Maitê Proença volta ao palco e diz sobre vida amorosa: ‘No mundo da exposição vulgar é lindo manter algo preservado


A atriz, escritora e dramaturga está no monólogo ‘O Pior de Mim’, que também vai ganhar livro e, em entrevista exclusiva, revela o conteúdo do espetáculo, que parte de passagens da sua vida para falar de todas as outras vidas. E também conversa abertamente sobre etarismo, preconceitos que já tiveram em relação à ela, e sobre a curiosidade a respeito da sua intimidade, desde que começaram a especular sobre uma relação sua com a cantora Adriana Calcanhoto: “Acho normal que comentem, e pensem coisas, que bom! Mexe nos conceitos e só faz bem. Estou na chuva, tranquilona”

Maitê Proença volta ao palco e diz sobre vida amorosa: 'No mundo da exposição vulgar é lindo manter algo preservado

*Por Brunna Condini

Nesta terça-feira, dia 8, é celebrado o Dia Internacional das Mulheres, data que marca as lutas femininas por igualdade e na ocupação dos espaços. E, por aqui, costumamos exaltar trajetórias de mulheres potentes. Hoje entrevistamos Maitê Proença, que para além da carreira como atriz, escritora, dramaturga e produtora, tem usado sua conta do Instagram nos últimos dois anos para postar conteúdos divertidos ou relevantes de alguma forma. Dentro deste pacote, a atriz tem se ocupado em compartilhar biografias de grandes mulheres do mundo, como Agatha Christie, Elis Regina, Daiane dos Santos, entre muitas outras. Em nossa conversa, Maitê deixa claro que não se interessa em ficar falando somente sobre ela mesma.

E divide que assuntos lhe interessam jogar luz neste momento: “Todo mundo sabe que precisamos inventar uma nova forma de consumir energia. E precisamos de novos valores, que considerem todos os seres vivos pelo que de fato são, e não pelo que possuem ou pela textura do cabelo. Precisamos urgentemente sair do saber para o fazer ou seguiremos com guerras fundadas em valores ultrapassados de poder, dinheiro e consumo desenfreado, enfrentamentos que não levam em conta nada daquilo que acabo de citar, por exemplo”.

No entanto, nem só de ganhos se alimenta a internet. A atriz, que não se esquiva de nenhuma pergunta – mas só entrega o que deseja – tem visto a curiosidade em torno da sua vida privada ganhar força desde junho do ano passado, quando se especulou que ela estaria namorando a cantora e compositora Adriana Calcanhoto. De lá para cá, Maitê nem falou sobre o assunto claramente e nem desmentiu. Está namorando a Adriana Calcanhoto? “Nesse mundo da exposição vulgar, eu acho lindo que a gente mantenha alguns setores privados, recolhidos e preservados”, comentou. Ficou chateada que sua vida amorosa fosse notícia? “Não. Acho normal que comentem, e pensem coisas, que bom! Mexe nos conceitos e só faz bem. Estou na chuva, tranquilona”.

"Nesse mundo da exposição vulgar, eu acho lindo que a gente mantenha alguns setores privados, recolhidos e preservados" (Divulgação)

“Nesse mundo da exposição vulgar, eu acho lindo que a gente mantenha alguns setores privados, recolhidos e preservados” (Foto: Dalton Valério/Divulgação)

Ela acredita que a sociedade continua muito careta e ainda precisa ser voyer da vida alheia: “A gente aprende olhando quem vem antes abrindo os caminhos”. E questionada sobre a sua identidade aos 64 anos, Maitê é certeira, colhendo os louros de tanto investimento em autoconhecimento ao longo da vida: “Sou uma buscadora, não me atolo nos problemas da vida, sacudo e levanto. O tempo desenrolou meus nós. Tento ser uma boa pessoa e, agora, vai ficando mais fácil em muitos aspectos”.

"Criei a peça como um antídoto para toda a mentira. Achei que alguém precisava abrir a caixa dos equívocos, das escorregadas, das frustrações" (Divulgação)

“Criei a peça como um antídoto para toda a mentira. Achei que alguém precisava abrir a caixa dos equívocos, das escorregadas, das frustrações” (Divulgação)

É com esta potência e serenidade de já saber muito bem seus espaços interiores mais claros e também os mais escuros, que a atriz vai subir ao palco com a peça ‘O Pior de Mim’, depois de três temporadas online e uma breve turnê presencial. O solo com texto seu e direção de Rodrigo Portella, reestreia em 25 de março, no Teatro Prudential, na Glória, no Rio de Janeiro, e nele, Maitê revisita histórias impactantes do seu caminho, reflete sobre como sua conturbada história familiar repercutiu na vida profissional, fala das dificuldades no percurso e de tudo que precisou fazer para se libertar, explica Maitê.

O que a move nesta troca tão íntima com o público, já que tudo parte das suas experiências? “No que toca o entretenimento audiovisual, ficamos reduzidos às mídias sociais, aos reality shows, onde as pessoas desempenham personagens calculados para ganharem um milhão ou são histericamente felizes, bem-sucedidas, lindas e com centenas de amigos. Por comparação com tanta perfeição era inevitável que nos sentíssemos diminuídos e infelizes. E a coisa já não estava fácil por si. Criei ‘O Pior de Mim‘ como um antídoto para toda a mentira. Achei que alguém precisava abrir a caixa dos equívocos, das escorregadas, das frustrações, daquilo que deu terrivelmente errado”.

"Sou uma buscadora, não me atolo nos problemas da vida, sacudo e levanto. O tempo desenrolou meus nós" (Divulgação)

“Sou uma buscadora, não me atolo nos problemas da vida, sacudo e levanto. O tempo desenrolou meus nós” (Divulgação)

E acrescenta: “Agora não será mais só uma cabeça falando com as câmeras, mas um corpo inteiro escancarando tudo o que aconteceu por dentro, enquanto o público assistia ao ‘sucesso’ daquela mulher transformada em estrela da TV e dos palcos. Acredito que temos histórias muito distintas, mas que quando estamos fragilizados lançamos mão de comportamentos muito semelhantes. Somos irmãos na dor e no fracasso”.

Histórias pessoais para falar de todas as histórias

Uma vida com muito a celebrar, mas com prematuras tragédias no percurso. A artista tinha 12 anos quando a mãe foi assassinada por seu pai. Anos depois, ele se suicidou e um irmão de Maitê também. Mas, em cena, ela não está interessada em remoer suas dores. “Meus dramas familiares não têm nenhuma importância. A peça é sobre todos nós e o que fazemos com o enredo que nos foi dado. Refiro-me à minha própria história porque é a única que tenho, e ela me dá autoridade para tratar dos assuntos que abordo na peça”, diz a atriz e autora.

É de uma coragem e generosidade grandes dividir com o público suas experiências, e também seus movimentos para ir adiante. O que considera determinante para que conseguisse ser a mulher que é hoje? “Não sei o que faço nesse planeta, porque nasci e pra quê. Só que a vida inteira procurei compreender a fundo, não só o que me foi imposto, mas também o que escolhi viver.  Não fechei o olho um dia sequer. Já compreendi alguns mistérios e sigo procurando. Vou sair daqui melhor do que entrei, e isso nada tem a ver com sucesso público. É de dentro da verdade profunda que falo. Ninguém precisa perceber. Se um ou outro se der conta será um grande amigo, amiga, nessa camada silenciosa em que também transito”.

"Não sei o que faço nesse planeta, porque nasci e pra quê. Só que a vida inteira procurei compreender a fundo, não só o que me foi imposto, mas também o que escolhi viver" (Reprodução/ Instagram)

“Não sei o que faço nesse planeta, porque nasci e pra quê. Só que a vida inteira procurei compreender a fundo, não só o que me foi imposto, mas também o que escolhi viver” (Reprodução/ Instagram)

Tirando preconceitos do caminho

Prestes a completar 45 anos de carreira e considerada por muitos uma das mais belas atrizes brasileiras, ela fala sobre etarismo no mundo artístico. “Está entranhado em quem faz as escalações, em quem faz as escolhas, isso não sai do sujeito, porque, agora, pega mal discriminar quem ele considera velho. Vai demorar”, avalia. “Ouvi também muitos preconceitos ao longo da minha trajetória. Diziam que eu era burra, boba, falsa, e sem talento. Muitas vezes, as pessoas tiveram razão: nem sempre consegui estar no melhor do meu desempenho”.

"Diziam que eu era burra, boba, falsa, e sem talento. Muitas vezes as pessoas tiveram razão: nem sempre consegui estar no melhor do meu desempenho" (Divulgação)

“Diziam que eu era burra, boba, falsa, e sem talento. Muitas vezes as pessoas tiveram razão: nem sempre consegui estar no melhor do meu desempenho” (Divulgação)

Maitê já declarou que há uma certa histeria pela juventude. “Isso também está na peça. E digo: Eu não tenho 20 anos e, quando tinha, era estúpida. Não vou fazer a apologia da velhice, porque nada é mais encantador do que o viço dos primeiros tempos. Mas, ainda que o espelho insista em me contrariar, não me sinto menos disposta ou deslumbrada com a vida, do que muitas pessoas de 20. 30 e 40 anos. Ainda bem que o envelhecimento não é um fenômeno puramente cutâneo. Há conteúdos subjetivos e as virtudes mais duradouras se temperam com os anos”.

E revela ainda, como vem lidando com o envelhecimento: “Não é bom ver as carnes se deteriorarem, e a memória, e os nomes que a gente esquece, e os idiomas que não falamos se diluindo no cérebro. É ótimo saber que tudo passa. E que há muito por fazer, aprender sobre flores e hortaliças, estudar italiano e grego a fundo, passar uns anos vivendo nas Ilhas Salomon, retomar a pintura que larguei quando amamentava minha filha…”.

Livro aberto

Os registros de Maitê Proença também foram base para a preparação de um livro, que será lançado em abril pela editora Agir. Homônima à peça, a obra escrita exigiu que a atriz voltasse a seus arquivos, recuperasse outros trechos e descortinasse novas reflexões e confidências. “O livro estará à venda nos saguões dos teatros. Tem concepção gráfica de Ronaldo Fraga e é tipo vira-vira, com duas frentes: uma para a reedição de ‘Uma Vida Inventada‘ – romance com elementos autobiográficos que a artista publicou em 2008 e que acompanha duas meninas em uma jornada de descobertas – e outra para ‘O Pior de Mim‘. A versão literária de ‘O Pior de Mim’ saiu do mesmo rascunhão de onde tirei a peça, mas é bem mais ampla, contendo novas histórias”. Segundo Maitê, a narradora do ‘O Pior de mim‘ é, na verdade, uma extensão amadurecida de uma das personagens de ‘Uma Vida Inventada‘. Por isso surgiu a ideia de unir os dois no mesmo volume.