Lobianco estreia tragicomédia e diz: “É triste ver gente aglomerando e certeza que precisamos nos reinventar como país”


O ator estreou o filme-teatro ‘Macbeth 2020’, com atores convidados da Cia Buraco Show, e fala do texto de Shakespeare que o ‘provocou’ para a criação, já que foi criado em plena pandemia da peste bubônica, há 400 anos, na Europa. Ele também compartilha um pouco da porção da vida em que busca ‘paz, sossego e água fresca’, e comenta sobre o tipo de humor que acredita não caber mais no mundo de hoje: “Aquele que ri do outro sem ele saber. É bom rir de si mesmo, das nossas vulnerabilidades, esquisitices, mas se é o outro, temos que rir juntos. O humor irresponsável que só ‘aponta o dedo’, não interessa mais. Na verdade, ele revela quem é quem. Além disso, humor amadurece, muda. Eu não tenho muita saudade do humor de 10 anos atrás. Quero fazer o que está lá na frente e não expõe ninguém. O humor tem que te tirar para dançar e você se divertir”

Lobianco estreia tragicomédia e diz: "Ver gente aglomerando é certeza que precisamos nos reinventar como país"

*Por Brunna Condini

Luis Lobianco vê na leveza uma possibilidade de respiro para a realidade, que anda densa. E lamenta a marca de 3 mil mortos por dia em decorrência da Covid-19 no país. “É uma tragédia sem precedentes. É muito triste a gente se olhar no espelho desta forma e ver o país que somos. O tipo de senso de coletividade, responsabilidade que temos para com o outro. Falo das pessoas vulneráveis, que precisamos nos responsabilizar. Mas falo também de quem têm que trabalhar e não tem a opção de ficar em casa. Sabemos que somos um país de carentes, que têm pessoas com muitas necessidades, e é impossível falar para algumas que precisam ficar em casa. Elas não podem, têm filhos para alimentar”.

E acrescenta: “Aí quando você vê um ser humano em uma festa mega aglomerada, fazendo pouco caso, negacionismo destas pessoas, você percebe que o governo que temos é a ponta do iceberg, a consequência do pensamento de uma construção histórica que precisamos mudar e está errada. Enquanto existir este tipo de pensamento individualista, classista, racista, teremos tragédias. Precisamos nos reinventar como país, porque agora é a pandemia, mas daqui a pouco vem outro evento e coloca o espelho na nossa cara de novo. E aí? A gente passa essa vergonha no mundo inteiro. Mas também somos um país de gente boa, honesta e responsável. Acredito que vamos dar a volta por cima. Acredito que os justos vão dar a volta por cima”.

Ele é um artista de seu tempo e isso segue evidente em sua trajetória. E agora, em plena pandemia, mais do que nunca. Tanto que o ator está totalmente imerso em um novo projeto como criador, diretor, produtor e ator, na ânsia de colocar as emoções que borbulham dentro da classe artística no período em cena, ou melhor, no vídeo. É neste contexto que estreou ‘Macbeth 2020’, espetáculo fica disponível gratuitamente, 24 horas por dia, até 30 de maio, no Sympla.

“Shakespeare escreveu essa peça durante uma quarentena. E eu, durante a nossa quarentena, tive acesso à essa informação sobre esse texto que conheço e adoro há muito tempo. Daí fiquei intrigado" (Foto: Anaxi Altamiranda)

“Shakespeare escreveu essa peça durante uma quarentena. E eu, durante a nossa quarentena, tive acesso ao texto que conheço. Daí fiquei intrigado” (Foto: Anaxi Altamiranda)

Em entrevista exclusiva ao site, o ator destaca o contexto em que o autor William Shakespeare (1564- 1616) escreveu o texto de ‘Macbeth’ , e revela que também foi o de uma pandemia. Mas, na Europa no século XVII. “Shakespeare escreveu essa peça durante uma quarentena. E eu, durante a nossa quarentena, tive acesso ao texto que conheço e adoro há muito tempo. Daí fiquei intrigado e pensei: “o cara estava sentindo há 400 anos o que estamos sentindo agora. E ele foi lá e escreveu esse texto universal, eterno”, recorda Lobianco, que interpreta sete personagens arquetípicos da classe teatral na tragicomédia.

“Achei que aqui, nas devidas proporções (risos), poderíamos fazer algo. Isso tudo que estamos sentindo tem que sair por algum lugar, não dá para ficar prendendo. Principalmente nós, artistas, que trabalhamos com sensações, emoções. Daí veio a idealização do projeto. Na peça, Shakespeare dá um caráter muito sombrio para a história, e muita gente atribui ao fato do texto ter uma espécie de ‘maldição’, e à pandemia de peste bubônica, que acontecia na época. Eu aqui, em 2020, 2021, achei que não precisávamos de mais tragédia. Trouxe para perto de mim, para o humor”, detalha.

“Estamos fazendo um filme, mas não queria sair do habitat do teatro. É uma peça muito conhecida. Então, gravamos dentro do teatro e o usamos como cenário. E os personagens que fazemos são do ambiente teatral e cultural, porque no momento em que a cultura está sendo tão desmoralizada, em que estamos sofrendo esse revanchismo, essa guerra ideológica, com as ‘armas’ apontadas para a cultura o tempo todo, com censura acontecendo, eu acreditei que deveria falar sobre o universo do artista. Então, os personagens são deste ambiente e contam as suas desventuras no momento em que foram montar essa peça, que tem esse mistério, essa ‘maldição’ em torno dela”.

A peça-filme-documentário tem parceria com o Teatro Poeira (onde Lobianco posa), a TV Zero e a Cia Buraco Show, da qual Lobianco foi um dos fundadores, em 2012 (Foto: Anaxi Altamiranda)

A peça-filme-doc tem parceria com o Teatro Poeira (foto), a TV Zero e a Cia Buraco Show, da qual Lobianco foi um dos fundadores, em 2012 (Foto: Anaxi Altamiranda)

Fé e cura 

Lobianco também fala do amigo Paulo Gustavo. O humorista foi internado em 13 de março por conta do quadro de Covid-19. As últimas informações dão conta de que ele está respondendo bem à intubação e apresentou “curva de melhora” nas últimas 72 horas. “Paulo é muito inspirador para muita gente. Eu estava conversando com uma amiga atriz, estávamos preocupados, falando dessa situação, e pensando que a história do Paulo é muito a nossa. Nós não nascemos em uma família que estava na mídia ou que compõe a elite intelectual do país ou somos de uma família rica. Nada disso. Foi muito suado pra gente. Pegamos muitos ônibus de madrugada para estar nos lugares e realizar nosso trabalho sem garantia de nada, e hoje a gente ocupa espaços importantes”, pontua.

E Lobianco ainda diz: “Somos uma geração de artistas que está marcando uma época com o nosso trabalho. Têm muita gente boa nesta geração. E eu sou do Rio, mas passei a adolescência em Niterói e via o Paulo voltando no mesmo ônibus que eu da Cal (Casa das Artes de Laranjeiras). Fizemos teatro na mesma época. Ele é uma das pessoas mais engraçadas que conheço, não só no trabalho, na vida, no camarim (risos). É difícil se concentrar com ele. É uma alegria grande. Estamos muito confiantes que vai dar certo, que ele vai sair dessa. E vai sair mais engraçado e mais forte, e daqui a pouco estaremos todos juntos de novo”.

Paulo Gustavo e Lobianco: "Estamos muito confiantes que vai dar certo, que ele vai sair dessa. E vai sair mais engraçado e mais forte, e daqui a pouco estaremos todos juntos de novo” (Reprodução Instagram)

Paulo Gustavo e Lobianco: “Estamos muito confiantes que vai dar certo, que ele vai sair dessa e daqui a pouco estaremos todos juntos de novo” (Reprodução Instagram)

Privilégios conquistados

Desde o início da pandemia, ele se movimenta para criar, produzir e trazer quem consegue junto. Tanto que ‘Macbeth 2020’ tem participação especial dos atores da Cia Buraco Show, sua companhia que ajudou a fundar. Você idealizou, produz, dirige, está em cena… como se sente, além de exausto (risos)? “De fato, estou exausto (risos). Mas é um grande privilégio estar exausto de trabalho em um momento como esse. Então, às vezes, fico ‘estressadinho’, ‘nervosinho’, normal quando estamos trabalhando, mas imediatamente penso na quantidade de pessoas que não podem trabalhar e isso me situa. Fora que faço o que amo, também tenho esse privilegio. Esqueço que é trabalho muitas vezes”, afirma.

“Tivemos pouco tempo para criar, produzir, executar e editar. Isso era uma diretriz dentro da Lei Aldir Blanc. Não deu para pensar muito. Adoro só atuar, que já é bastante coisa, mas dessa vez precisei colocar minha mão na massa ainda mais fundo. O revés do cansaço, é que é ‘filho’ que é a minha cara, não tem como dizer que é de outro pai (risos). É muito meu. E cada vez que trabalho nele, fico ainda mais feliz”.

"Meu Macbeth chega neste momento para entreter, trazer saúde mental, para todas as pessoas envolvidas no projeto, para mim e para o público que vai ter acesso a isso” (Reprodução Instagram)

“Meu Macbeth chega neste momento para entreter, trazer saúde mental, para todas as pessoas envolvidas no projeto, para mim e para o público que vai ter acesso a isso” (Reprodução Instagram)

E completa: “O meu Macbeth é aquele que consegue rir de si mesmo nas situações mais adversas. E isso não tem a ver com ‘positividade tóxica’, ‘otimismo cego’, não é nada disso. Mas é bom olharmos para as situações com algum humor, que é diferente de piada. Humor vem junto com a ideia de responsabilidade. É uma visão de mundo, de cura. Acredito nisso. Meu Macbeth chega neste momento para entreter, trazer saúde mental, para todas as pessoas envolvidas no projeto, para mim e para o público que vai ter acesso a isso”.

Humor e amor

Ele também comenta sobre o tipo de humor que acredita não caber mais no mundo de hoje: “Aquele que ri do outro sem ele saber. É bom rir de si mesmo, das nossas vulnerabilidades, esquisitices, mas se é o outro, temos que rir juntos. O humor irresponsável que só ‘aponta o dedo’, não interessa mais. Na verdade, ele revela quem é quem. Além disso, humor amadurece, muda. Eu não tenho muita saudade do humor de 10 anos atrás. Quero fazer o que está lá na frente e não expõe ninguém. O humor tem que te tirar para dançar e você se divertir. Quando está todo mundo se divertindo junto, pode ser falado o que for, ter ou não conteúdo, pode ter só graça, ser mais crítico, político, que está valendo”, opina Lobianco.

Com a cachorrinha Odete: "Tenho um sitiozinho, uma chácara, que é um lugar com muito verde, tem muito bicho, silêncio, água, e esse lugar me reconecta” (Reprodução Instagram)

Com a cachorrinha Odete: “Tenho um sitiozinho, uma chácara, que é um lugar com muito verde, tem muito bicho, silêncio, água, e esse lugar me reconecta” (Reprodução Instagram)

O que tem feito quando bate o estresse, a ansiedade e a angústia? “Tem duas coisas que me ajudam muito: atividade física é uma delas. Não é mole você fazer isso em casa, mas tenho esse compromisso de não deixar de fazer, principalmente pelo resultado que tem na saúde mental. Faço 40 minutos por dia e me faz muito bem. E, agora, tenho ido para a roça também, meio do mato. Tenho um sitiozinho, uma chácara, que é um lugar com muito verde, tem muito bicho, silêncio, água, e esse lugar me reconecta”.

Além da pandemia, o que não aguenta mais neste momento? “Ah, o negacionismo. A negação da ciência, das artes, da cultura, do conhecimento, do jornalismo. Não aguento mais essas mentiras. Todo mundo sabe que é mentira, mas as pessoas estão escolhendo o que acreditam. Mas a verdade é absoluta, é uma só. Enfim, não consigo mais ter diálogo, debater com gente negacionista. Mas vai acabar. Não tem mal que dure para sempre. Essas pessoas estão cada vez mais expostas, escancaradas e o sol há de brilhar mais uma vez, com certeza”.

O ator, Odete e o marido Lúcio Zandonadi: "O Lúcio é que segura a minha onda. Mas mais umazinha (cachorra) de repente adotamos, mais na frente, quem sabe?” (Reprodução Instagram)

O ator, Odete e o marido Lúcio Zandonadi: “O Lúcio é que segura a minha onda. Mas mais umazinha (cachorra) de repente adotamos, mais na frente, quem sabe?” (Reprodução Instagram)

Casado com o pianista Lúcio Zandonadi há oito anos, o ator fala da união, cada vez mais parceira. “Estamos ótimos. Lucio está bem, ele já tinha um esquema de trabalho em casa antes da pandemia. É músico, compositor, tradutor, já tinha um escritório em casa. Ele faz a trilha de ‘Macbeth 2020’. E estamos curtindo muito a nossa filha pet, a cachorrinha Odete. Ela está cada dia mais confiante, embora tenha tido um resgate difícil. Por mim eu adotaria mais um monte (risos). O Lúcio é que segura a minha onda. Mas mais umazinha de repente adotamos, mais na frente, quem sabe?”.