Lilia Cabral retorna às novelas e estreia ao lado da filha peça que a ajudou a superar gatilhos da síndrome do pânico


No ar, na reprise de “Chocolate Com Pimenta”, nas tardes da Globo, a atriz – contratada da Globo e que deve voltar às telinhas em 2023 -, comemora o sucesso nos palcos com a peça “A Lista”, contracenando pela primeira vez com a filha, Giulia Bertolli. Mãe e filha estarão também no longa “Tire as cinco cartas”, que tem Giulia como roteirista colaboradora. Sobre a peça, Lilia revela: “Foi a salvação pra mim quando recebi o convite. Foi uma bênção mesmo”, porque se deu em plena pandemia, quando ela começava a sentir os gatilhos de uma síndrome do pânico que já tinha superado com muita terapia desde os anos 80

* Por Carlos Lima Costa

Lilia Cabral, que, atualmente, pode ser vista na reprise de “Chocolate Com Pimenta”, nas tardes da Globo, comemora a volta aos palcos em janeiro com a peça “A Lista”, contracenando com a filha, Giulia Bertolli. O texto, apresentado a ela, em 2020, em plena pandemia, serviu para melhorar seu estado de espírito naquele momento em que muitas pessoas estavam morrendo e o medo do gatilho para a volta de alguns sintomas da síndrome do pânico, que ela já havia superado desde que teve nos anos 80 após a morte da mãe. Outro trabalho que uniu Lilia e Giulia é o filme “Tire Cinco Cartas”, no qual Giulia é roteirista colaboradora e será lançado em 2023.

“Foi a salvação pra mim quando veio esse convite. Foi uma bênção mesmo. A nossa esperança era sempre que depois de 30 dias tudo fosse melhorar e era um risco grande, porque não tinha vacina e não se sabia como a doença afetava cada pessoa. Algumas não tinham sintomas, outras iam para o hospital, ficavam entubadas. Quando o pânico vem é por que você não vê o horizonte, não tem perspectiva, não sabe o que vai acontecer com você. A ansiedade faz com que a sua cabeça vá para lugares mais difíceis, conturbados e negativos, faz com que você fique com taquicardia. Quando falo isso, vejo que muita gente diz que sentiu o mesmo. Eu já tinha tido há muito tempo atrás”, enfatiza a estrela, contratada da Globo, que retorna às novelas, em 2023.

Não tenho problema quando falam ‘a filha da Lilia Cabral’. Quando a virem no palco, atuando, quando virem escrevendo, já vão deixar de falar, tanto que foi indicada como Melhor Atriz Coadjuvante no Prêmio Bibi Ferreira – Lilia Cabral

Outra tábua de salvação veio através das reprises de novelas como “Fina Estampa”. “Eu tive que divulgar. Então, minha cabeça estava sempre em funcionamento. As lives foram extremamente oportunas. Eu nem sabia o que era live, de repente estava no meio de uma porção (risos)”, recorda ela que não teve a doença na fase mais crítica. Veio a testar positivo para a covid em junho desse ano e de forma leve.

Em 6 de janeiro, Lilia estreia a peça ‘A Lista’, no Teatro dos Quatro, Rio. Ainda em 2023, ela retorna às novelas (Foto: Priscila Prade)

Escrita por Gustavo Pinheiro, com direção de Guilherme Piva, o projeto da peça “A Lista” surgiu para ajudar profissionais do teatro, que em pleno isolamento social, estavam sem poder trabalhar. Inicialmente apresentada de forma online, ela aborda afeto e solidão através do conflito de gerações entre Laurita, personagem de Lilia, com Amanda, interpretada por Giulia, em uma trama ambientada no bairro de Copacabana, em plena pandemia.

“A ideia era mostrar esse lado das pessoas que não podiam sair de casa e o dos mais jovens que poderiam ir, que se comprometiam a ajudar naquela época. Então, quando estreamos, todo mundo se identificava demais com a situação. O nosso retorno e observação foi de que esses personagens, a solidão de uma professora do estado e da jovem em início de carreira como cantora de ópera, podem estar em qualquer situação do universo no mundo, não necessariamente na pandemia. Essa sensação de existir a solidão em personagens tão identificáveis é que nos deu a força pra continuar a fazer. A situação é muito familiar, embora as idades sejam bem diferentes. Tem os dilemas, as angústias, as esperanças, as tristezas… a falta de afeto é o que mais aproxima as duas. Existe um conflito grande de gerações, mas uma acaba aprendendo com a outra. É bonito ver que os caminhos que parecem distantes – de uma que está naquele momento ‘eu já vivi’, mas não pode deixar de seguir em frente, e a outra que viveu pouco e tem a ânsia de continuar -, como eles se encontram, se distanciam, se encontram novamente. O que muita gente fala da nossa peça é que ela é uma montanha russa de sentimentos, testados todos os dias, mas se sobrevive a isso”, explica em longa reflexão sobre a peça que vai ficar em cartaz no Teatro dos Quatro, no Rio, a partir do dia 6.

APRENDIZADO NO PRIMEIRO ENCONTRO COM A FILHA NO PALCO

A diferença de idade entre as personagens se assemelha a de Lilia e Giulia, mas a atriz não estabelece nenhuma relação da ficção com a relação delas na vida real. “Meu jeito de viver é outro. A Giulia nasceu em janeiro e eu fiz 40 anos em julho. Então, ela me ajudou muito a rejuvenescer. Tive que olhar, para conseguir acompanhar. Não pude ficar mostrando as minhas experiências. Experiência como mãe eu não tinha nenhuma. Então, era ela que estava a me ensinar. E temos muita cumplicidade na vida e no palco também. Esses conflitos que os personagens mostram para o público são distantes do que a gente tem dentro de casa. Mas ao mesmo tempo, não se deixa de aprender. Já pensou se eu tivesse o mesmo temperamento da dona Laurita e a Giulia da Amanda? Em cena, ia ser uma lavação de roupa suja (risos)”, diverte-se.

Atores experientes costumam ressaltar o frescor da interpretação de artistas mais jovens quando existe esse encontro em cena seja no teatro, na TV ou no cinema. E foi exatamente esse resultado da primeira parceria de Lilia com a filha. “É fácil caminhar para uma estrada que você já se vicia. Como você já passou dos 50, é como se falasse: ‘Tenho muita experiência, conhecimento.’ Quando, na verdade, temos que observar quem está começando. Essas pessoas vão dizer muita coisa importante. Vamos usar nossa experiência, no sentido dos anos que vivemos, com os autores que trabalhamos, a nossa conduta profissional, mas tem a descoberta que ocorre todos os dias quando estamos em cena. Não tem nada melhor se você tem ao seu lado uma artista jovem ansiosa por todos os dias estar dentro dessas descobertas”, avalia.

Giulia Bertolli e a mãe, Lilia Cabral em cena da peça “A Lista” (Foto: Priscila Prade)

E como mãe, como é trabalhar com a filha? “Em cena, eu nem penso que ela é a minha filha”, dispara, às gargalhadas. E prossegue: “Quando saio do palco, sim, porque vem todo mundo elogiar (risos), aí eu falo: ‘É a minha filha’. É um orgulho, porque é tão bom ver uma filha se realizando, com aquele olho que brilha. A Giulia também escreve e muito bem. Tudo que a gente quer é sentir que um filho está feliz no caminho que escolheu e não em algum que você determinou. Não que a felicidade seja rodeada só de bons acontecimentos. Existem frustrações, mas esse é o caminho. E a pessoa, quando está lá firme e forte, não vai desistir por conta disso. Ela vai continuar lutando. Quando percebo que essa estrada está se formando, dá um certo alívio. Tenho amigas que trocaram de profissão aos 40 anos. Muita gente voltou a estudar aos 50. Isso também é uma vitória. Mas quando a vejo feliz e se realizando com aquilo que escolheu, aí vem o orgulho”, enfatiza.

ENVAIDECIDA E ORGULHOSA DE VER A FILHA SEGUINDO SEUS PASSOS

Lilia iniciou carreira em uma época que havia mais preconceito com relação a carreira e não teve o apoio do pai. “Não tive o apoio de ninguém (risos)”, frisa. Mas quando Giulia revelou o desejo de ser atriz, ela reagiu diferente. Mesmo sabendo das dificuldades. Ela já havia tido personagens de destaque, havia sido indicada ao Prêmio Emmy Internacional de Melhor Atriz por seu desempenho em “Viver A Vida” e “Páginas da Vida”, quando, em 2011, aos 54 anos, teve a oportunidade de interpretar sua primeira protagonista em uma novela: Griselda, a Pereirão, em “Fina Estampa”.

“Começo a contar a minha carreira a partir de 1978, quando pisei na escola de arte dramática. Quando cheguei ao Rio, fiquei uns dez anos fazendo trabalhos legais, mas ainda era tudo muito conquistado e eu sempre acreditava que um dia ia me realizar da forma como gostaria e nunca desisti. Quando Giulia nasceu, eu já estava em um patamar mais consistente de carreira. As pessoas já me conheciam. Mas nunca deixei de batalhar. Quando me proponho a fazer algo é uma batalha e ela vê esse meu lado. Então, quando me disse que queria ser atriz, primeiro eu fiquei envaidecida. Isso era um sinal de que ela tinha orgulho também da minha profissão, que é linda. A primeira coisa que lhe disse foi: ‘Não pense que é fácil, porque não é, mas você é determinada. Tudo que pensa, consegue. Mas precisa estudar, se aculturar, porque a profissão é difícil e ela foi fazer tudo isso”, lembra ela, que foi indicada como Melhor Atriz no Prêmio Bibi Ferreira, por seu desempenho em “A Lista”. E assegura que não teve receio de ver a filha sofrer com comparações.

“Giulia não se incomoda, sabe que o tempo dela vai chegar. Isso que é o mais importante”, conta sobre a filha que estreou na TV, em “O Sétimo Guardião”, interpretando a mesma personagem da mãe na fase jovem.

PARCERIAS NO CINEMA

No processo das apresentações online de “A Lista”, filmaram uma versão desse encontro de gerações em curta-metragem, que conquistou sete prêmios em festivais, desde Melhor Atriz para as duas, Roteiro (Gustavo Pinheiro) e Menção Honrosa. “Fomos muito felizes nesse curta”, recorda. Em janeiro, vai ser lançado em livro o texto da peça.

Em 2023, estreia nos cinemas, o filme “Tire Cinco Cartas”, protagonizado por Lilia e que tem sua filha, Giulia, como roteirista colaboradora (Foto: Pino Gomes)

Outro trabalho que uniu as duas é o filme “Tire Cinco Cartas”, no qual Giulia é roteirista colaboradora e que vai ser lançado ano que vem. “Minha personagem é uma taróloga, completamente trambiqueira. Tudo que ela queria na vida era ser cantora, mas não conseguiu e aí começou a tirar tarô. Além disso, era sensitiva, mas o trambique falava mais alto e a história se passa exatamente quando ela retorna ao Maranhão para resolver uma herança e várias coisas a impedem de continuar como trambiqueira. É um filme extremamente divertido, emocionante e muito familiar”, explica Lilia, que não tem esse lado roteirista da filha.

Não tenho pudor nas minhas ideias. Eu tenho coragem de defender uma ideia e lutar por ela. Isso, pra mim como atriz é muito bom. Mas escrever muito bem como a Giulia eu não sei – Lilia Cabral

BOAS EXPECTATIVAS PARA A CLASSE ARTÍSTICA EM 2023

Além da pandemia, nos últimos anos, Lilia ficou incomodada com a forma como a classe artística foi tratada pelo governo que está chegando ao fim. Mas agora tem expectativas positivas para 2023. “Foram quatro anos muito difíceis. O governo defendia a ideia de que o artista usava e vivia extremamente só do dinheiro público. E todos os dias, praticamente, foi colocado na cabeça do povo que o artista funciona dessa forma e a palavra ‘mamata’ é muito fácil de se falar. ‘Acabou a mamata’, é mais fácil ainda de se dizer. Se você fica batendo na mesma tecla uma mentira, uma mentira vira verdade e era o que a gente sofreu”, lamenta.

Quando estreamos a peça presencialmente, foi importante sentir que o público estava com muita saudade de ir ao teatro e sempre que eu acabava a peça e agradecia a todo mundo que estava lá, sentia que o povo gosta do artista, pelo menos aquelas pessoas entendiam que ali não tinha mamata. Tinha trabalho pensado, executado e honesto – Lilia Cabral

“Agora, são outros tempos. Estou confiante de que as coisas vão melhorar, vamos poder conversar e dividir os nossos problemas com as pessoas nos ouvindo e não nos questionando como se fossemos bandidos. Essa gestão que vem gosta e entende a necessidade da Cultura no país”, frisa.

Lilia ficou feliz com a escolha da cantora Margareth Menezes como Ministra da Cultura. “Ela não vai estar lá como artista, porque sabe que é. Mas vai estar lá possibilitando os artistas a viverem da sua arte. É uma pessoa que todo mundo gosta, isso também facilita muito a vida de todos nós. Enfrentamos muitas coisas e conseguimos sobreviver. Mas já passou. Agora, estamos confiantes”, diz.

REFERÊNCIA PARA OS MAIS JOVENS

No palco, a filha de Lilia não contracena apenas com a mãe, mas com uma das grandes atrizes desse país. Quando a mãe de Giulia começou a estudar teatro, por exemplo, Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg e Laura Cardoso já eram fortes referências na área. Após pouco tempo, Lilia foi galgando o espaço dela e, atualmente, aos 65 anos é também uma grande referência na classe artística para os mais jovens. Como ela se vê nesse lugar? “Muita gente quando vem me cumprimentar ou muitos atores jovens que vão assistir a peça, fazem questão de dizer: ‘Eu me inspiro em você, quero ser um dia, estar aonde você está’. Eu ouço, mas não fico convencida. Se estou passando algo bom para alguém, fico feliz, porque faço tudo de corpo e alma. Meu coração está lá o tempo inteiro. Mas não fico olhando para o meu umbigo. A minha vaidade está em emocionar, fazer as pessoas ficarem pensando a semana inteira na peça. Isso que me envaidece e quando alguém fala: ‘Eu me inspiro em você’, penso que tudo que quis fazer, seja na TV, no cinema ou no teatro, eu consegui, mas o meu ego não cresce nem fico convencida. As coisas tem altos e baixos, a gente tem que ter consciência é do trabalho mesmo”, pondera.

“Em cena, eu nem penso que Giulia é a minha filha. Mas quando saio do palco sim, porque vem todo mundo elogiar. Aí eu falo: ‘É a minha filha’” (Foto: Priscila Prade)

Quando ela começou, haviam muitas críticas em relação a modelos que ingressavam na carreira artística. Atualmente, o mesmo acontece com os influencers, escolhidos para papéis por conta do número de seguidores nas redes sociais. “Eu não sei como, mas tenho número significativo de seguidores (3,1M no Instagram), mas não é por que eu venda coisas. É muito mais admiração. Eu não vou ali na esquina e dali já posto, não tenho nada disso. Eu uso para divulgar o meu trabalho. Às vezes, falo um texto bonito que eu gostei ou para demonstrar com certa leveza a vida da gente. Gosto de mostrar certa positividade, acho que é bom. Não entro em intimidade, nada disso. Agora, é muito chato, se você não tem milhões de seguidores, não pode pegar um bom papel em uma minissérie? Mas acho que isso passa, porque um dia eles vão aprender. Para você trabalhar, precisa ter talento, vocação, disciplina, entender o que é essa nossa profissão. Colocar em evidência em um bom papel pessoas que não têm conhecimento, não estudaram, aí o produto acaba perdendo. Então, isso vai passar. Já vi tanta coisa acontecer, que era moda e de repente ficou pra trás. O que não fica pra trás é o trabalho sério que gente faz”, analisa ela, cuja última novela em que esteve, “Salve-se Quem Puder”, em 2020, foi uma rápida aparição como ela mesma. O último personagem aconteceu, em 2018, em “O Sétimo Guardião”.

A atriz encerra a entrevista falando sobre como ela se transformou através dos anos. “Eu estou madura por conta da idade. Não posso dizer que me sinto uma adolescente, mas me sinto todos os dias abrindo-se a janela e eu só penso o que é que eu tenho para aprender mais, o que será que a vida vai me dar para que eu aproveite mais um pouco. Estou sempre na expectativa e nessa de conquistar mesmo, ter novas experiências. A diferença é que eu sei que se eu sair na chuva sem o guarda-chuva provavelmente eu posso ficar resfriada. Em termos de olhar pra vida mesmo, estou sempre querendo descobrir, ter novas experiências. Não fico achando que já estou com a vida ganha. Fico pensando no próximo trabalho, quero ter bons parceiros ou conhecer gente nova como foi uma surpresa muito grande ter conhecido o Gustavo Pinheiro, e ter trabalhado com o Piva agora. Eu já o conhecia, mas não tinha trabalhado com ele como diretor”, ressalta.