Leonardo Miggiorin estreia na produção de peça sobre etarismo, está em série do Globoplay e sente saudade de novelas


O ator mostra sua verve produtor em ‘O que faremos com Walter?’. Nesta entrevista, Miggiorin fala sobre o projeto, a preocupação que tem com a relevância da sua arte, e das superações de algumas crises nos últimos anos. Ele também anuncia sua volta aos estúdios Globo com a série ‘Vicky e a Musa’, em que vive um fotógrafo, pai de uma das protagonistas, e comenta sobre a fase atual. “Chega a maturidade, espero por esses novos papeis para explorar outras emoções que venham da minha vivência, que se transformou nos últimos anos, as escolhas mudaram. Muitos medos do passado não existem mais ou sensações de muita vulnerabilidade. Antes tinha muito medo de não agradar, perder um contrato, não acertar uma cena, de ser rejeitado. Acho que o medo da rejeição acompanha qualquer artista. E do abandono também, da plateia vazia. O medo de ser esquecido. Estar por aqui, realizando, é uma forma de se fazer lembrar, de levantar a cabeça para fora da ‘manada’ e dizer: “estou vivo, no mundo e quero conhecer as pessoas, trabalhar”

*Por Brunna Condini

De ‘Presença de Anita’ (2001) para cá, muita coisa aconteceu na vida de Leonardo Miggiorin. Foram mais de 20 produções em TV, 11 filmes e 14 espetáculos, no entanto desde 2019 o público não vê o ator na televisão, veículo que o projetou há mais de 20 anos na minissérie de Manoel Carlos, e o ator diz que está com saudades. “Torço muito para voltar às novelas, para o audiovisual, minha paixão também. O teatro é minha casa, onde eu moro, mas adoro viajar de vez em quando (risos), e passar umas temporadas fazendo TV e cinema, experimentando novos papeis. A vida tem muitos caminhos e o bacana depois de tantas crises que passei ao longo dos últimos 20 anos, financeira, emocional, de identidade, pandemia, encontrar esses novos lugares para atuar, como a produção agora. Desde ‘Presença de Anita’, o público foi me vendo crescer, acompanhando as transições, vendo as voltas que o mundo dá e as minhas superações como artista. Acho legal hoje poder falar não de um lugar de vítima, mas de superação e conquistas. Tudo dentro do meu patamar, mas coisa que há dois anos, por exemplo, eu não conseguia enxergar. É um passo grande na minha carreira poder produzir uma peça de teatro, gerar empregos, transformar de alguma forma a nossa dinâmica, continuar atuando. É um privilégio e dá muito trabalho, é muita dedicação. Me tornar produtor é um outro lado da moeda, mais uma versão do meu artista”, diz Miggiorin, que estreia nesta sexta-feira (3), no teatro Opus Frei Caneca, em São Paulo, o espetáculo ‘O que faremos com Walter?’, que tem o etarismo como tema central.

Ator Leonardo Miggiorin traz peça premiada para o Brasil e fala dos desafios da trajetória (Foto: Bob Sousa)

Ator Leonardo Miggiorin traz peça premiada para o Brasil e fala dos desafios da trajetória (Foto: Bob Sousa)

Após vivenciar um período difícil, já que durante a pandemia perdeu trabalhos na TV e no teatro e voltou a morar com os pais em São Paulo, ele chegou a enfrentar crises de depressão e ansiedade. “Agora que os projetos voltaram, não estou mais nos meus pais. Voltei a morar no meu apartamento”. E completa: “Nos últimos anos, muita coisa mudou. O mercado mudou, o tipo de contratação mudou, então já vinha pensando na possibilidade de me produzir, como artista para ter o que falar, elaborar meu conteúdo, identidade, e no sentido de sobrevivência mesmo, para me manter dentro desta profissão. Acho muito injusto as vezes os que os artistas recebem, a maioria não ganha bem. Também existe um problema nesta distribuição, nesta capilaridade da verba pública chegar a muitos setores da sociedade, em campos que necessitam da cultura e da economia criativa. O tema do etarismo vem como um emblema, mas a peça também debate a xenofobia, o racismo. É uma forma de integrar esse debate sobre padrões, comportamentos, com o lúdico, é uma devolutiva”.

Formado em Psicologia e se pós graduando em Psicodrama, o ator se reinventa, sempre buscando a relevância na sua arte. Tanto que se tornou embaixador-guardião do Instituto Velho Amigo, parceiro no projeto Casa Encontro, que há 23 anos atende pessoas idosas da comunidade de Heliópolis. A entidade combate a vulnerabilidade de mais 30 mil idosos. Vivendo em um ritmo frenético por conta da estreia, “Estou muito acelerado, estou sem dormir, virando noite, resolvendo muita coisa, mas feliz” – ele divide os planos para este ano, que incluem voltar à uma produção da plataforma Globo. “Estou em uma série da Globoplay que se chama ‘Vicky e a Musa’ e estreia em julho. Gravei ano passado e fiquei muito feliz de voltar a trabalhar no Projac (Estúdios Globo), revi muitos amigos. Faço um fotógrafo internacional, que volta para o Brasil, pai de uma das protagonistas, mas não posso falar muito mais”, revela.

Leonardo Miggiorin à esquerda, posa com elenco veterano de 'O que faremos com Walter?', produção sua, com direção de Jorge Farjalla (centro, de óculos) - (Divulgação)

Leonardo Miggiorin à esquerda, posa com elenco de ‘O que faremos com Walter?’, produção sua com direção de Jorge Farjalla (ao centro, de óculos) – (Divulgação)

“Já estou em uma outra fase, chega a maturidade, espero por esses novos papeis, para explorar outras emoções que venham da minha vivência, que se transformou nos últimos anos, as escolhas mudaram. Muitos medos do passado não existem mais ou sensações de muita vulnerabilidade. Antes tinha muito medo de não agradar, perder um contrato, não acertar uma cena, de ser rejeitado. Acho que o medo da rejeição acompanha qualquer artista. E do abandono também, da plateia vazia. O medo de ser esquecido. Estar por aqui, realizando, é uma forma de se fazer lembrar, de levantar a cabeça para fora da ‘manada’ e dizer: “estou vivo, no mundo e quero conhecer as pessoas, trabalhar”. A vida é muito linda e temos que vivê-la de forma plena, procurando enxergar as pessoas em volta, tentando existir de forma mais generosa mesmo. Isso para mim é ter saúde, ter boas relações. Não vivemos sozinhos no mundo. O homem é um ser social. Meu trabalho é uma forma de me conectar com as pessoas e é isso que mais me interessa nele, superando seus desafios. Estou muito entusiasmado com esse momento”.

Ator Leonardo Miggiorin faz uma balanço da sua trajetória (Foto: Gui Krug)

Ator Leonardo Miggiorin faz uma balanço da sua trajetória (Foto: Gui Krug)

Ator Leonardo Miggiorin traz peça premiada para o Brasil e fala dos desafios da trajetória

E acrescenta: “Quero continuar empreendendo, produzindo, claro. Mas volto ao teatro, como ator, em ‘A hora da Estrela’, musical com Laila Garin e Claudia Ventura. A produção foi criada a partir da obra da Clarice Lispector, com direção de André Paes Leme. Vamos estrear no Rio este ano e depois viajaremos”.

Valorizando a experiência

Aos 42 anos, Leonardo Miggiorin decidiu ir à luta das histórias que deseja contar. Assim nasceu a vontade de falar do tema etarismo, um novo nome para uma antiga questão. ‘O que faremos com Walter?’ conta de forma divertida e contundente uma reunião de condomínio que tem o intuito de demitir o zelador por considerá-lo velho para o cargo. O texto aborda a questão do idoso e convida o público a refletir sobre a maneira que convive com as pessoas de mais idade. Em cena, um time e tanto, encabeçado pelo ator Elias Andreato (o zelador), que volta aos palcos depois de um longo período dedicado à escrita e à direção. O elenco conta ainda com nomes como Norma Blum, Flávio Galvão, Marcello Airoldi, Grace Gianoukas e Marianna Armellini.“Assisti esse espetáculo em Buenos Aires, em 2019, tive muita vontade de produzi-la. Minha parceira profissional, amiga, Daniele Oliveira, comprou comigo os direitos e estamos produzindo. E sempre tive o sonho de empreender, produzir algo maior, trabalhar com economia criativa, com teatro, é o que sei fazer desde criança. É como encontrar um outro papel dentro desta mesma engrenagem. Já fui iluminador, operador de som, assistente de direção, como desta vez. Encontrei caminhos no meio da pandemia para viabilizarmos esse projeto, fui eu que captei os recursos. Acho que todo artista deveria produzir, amplia a visão”.

Leonardo Miggiorin produz e faz a assistência de direção em 'O que faremos com Walter?' (Divulgação)

Leonardo Miggiorin produz e faz a assistência de direção em ‘O que faremos com Walter?’ (Divulgação)

Ele também destaca que a psicologia vem complementar sua atuação artística. “Esse espetáculo trata de um tema social e isso me interessa. Sempre quis unificar as duas áreas. Demorei uma década para me formar por conta do trabalho. O tema do etarismo me chamou atenção. Sempre tive um olhar para esse tema, acho que vem muito da relação que construí com meus avós. Sempre estive atento às suas vulnerabilidades, preocupado em levar afeto e proteção. O idoso em nosso país é muitas vezes invisibilizado. Isso me preocupa pela empatia que tenho com essas pessoas, mas também pela minha própria experiência de vida, pensando em envelhecer no Brasil. A peça bota o dedo nisso, apesar de ser uma comédia. Esse microcosmo representado ali, fala da nossa sociedade como um todo”.