Luísa Périssé pondera rótulo de nepo-baby, critica a espetacularização do corpo feminino e estreará peça com a mãe


Luísa Périssé mantém a tradição da família e é mais uma a dedicar-se à comédia. A neta de Chico Anysio e filha de Heloísa Périssé pôde ser vista recentemente em cartaz com a peça “Camareiras”, junto com a atriz Castorine, que em breve estará no elenco de “Elas por Elas”. Na montagem, uma criação coletiva da dupla, ambas decidiram dar protagonismo à Classe C e destacarem duas profissionais que trabalham nos hoteis e que, geralmente, são invisibilizadas. Luísa também fala sobre a beleza feminina no humor, algo que sempre foi tido como incompatível. Além disso, critica a forma com a qual o corpo das mulheres é visto de forma objetificada nas redes sociais

*por Vítor Antunes

Oriunda de uma família de comediantes, Luísa Périssé segue desafiando-se em sua carreira, mesmo diante das cobranças. A atriz, filha de Heloísa Périssé e Lug de Paula, sobrinha de Bruno Mazzeo e neta de Chico Anysio quer assinar seu nome na comédia. Ainda que reconheça o seu talento, lida bem  – depois de anos de terapia – com o fato de sempre ser colocada à prova, não apenas por sua ascendência, mas por sua beleza. “Eu sempre vou passar por comparações. Eu mesma me zoo dizendo que sou uma pessoa sem nome. Sou sempre a filha, ou neta de alguém”. Ainda que eu consiga provar o meu talento, as pessoas vão continuar falando que sou nepo-baby. las têm necessidade de falar. Graças a Deus – e a dez anos de terapia – sou bem resolvida com isso”, desabafa. Sobre a estética do humor para mulheres, Luísa revela: “Estou mais próxima do padrão e, por isso, já cheguei a pensar em não fazer humor arrumada, em me enfear, para ser humorista”. Historicamente, era comum às pessoas bonitas – tanto homens como mulheres – serem classificadas por pouco engraçadas, justamente por conta da beleza.

Aliás, em tratando-se da estética, Luísa, tal como outras atrizes, também foi alvo de manchetes de gosto duvidoso que resumem a personalidade de uma pessoa ao seu corpo. Próximo à estreia de “Camareiras”, sua peça, ela postou uma foto de biquíni, e sob uma perspectiva bem humorada, usou o retrato para divulgar a peça. Inicialmente uma descontração, acabou revelando-se como objetificação do corpo feminino. Veículos publicaram apenas a foto da garota na praia, fazendo menção ao seu traje e ignorando a peça teatral: “As pessoas parecem interessadas em ver corpos nas redes sociais. Quando eu punha uma foto de ‘Camareiras’, rendia 800 likes. Quando eu ponho uma de biquíni, rende 5 mil. Parece que é isso que vende nas redes sociais”, diz ela, cujo TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) na faculdade foi, justamente sobre o humor em tempos tecnológicos.

Até o fim de julho, Luísa e Castorine estrelaram “Camareiras” , uma comédia musical que, em razão do sucesso teve a temporada estendida, mas foi interrompida em razão de Castorine haver sido escalada para o remake de “Elas por Elas“. A dupla pretende retomar a montagem ao fim da novela. Para o segundo semestre Luísa, e sua mãe, Heloísa Périssé, estarão juntas em cartaz na montagem de “DPA – Detetives do Prédio Azul“. E não vai ser a primeira vez que farão dobradinha. Já fizeram “Alice no País da Internet“, em 2017, bem como estudaram juntas na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras).

Luísa Périssé está em peças de teatro neste semestre, e reforça sua identidade como humorista numa família de talentos (Foto: Divulgação)

VIVER PELO RISO

Chico Anysio (1931-2012) morreu há dez anos. Se vivo estivesse, teria 93 anos. Mais de 200 personagens foram inventados por ele. Teve oito filhos e quase todos envolvidos com alguma manifestação artística. Tudo que envolve Anysio é grandioso. Um dos filhos do humorista é o ex-ator, Lug de Paula, fruto do relacionamento de Chico com a humorista Nancy Wanderley (1927-2008). Luísa é filha de Lug com a também comediante Heloísa Périssé, além de ser sobrinha de André Lucas, Bruno Mazzeo e Nizo Neto, todos também humoristas. Muitos considerariam estanho se ela não mantivesse a linhagem do clã. Porém, a verve costuma receber críticas. E ante o fato de ser desta família repleta de estrelas, pauta-se com recorrência o fato de ela, e outros filhos de famosos, serem nepo-babies, ou seja, pessoas privilegiadas por terem parentesco com figuras importantes na indústria do entretenimento.

Brinco dizendo que não tenho nome . Sou sempre a “filha da Lolô, a filha do Lug, a neta do Chico” – Luísa Périssé

Sobre o seu estilo de fazer humor, Luísa afirma: “Eu me acho muito diferente da minha mãe, ainda que eu seja parecida fisicamente com ela. Considero meu gosto pela comédia mais parecido com o do meu avô, que gostava de caracterização e caricatura. Porém, eu quero fazer meu futuro, estudar e  mostrar e que consegui chegar por méritos e não por minha ascendência. Fico feliz quando as pessoas me procuram no Instagram e dizem que me conheceram através da série “Sem Filtro“, da Netflix, por exemplo”. O pai da artista, Lug, famoso pelo personagem Seu Boneco, da “Escolinha do Professor Raimundo“, afastou-se da carreira e hoje mora em Florianópolis (SC).

Luísa Perissé em 2008 vivendo Dercy Gonçalves na série biográfica sobre a comediante (Foto: Divulgação/TV Globo)

Historicamente, são poucas as mulheres que se destacaram como humoristas. De imediato lembraríamos de Dercy Gonçalves (1905-2008). Se ela seguisse o padrão de beleza imposto pela sociedade, então… Algo ainda mais difícil. A beleza não era bem vinda mesmo para os homens. Em antiga entrevista, Chico Anysio apontava que o ator Antonio Carlos Pires (1927- 2005) ressentia-se por ser bonito e se caracterizava para disfarçar a boa aparência. Tanto que o maior sucesso do pai de Glória Pires foi Joselino Barbacena, um matuto banguela, na “Escolinha do Professor Raimundo”. Outra atriz, Leila Miranda (1934-1992) aderiu-se tanto à imagem da caricatura com a Sofia do “Chico Anysio Show“, que praticamente não há fotos dela sem caracterização. Para esta reportagem foi necessário resgatar a capa de um álbum que a atriz gravou, nos anos 1970. Perguntamos à Luísa se ela nunca ouviu restrições junto à classe, diante do fato de ser uma mulher bonita. “Me dei conta que quando você está fazendo uma personagem, você vira aquela persona. Quando é uma pessoa bonita, é algo difícil fugir do estereótipo. A Mônica Martelli diz que ela e sua geração sempre ouviram que não seriam boas humoristas por serem bonitas”, observa.

“Eu adoro pastelão, adoro uma dentadura, adoro peruca. Tanto que, aos 2 anos ,eu pedi uma peruca de presente. Acho caracterização tudo de bom. Quando eu e Castorine estreamos, diziam que a moda de personagens caricatas já havia passado. A moda [na comédia] é cíclica. E o tarô nos revelou que revolucionaríamos o humor – Luísa Perissé

Uma das poucas fotos de Leila Miranda descaracterizada (Foto: Reprodução)

Leila Miranda caracterizada como Sofia, no Chico Anysio Show, e conhecida por seu bordão “Oh, Nazareno” (Foto: Reprodução/Globo)

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Ainda no campo da beleza, falamos com Luísa sobre o fato de veículos de comunicação terem usado uma foto sua de biquíni e manchetarem-na de forma sexualizada. Trata-se, para ela, de uma espécie de “espetacularização do corpo feminino. No fim, não falaram da peça apenas do meu biquíni. As pessoas estão interessadas em ver corpo. Quando eu ponho uma foto de “Camareiras” no meu Instagram, rende 800 likes. Uma foto minha de biquíni, 5 mil”.

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Luísa Périssé. Atriz da nova geração do humor (Foto: Divulgação)

PALCOS, STREAMS, ZORRAS

Logo no começo desta matéria falamos de Chico Anysio. Agora, voltando ainda mais ao passado, há um programa, “Balança Mas Não Cai”,  que estreou na Rádio Nacional, em 1950, ancorado por Wilton Franco e idealizado por Max Nunes (1922-2014) e Haroldo Barbosa (1915-1979). Todo o show se passava em um prédio onde os tipos cômicos viviam. O prédio centralizava a ação. Ideia semelhante orientou Castorine e Luísa Périssé quando idealizaram “Camareiras”. “Pensamos que era preciso um lugar que tivesse um fluxo de gente diversa. Daí tivemos a ideia de um hotel. Como as camareiras são as protagonistas, sempre que há um problema a corda arrebenta para o lado mais fraco e pensamos nisso. Os hóspedes nem as cumprimentam. São pessoas invisíveis e oprimidas pela sociedade”.

No fim do mês de julho, “Camareiras” saiu de cartaz e voltará quando Castorine sair de “Elas por Elas“. Neste meio tempo, Luísa e sua mãe estarão no teatro interpretando duas bruxas na peça “DPA – Detetives do Prédio Azul“. As duas já estiveram juntas em outras ocasiões artisticamente, como em “Alice no País da Internet“, de 2017. E recentemente, estudaram juntas na faculdade. “Em princípio eu não queria que estudássemos juntas, mas depois quis que ela ficasse comigo o tempo todo”, derrete-se.

Antoônia, Heloísa e Luísa Périssé em “Alice no País da Internet” (Foto: Divulgação)

Com a ascensão de humoristas nas redes sociais, Luísa acredita que “a internet abre espaço para muitas pessoas mostrarem seus talentos e habilidades, já quem nem todos vão ter as mesmas oportunidades”, diz ela. A todo o tempo falando de graça, humor e riso, quisemos saber o que emociona a atriz “saber de gente que deu a volta por cima, que superou a própria realidade”. Luísa prova que a empatia é bonita como o sorriso e sonora como uma gargalhada, ainda que silenciosa.