e falar sobre isso”, diz Marcélli, justificando a escolha do tema de seu terceiro texto teatral – os dois primeiros são “Casório” (2012) e “Às Terças” (2014).
Conhecida pelos trabalhos sempre permeados pelo bom humor, mas consciente da densidade que os assuntos deste texto costumam trazer, ela mantém um olhar de leveza e naturalidade no texto. “Eu quero que as pessoas assistam e conversem depois sobre estes temas. Quero que vejam que está tudo bem se sentir sozinho, que é normal ter algum medo e que está todo mundo se sentindo assim também. Estamos há um ano trancados em casa, os sentimentos estão à flor da pele. Não é vergonha se sentir depressivo, mas isto precisa ser conversado”, atesta a criadora, que também atua há cinco anos como roteirista da Rede Globo.
A vida real inspira a ficção: pesquisas comprovam que antidepressivos estão em segundo lugar na fila dos remédios mais consumidos. “Desde antes da pandemia, muitas vezes nos sentíamos sozinhos mesmo em uma sala lotada de gente e nos isolávamos mesmo querendo companhia. Numa crise de pânico é comum faltar ao trabalho alegando enxaqueca, virose ou a morte de algum parente. Admitir que se tem depressão é ainda visto como sinal de fraqueza. O tabu precisa ser vencido depressa e muitas vezes o humor é a forma de se falar de assuntos pesados, porque ele tem a coragem de falar sobre coisas que as pessoas pensam, mas não dizem”, resume.
A iniciativa de protagonizar sua ideia foi natural como a escolha do repertório. “Eu sempre soube que faria porque gosto muito de escrever sobre temas que estão pulsando e me colocar em cena para falar deles. Até hoje só escrevi protagonistas femininas, gosto de escrever para mulheres. Escrevo sobre o que entendo, sobre o que me faz pensar, pulsar e, enquanto puder, minhas protagonistas serão femininas. Já têm bastante gente por aí priorizando os personagens masculinos, não é mesmo?”, provoca Marcélli.
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