Uma pessoa que nunca protagonizou nada de repente é colocada na frente dos holofotes. Este é o pontapé do enredo do espetáculo Não Peça, escrito e interpretado por Lucília de Assis. Na história, Jandira mora nos fundos de um teatro, desde muito nova, e trabalha cumprindo diversas tarefas: faz a faxina, gere a bilheteria e é baleira. Aprendeu a ler com a ajuda de uma atriz que a ensinava a partir de textos teatrais. No entanto, um dia o elenco que iria se apresentar fica preso em um engarrafamento e pede que ela enrole a plateia enquanto não chegam. A maneira que encontra de fazer isto é contando histórias, transformando suas vivências em histórias. “Acho este trabalho é muito lindo, porque é uma personagem que vai para a frente do teatro e é exatamente isto que temos que fazer. Temos que liderar as cenas da nossa vida. E é uma pessoa com uma realidade diferente, que não quer impor regras, apenas mostrar o seu conhecimento de vida. O campo do sensível dela está trabalhado. Ela tem graça, leveza, amor, humor e tristeza”, informou Lucília. Com direção de Bianca Byington, o monólogo fez sua estreia no dia 23 de fevereiro no Centro Cultural Justiça Federal, no Rio de Janeiro, para uma curta temporada de três semanas.
“Quando as pessoas escrevem, elas estão falando de si, dos fragmentos que possuem na memória. Mas o fato é que estas lembranças são ficções também, não aconteceu daquela forma. Falo sobre coisas que, de alguma forma, ficaram na sombra e nem sempre são tão alegres, o que é lógico, porque coisas felizes não redem. As histórias saem de onde a pessoa recalcou e não quer ver”, explicou Lucília. Foi exatamente nesta atmosfera de introspecção que a dramaturga resolveu abrir o seu coração ao escrever o espetáculo. Para escrever este texto, ela revisitou o seu passado. “Esta ideia é uma necessidade que senti de contar vivências e impressões, de uma forma diferente. São coleções de histórias que fui conhecendo ao longo da vida, mas nem todas eu vivi. Uni as minhas tragédias”, informou. A carreira desta artista é marcada pela escrita, sendo assim já fez muitos roteiros para outras pessoas atuarem. No entanto, exatamente por este ser tão pessoal é que a dramaturga resolveu que ela iria montar esta peça, sem colocar outro ator como ponte de comunicação entre o texto e o público.
A Jandira acaba por representar muitos problemas atuais que existem no Brasil. É uma pessoa que aprendeu a ler através da boa vontade de uma artista e não por uma escola. Além disso, está em um local marginalizado, sem nenhuma assistência, levando uma história sofrida. “A Jandira está em um estado de calamidade e nós conhecemos isto muito bem”, lamentou. Sendo assim, ao abrir o seu coração escrevendo este espetáculo, a autora também fez um verdadeiro desabafo repleto de críticas ao país. “Não falta o que criticar neste sistema. Não sei como estes políticos conseguem dormir vendo tantas coisas erradas acontecendo. É podre ver a saúde capenga, os banqueiros… e ninguém lutando pela distribuição de terras. O projeto desta safadeza é criar a descrença do povo e isso acaba culminado nas pessoas querendo a volta da ditadura. Estamos perdidos!”, declarou a dramaturga.
As poesias não param por aí, existe outra metáfora muito importante neste roteiro. O elenco que não conseguiu chegar a tempo na peça está preso na avenida Brasil. Coincidência ou não, a escolha deste nome pode sugerir diversas interpretações e era exatamente esta reflexão que a autora pretendia impulsionar. “Nós todos estamos presos e encurralados na avenida Brasil. Nós sabemos que a arte e a educação é a única coisa que pode sugerir uma luz no final do túnel, não é por acaso que muitos artistas trabalham de graça. É preciso acender um holofote em cima destes desconhecidos e desprotegidos que estão lá no fundo”, informou.
SERVIÇO
“NÃO PEÇA”
Temporada: de 23 de fevereiro a 11 de março – de sexta a domingos, às 19h.
Local: Centro Cultural Justiça Federal – Av. Rio Branco 241 – Tels.: 3261 2550 / 2565.
Ingresso: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia) – Bilheteria: das 16h às 19h.
Ingressos online: https://goo.gl/6o3mKK
Classificação: 12 anos. Duração: 60 minutos. Lotação: 142 lugares.
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