*Por Brunna Condini
Guilherme Leme Garcia se consolidou como um criador requisitado no teatro brasileiro. Ator e diretor, ele que foi considerado ‘galã’ nos anos 80, está longe da TV desde 2016, quando fez ‘A Terra Prometida’, da Record, e é no tablado que atuou, dirigiu e produziu mais de 50 espetáculos, sempre escolhendo seus projetos de forma cuidadosa e amorosa. Aqui, o artista, que esteve em cena recentemente com ‘O Estrangeiro_reloaded ‘ dirigido por Vera Holtz, revela se sente falta de trabalhar como ator na televisão. “Trabalhar como diretor não foi uma escolha, foi uma consequência. Digo sempre que sou um velho ator, porque tenho 40 anos de carreira, e um jovem diretor, porque nesta área são 20 de trajetória. Nem tão jovem diretor assim (risos). O que quero dizer, é que quando o diretor apareceu para mim, foi com muita energia, tesão criativo. Vou me dividindo entre as duas funções, mas hoje faço mais coisas como diretor. A vida me levou para isso. Como ator procuro fazer coisas pontuais, que me excitam, me deixam apaixonado”, afirma Leme, que chega ao Rio de Janeiro com ‘Realpolitik’, que estreia no Teatro Poeira de Andrea Beltrão e Marieta Severo, amanhã (dia 4). Sobre o desejo de voltar a trabalhar na TV, ele completa:
Às vezes sinto falta de fazer novelas, apesar de não ser muito do meio da televisão mais. À medida que fui mergulhando no teatro, eu e a TV fomos nos afastando. Chegou uma hora que ficamos tão distantes, que parece que não tem mais retorno…é gozado. Mas adoraria fazer televisão novamente. E cinema. Me chama que eu vou…estou na praça – Guilherme Leme Garcia
Para Guilherme, que já opinou ao site sobre influenciadores virando atores, ele corrobora: “Acho complicado. Eles não têm estrutura, formação, experiência e de repente vão lá e “viram” artistas. Porém, isso não é novo. É algo que, de alguma forma, sempre aconteceu e várias pessoas foram descobertas sem ter uma carreira. Surgiu muita gente legal, com talento”. E ele diz agora o que pensa sobre o mercado do audiovisual para a classe: “Eu estava vendo outro dia, a Globo anunciando todos os produtos que estão criando pela Globoplay, pela própria TV aberta, e quanta coisa! Nossa, na época em que eu fazia televisão, praticamente só tinha novela, né? Agora tem um monte de séries, programas, e não só na Globo. Os streamings estão produzindo muito. Acredito que é um momento muito bom para o artista brasileiro”.
De olho nos perigos do retrocesso
Dirigindo atualmente ‘Realpolitik’, um espetáculo que estimula a reflexão acerca da exploração das grandes corporações que dominam a economia e exploram os recursos, muitas vezes em detrimento do bem-estar do indivíduo e do coletivo, Leme aproveita para comentar a atualização das políticas sociais da Meta, anunciadas recentemente, implantadas com o argumento de que seriam em prol de mais liberdade de expressão, tirando filtros importantes. Uma das principais mudanças, por exemplo, é que, a partir de agora, os usuários não têm mais impedimentos de realizar postagens que associem a doença mental a orientação sexual; isso entre uma infinidade de outras postagens que poderiam resultar em fake news e conteúdos tóxicos.
“O problema não é só esse de que as pessoas podem associar a orientação sexual com a doença mental, esse é um problema sim, mas estão dando muito foco só para isso. Existem outros milhares de problemas que podem acontecer. E o que pode acontecer? É o Instagram, o Facebook, o TikTok, o Threads virarem uma deep web. E sabemos que na deep web tudo pode acontecer. Tudo de ruim, tudo de podridão do ser humano e das relações humanas e do processo civilizatório está na deep web”. E conclui:
Sem essa checagem da Meta, as redes sociais vão virar uma deep web. Esse é o grande problema e daí tudo vai acontecer, não só em relação a essa coisa de orientação sexual, mas a crimes horrorosos, a perversões horrorosas, a enganação da população, enfim, tudo que a gente sabe que acontece nas redes sociais – Guilherme Leme Garcia
De olho na arte reflexiva
A provocação é uma das funções mais potentes da arte e o diretor sabe disso. E essa é uma proposta presente em ‘Realpolitik’, peça de Daniela Pereira de Carvalho, com direção de Guilherme Leme Garcia e Gustavo Rodrigues, com os atores Pedro Osorio e Augusto Zacchi. Em cena, o encontro entre um jornalista e um CEO de uma grande mineradora brasileira, após o rompimento de uma barragem com mais de uma centena de vítimas e milhares de pessoas desalojadas de suas casas. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
“É um assunto totalmente pertinente com os dias de hoje. Estamos falando de uma questão muito séria que o mundo inteiro está enfrentando, que é o ser humano indo de encontro à natureza, desrespeitando a natureza e desrespeitando o seu próximo em prol de poder, em prol de dinheiro. Em prol de progresso, e claro que tudo isso me move como criador, quando eu tenho um belo texto, dois belos atores e um assunto, que é uma pauta hoje em dia no mundo”, analisa. Sobre o tema da montagem, o diretor reflete ainda: “Ou o planeta Terra, todos juntos, todos os seres humanos, todos os países, todos os governos, tomam uma decisão agora, ou a gente não terá tempo de refrear toda a catástrofe que vem pela frente. Chegamos a um ponto limite. É hora da gente agir, é hora de termos decisões determinantes para o futuro do planeta”.
Acredita que ainda temos jeito como humanidade? “Está difícil, viu? Mas eu acho que tem. Principalmente se repensarmos nossas crenças, narrativas de tudo que acontece hoje em dia, de como o mundo chegou onde chegou. Porque o problema, acredito que não está só nesse desejo imenso do ser humano, de progresso, de crescimento, de sempre querer mais. Eu acho que está também na incompletude do ser humano, que quer ser completo e não consegue, não consegue nunca. Mas acho que o ser humano pode ter uma saída, se ele repensar tudo que foi inventado pelo homem até hoje, isso como diz o Harari (Yuval Noah Harari autor do best-seller ‘Sapiens: Uma breve história da humanidade‘, entre outros), que tudo que a gente vive é uma grande criação do ser humano, se a gente repensar tudo isso e reinventar, pode ser que a gente tenha uma saída”.
De olho no presente
Sobre os planos para 2025, o artista compartilha: “Esse espetáculo, ‘Realpolitik’, vai estar em cartaz no Rio e continua em São Paulo, simultaneamente, com os mesmos atores: terças e quartas no Rio, e sextas, sábados e domingos, em São Paulo. Isso é muito bacana. E, no início de fevereiro, levo o meu monólogo, ‘O Estrangeiro_reloaded ‘, uma versão da mesma peça, mas inédita, para o CCBB no Rio de Janeiro. Tem também o monólogo ‘O Caso Ruth Desane’, da Marcia Zanelatto em que dirijo a minha queria Betty Faria no seu retorno aos palcos. Além disso, vou dirigir o musical ‘Hip Hop Hamlet’; e o monólogo ‘Diadorim’, com a Vera Zimmermann segue viajando. Além de outros projetos que estão na mesa, mas estou analisando se sei contar essas histórias, porque só assim eu topo fazer”.
Leme esteve em ‘Bebê a Bordo’ (1988), de Carlos Lombardi, um de seus maiores sucessos na televisão e uma das novelas mais representativas dos 80’s, que o alçou ao posto de sex symbol. E quisemos saber, o que o Guilherme de hoje, aos 64 anos, falaria para o Guilherme que fez sucesso em ‘Bebê a Bordo’ ? “Para o Guilherme de 30 anos, quando fiz ‘Bebê a Bordo’, eu diria: aproveita, aproveita muito, curte tudo, porque nada é para sempre. E também, diria: esteja aberto que o mundo muda e você tem que mudar junto. Para o Guilherme de hoje, eu falaria para continuar focando no presente, tenho exercitado essa meditação. Mas imaginando que eu pudesse falar para o Guilherme de 70 anos, por exemplo, eu perguntaria: E aí, foi bom para você?”.
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