Lola Fanucchi reflete no teatro violência contra mulher: ‘Em 2021, tivemos um estupro a cada 10 minutos no Brasil’

* Por Carlos Lima Costa

A atriz Lola Fanucchi, que se destacou em Órfãos da Terra, premiada como Melhor Novela no Emmy Internacional 2020, está em fase de total dedicação ao teatro. Após encerrar turnê no Nordeste com a peça As Cangaceiras, ela estreou no último dia 25, com o musical Vingança, no Teatro Raul Cortez, em São Paulo. O espetáculo, assim como o anterior, é permeado por situações machistas. “Quando comparamos alguns discursos dos anos de 1950, quando se passa a peça Vingança ou com os absurdos que aconteciam no cangaço no meio do sertão, onde os cangaceiros marcavam as mulheres com ferro quente como se fossem gado, graças a Deus, avançamos como sociedade em muitos níveis. Mas ainda é um país machista. As mulheres ainda ganham bem menos do que homens em diversos setores, é difícil encontrar mulheres em posições de liderança e ainda temos níveis alarmantes de violência contra a mulher. Por conta desses projetos, pesquisei sobre isso. Em 2021, era um estupro a cada dez minutos no Brasil. Então, não dá para dizer que é um problema sanado”, enfatiza.

Aos 37 anos de idade, Lola nunca vivenciou pessoalmente nada tão grave, mas já precisou driblar situações machistas constrangedoras. “É difícil encontrar uma mulher que não tenha passado por alguma situação de violência. Claro, existem níveis mais graves e mais leves. Na minha época de faculdade, eu estava no campus da Unicamp indo para a aula e um rapaz parou o carro do meu lado me perguntando onde era a moradia estudantil. Era começo de semestre, achei que ele estivesse perdido e comecei a explicar. Quando terminei de passar a informação, percebi que ele estava se masturbando. Foi algo tão absurdo, fiquei tão chocada que não tive reação. Apenas saí de perto do carro, não falei mais nada. Queria ter tido mais perspicácia de colocá-lo no lugar dele”, pontua.

Lola Fanucchi aborda na peça Vingança violência contra a mulher (Foto: Mariana Menezes)

Lola prossegue, chamando atenção: “Isso é mais comum do que imaginamos. E a gente acaba normalizando esse tipo de situação até chegar em um ponto onde agressores, estupradores são pessoas que a gente acaba não culpabilizando tanto. Por exemplo, no caso que aconteceu com a Klara Castanho, que acabou tendo a violência sofrida por ela superexposta nas mídias, ela foi mais julgada por deixar o bebê para a adoção do que a pessoa que a violentou. O mesmo aconteceu com a menina de 11 anos também estuprada. Falaram mais sobre se ela tinha a possibilidade de abortar, se isso é errado ou não, do que o fato dela sofrer uma violência. É um pouco absurdo como as pessoas normalizam a agressão e acabam julgando mais as vítimas”, observa.

Aborto deve ser um direito

Em relação ao aborto, Lola é favorável independentemente da mulher ter sido estuprada ou não. “Eu entendo que é uma questão de saúde pública que não podemos ignorar, independentemente da crença religiosa de cada um. As pessoas vão fazer o aborto. Quem tem condições vai a um lugar que tenha um mínimo de assepsia, de higiene. Quem não tem, pode parar diante de um carniceiro. O estado não pode ignorar que isso acontece, ainda mais em um caso de vítimas de estupro, com uma gravidez completamente indesejada, advinda de um trauma que vai perseguir a vítima para o resto da vida. Acho um absurdo gastar mais tempo julgando se a menina deveria ter amor por aquele feto do que pensando na saúde dela. Primeiro que uma menina de 11 anos é uma criança. Nem devia ser colocado em pauta se ela teria esse direito ou não. Ela tem, existe uma lei que a protege. Quer dizer que dependendo da via religiosa de quem está no poder vão começar a julgar as coisas diferentes, pela predileção religiosa de uma pessoa que está em um cargo de poder na justiça? É complicado. O estado é laico para que todas as pessoas, de diversas religiões, se sintam representadas. Pra mim é questão de saúde pública e os direitos dessas meninas estão sendo violados. Sou a favor do aborto independentemente da situação, se foi estupro ou não, que seja um direito”, reflete.

“Sou a favor do aborto independentemente da situação, se foi estupro ou não, que seja um direito”, frisa Lola (Foto: Divulgação)

“Por hora, meu filho é o meu trabalho, sou apaixonada por ele, tipo mãe boba que fica babando”, frisa Lola (Foto: Mariana Menezes)

Em termos de relacionamento afetivo machista, Lola conta que teve um namorado que demonstrava, mas de forma mais sutil. “Ele falava que eu não precisaria trabalhar se não quisesse, que poderia ficar em casa cuidando da casa, que ele ficaria feliz assim. Não era uma imposição, ele não dizia isso de forma violenta, mas tinha a predileção por ter uma mulher cuidando desse aspecto da vida familiar”, revela.

Um namorado me falou que eu não precisaria trabalhar se não quisesse, que eu poderia cuidar da casa e ele ficaria feliz assim – Lola Fanucchi

Para Lola, esse tipo de cotidiano só pode acontecer se for um desejo da mulher. “Honestamente, não acho que tenha problema uma mulher escolher atividades domésticas, ter vontade de ser mãe e entender isso como sua missão. O importante é ela estar feliz, que seja uma escolha consciente por uma vontade pessoal dela. Por hora, meu filho é o meu trabalho, sou apaixonada por ele, tipo mãe boba que fica babando”, explica Lola que há quase seis anos namora o ator e compositor Elton Towersey.

Machismo dos anos 50 reflete atualidade

No momento, a atriz está totalmente entusiasmada com o espetáculo Vingança, que fica em cartaz até meados de agosto. A narrativa é construída a partir de canções de Lupicínio Rodrigues (1914-1974). “É o que a gente chama de um musical jukebox, quando você pega as músicas do cantor que deseja homenagear e constrói a dramaturgia em cima delas. Nesse especificamente, a dramaturgia é tão bem feita em cima das canções que parece ter sido o contrário”, explica ela sobre o espetáculo escrito por Anna Toledo.

E prossegue: “Este melodrama é um retrato de uma época. Lupicínio é conhecido como Rei da dor de cotovelo, então, você vê a presença disso, amores não correspondidos, triângulos amorosos, vinganças entre os personagens. É a cara do que o brasileiro gosta de ver, tipo novela das nove. Por se tratar de um retrato histórico a gente com certeza também aborda machismos da época, construções daquela sociedade. É interessante questionar o quanto isso de fato mudou, o quanto superamos alguns preconceitos. Nas últimas semanas, vimos muitos casos de violência contra a mulher, então, trazer de volta esse retrato da década de 50 faz com que a gente retome esses questionamentos. Apesar de se tratar de uma história de época, infelizmente é bastante atual”, lamenta.

O que mais a chocou no texto foram frases que ela considera perturbadoras. “Por exemplo, um dos personagens fala que boêmio tem que casar se achar na esposa dele uma segunda mãe. São perpetuações do machismo, da mulher ter que cuidar do homem, fazer sopinha, arrumar a casa, esse papel bem estigmatizado. A peça em si aborda bastante a violência mesmo contra a mulher, não só a psicológica, mas a física também. Não é uma peça leve. O legal é que nenhum personagem é vilão ou vítima somente, sabe, eles são bem reais e humanos. Na vida é difícil que a gente seja só vítima ou vilão, existem muitas camadas. Maria Rosa, a minha personagem, foi desde muito cedo, atropelada pela vida, eu diria. Expulsa de casa quando era bem jovem devido a um boato, precisou aprender a se virar, a construir uma força interna. E entendeu cedo o poder de sua beleza, que ao mesmo tempo também foi uma desgraça. Isso a leva para lugares perigosos”, comenta.

Brechó online de moda sustentável

Enquanto ensaiava a peça durante a semana, aos sábados e domingos, vinha fazendo turnê no Nordeste com As Cangaceiras. “Era sobre mulheres que fogem da opressão dos cangaceiros homens do sertão, que montam o próprio grupo. Ela aborda a força feminina, a luta para tirar a mulher de um lugar de opressão de fala”, ressalta Lola, que desde o final de 2020 é dona do Pepitha Bazar, brechó online de moda sustentável.

“Sempre fui fã de moda circular e mais sustentável. Na pandemia, como estava impedida de trabalhar com o meu ofício, e tinha muito tempo livre, decidi montar. Sempre gostei de comprar em brechó, acho importante esse conceito de reutilizar. Comecei com algumas peças minhas que eu fui desapegando e de algumas conhecidas, e teve bastante aceitação, muita gente está interessada também por essa proposta da moda circular. Estão percebendo que tem muitas peças boas vendidas em brechós, que a gente não precisa gastar absurdos. E ao evitar o descarte de uma peça, ajudamos a diminuir os impactos ambientais”, explica ela, que por enquanto comercializa apenas moda feminina.