Leona Cavalli enfrentou o machismo quando marido mandou escolher casamento ou profissão: ‘Priorizei minha carreira’


A atriz, que interpreta Iris Abravanel, mulher de Silvio Santos vivido por José Rubens Chachá, na série O Rei da TV, sobre o apresentador, está escrevendo um livro sobre cultura de paz e nesta entrevista ainda faz uma reflexão por conta do texto com o qual sobe ao palco para retratar encontros e desencontros amorosos, relembrados a partir dos questionamentos de mulheres maduras, na comédia teatral Procuro o Homem da Minha Vida, Marido Já Tive. “É uma brincadeira com as situações do universo feminino, vai além dos preconceitos, dos estereótipos que são colocados a partir de uma visão masculina”, explica. Ainda este mês, ela vai participar, pela primeira vez, da encenação da Paixão de Cristo, no papel de Salomé, dias 15 e 16, em Floriano, no Piauí

Além de atuar na peça Procuro o Homem da Minha Vida, Marido Já Tive, Leona, este mês, vai participar pela primeira vez da encenação da Paixão de Cristo (Foto: Priscila Prade)

Além de atuar na peça Procuro o Homem da Minha Vida, Marido Já Tive, Leona, este mês, vai participar pela primeira vez da encenação da Paixão de Cristo (Foto: Priscila Prade)

* Por Carlos Lima Costa

Baseada no best seller argentino Busco Al Hombre de Mi Vida, escrito por Daniela Di Segni, a comédia teatral Procuro O Homem da Minha Vida, Marido Já Tive conta no elenco com Leona Cavalli encarnando personagens femininas maduras que vivenciaram ao menos um casamento e refletindo sobre encontros e desencontros amorosos, após se divorciarem. “A peça se desenvolve a partir da visão de mulheres que acabaram de se divorciar. Eu não conhecia o livro e me surpreendeu, porque tem um humor inteligente. A versão da Claudia Valli traz uma atualidade, mostra a força da mulher como fonte de liberdade e amor e não a dependência dela a um homem ou relação. Interpretamos algumas personagens e mostramos várias situações”, frisa a atriz que, este mês, nos dias 15 e 16, em Floriano, no Piauí, interpreta ainda Salomé, ao participar pela primeira vez da encenação da Paixão de Cristo.

Na comédia teatral, Leona contracena com Totia Meireles e Grace Gianoukas, de quem sempre foi fã, e com Maurício Machado. E destaca que a peça, que acaba de ser encenada com sucesso, em São Paulo, não é um embate entre os gêneros. “Ela fala do ser humano, não é contra o homem. É uma brincadeira com as situações do universo feminino, vai além dos preconceitos, dos estereótipos que são colocados a partir de uma visão masculina. Por exemplo, entre as personagens que faço está uma atriz que, à princípio, é dependente do diretor. Depois, ela decide se autoproduzir e se autodirigir. Mas isso não é uma crítica ao diretor. Ela assume um papel dela de força pessoal. No caso da peça, força pessoal é mais forte do que força feminina”, explica.

Totia Meireles, Maurício Machado, Grace Gianoukas e Leona Cavalli encenam a peça Procuro o Homem da Minha Vida, Marido Já Tive (Foto: Priscila Prade)

Totia Meireles, Maurício Machado, Grace Gianoukas e Leona Cavalli encenam a peça Procuro o Homem da Minha Vida, Marido Já Tive (Foto: Priscila Prade)

No palco, uma personagem remete a uma passagem da vida de Leona. “Mostro uma filha que fica chocada com a separação da mãe e fala para ela que ninguém se separa com mais de 80 anos. Mas, ela reconhece que a mãe tem razão, que depois de uma vida inteira casada com uma única pessoa, que nada mais ia dar certo, ela pode e deve procurar alguém. Eu vivi um pouco a história da filha. Quando meus pais se separaram, teve esse lugar de entender, que ‘mãe, vai ser feliz, você merece’. Mas minha mãe (Sirley) tinha bem menos idade. Além de engraçada, a peça traz uma crítica e uma reflexão de que a mulher enquanto ser humano potente é capaz de se autotransformar”, ressalta.

Se colocando na situação, a estrela acredita que mesmo quando estiver velhinha, sempre vai ter espaço para o amor na sua vida. “Amor é tudo, é vida. Toda a minha vida é por amor. Eu sou atriz por amor. Lembro do que senti na primeira vez que estreei no teatro, aos seis anos, por poder ser outras pessoas. Ser isso pra mim é a coisa mais vital que existe, então, não há possibilidade de eu viver sem amor. Nunca (risos)”, divaga.

"Houve em algum momento um lugar de ter que escolher o tipo de vida que eu tenho ou uma vida com um casamento mais tradicional", ressalta Leona (Foto: Edu Rodrigues/Maquiagem: Dani Kobert)

“Houve em algum momento um lugar de ter que escolher o tipo de vida que eu tenho ou uma vida com um casamento mais tradicional”, ressalta Leona (Foto: Edu Rodrigues/Maquiagem: Dani Kobert)

Leona interpreta também uma coach, que brinca com o estereótipo da pessoa precisar de alguém que lhe diga como fazer as coisas. A cena provoca uma identificação geral. “Eu também me identifico, porque ela traz muito o lugar da força da transformação. Eu tive uma trajetória em que muito cedo, com 16 anos, saí da casa dos meus pais e da cidade (ela nasceu em Rosário do Sul, interior do Rio Grande do Sul) onde eu morava, com 16 anos. Fui para Porto Alegre, onde não conhecia ninguém, depois segui para São Paulo e Rio e optei por não ter filhos, até agora pelo menos. Então, pra mim, esse lugar dessa força e da não dependência emocional de alguém para realizar o sonho é algo forte. Se eu não fosse atrás do que eu acreditava, ninguém ia acreditar em mim”, observa.

No decorrer da trajetória, ela viveu dois casamentos. O primeiro foi longo, e terminou no momento em que deixou Porto Alegre indo para São Paulo. “Teve esse lugar de optar por seguir o meu caminho. Não por falta de amor. Eu tenho priorizado a minha carreira, os meus sonhos, até porque nessas duas situações mais longas que eu tive, houve em algum momento um lugar de ter que escolher o tipo de vida que eu tenho ou uma vida com um casamento mais tradicional, vamos dizer. E pra mim, naquele momento, era incompatível”, explica, lembrando que ouviu do primeiro marido que deveria escolher entre ele e a profissão. “Hoje, analisando essa relação, é claro que teve um machismo. Mas esse machismo velado todas nós enfrentamos. Isso é presente na sociedade brasileira que é muito machista ainda. Esses desafios que eu vivi por ter saído cedo de casa, por toda essa minha trajetória, talvez tivessem sido mais fáceis se eu fosse homem”, aponta.

Ela privilegiou o lado profissional. Mas não convive com questionamentos por não ter tido filhos, nem construído uma família. “De forma alguma. Na verdade, eu me sinto com filhos no sentido da minha carreira, dos meus sonhos e projetos. Eu amo criança. Não foi algo pensado assim racionalmente. Foi acontecendo, foi circunstancial. Mas eu sou muito feliz e me realizo assim. E não acho que isso é melhor ou pior. A minha vida tem sido assim. Não quer dizer que vá ser sempre”, reflete.

"Vivemos em um país onde a criminalidade contra a mulher é absurda. Com a pandemia aumentaram muito os casos de violência doméstica", lamenta Leona (Foto: Priscila Prade)

“Vivemos em um país onde a criminalidade contra a mulher é absurda. Com a pandemia aumentaram muito os casos de violência doméstica”, lamenta Leona (Foto: Priscila Prade)

A atriz considera urgente e necessário falar sobre o universo feminino até por o Brasil ser um país machista. “Sinto que estamos entrando no raiar de um novo momento em que as mulheres estão reconhecendo a sua força. Esse fortalecimento é necessário, é um caminho sem volta. Agora, vivemos em um país onde a criminalidade contra a mulher é absurda. Com a pandemia aumentaram muito os casos de violência doméstica. Existe um enorme preconceito no Brasil, por isso é necessário fortalecer o universo feminino para chegar em um equilíbrio. Não é de igualdade no sentido de ser igual ao outro, é de que as diferenças sejam reconhecidas, respeitadas e haja uma valorização por direitos iguais. Os homens também se divertem muito com a peça, porque eles vem tendo uma nova postura. Fora o fato de trazer todos os questionamentos eu estou me divertindo muito, porque ela é um exercício maravilhoso de comédia”, ressalta.

Fora dos palcos e dos sets de gravações e filmagens, Leona usa a sua visibilidade para ajudar em causas relevantes, como na defesa do Meio Ambiente. No mês passado, ela participou do Ato pela Terra, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, onde Caetano Veloso cantou para uma multidão. A ideia era pressionar contra uma série de projetos de lei que podem vir a permitir o garimpo em terras indígenas, o que pode favorecer ainda mais o desmatamento. “O ato foi muito importante, porque a gente estava lá em frente ao Congresso no momento em que estava sendo prorrogada a questão da votação da liberação nas terras indígenas e foi muito emocionante, porque tinha uma tribo no palco nesse momento. E fomos recebidos no Supremo Tribunal Federal, depois no Congresso. O que coloquei lá, e que me toca profundamente é que neste momento histórico que estamos vivendo ainda é possível fazer algo. Pode ser que depois não seja mais. Esse é o tema mais importante, porque é o que define a nossa sobrevivência e a do do planeta. Não acredito nessas pessoas que falam que amam a vida, a Terra e não tem esse lugar da preservação. Então, foi muito tocante. A gente não pode daqui a um tempo dizer ‘estávamos vivos em 2022 e não fizemos nada’. Temos a Floresta Amazônica com centenas de etnias vivas no Brasil, centenas de línguas, de tribos. Eu já fui algumas vezes para a Floresta Amazônica, é uma riqueza cultural, de sabedoria. Eles tem um outro tipo de ciência, de entendimento da nossa raça com o nosso planeta. Fomos a Brasília protestar contra essa liberação indiscriminada dos agrotóxicos. Isso é algo criminoso contra a humanidade e o planeta, e para falar também contra o desmatamento e a invasão das terras indígenas”, comenta ela, que após a eleição presidencial, em outubro, espera por mudanças em todos os níveis.

"Fomos a Brasília protestar contra essa liberação indiscriminada dos agrotóxicos. Isso é algo criminoso contra a humanidade e o planeta. E para falar também contra o desmatamento e a invasão das terras indígenas”, explica Leona (Foto: Reprodução Instagram)

“Fomos a Brasília protestar contra essa liberação indiscriminada dos agrotóxicos. Isso é algo criminoso contra a humanidade e o planeta. E para falar também contra o desmatamento e a invasão das terras indígenas”, explica Leona (Foto: Reprodução Instagram)

“Não dá para continuar do jeito que está. Sem cultura e sem educação não há como ter um povo com uma consciência maior, nem como ter um desenvolvimento. A ciência, a educação, a cultura e a preservação ambiental são a base de tudo”, crítica Leona, que estava filmando A Cerca, dirigida por Rogério Gomes, (responsável pela novela Pantanal), no Rio Grande do Sul, quando a pandemia começou. Até, hoje, as filmagens não foram concluídas.

Na época, ela estava ensaiando também a série O Rei da TV, pra Star+. Era para ser rodada em três meses, mas entre idas e vindas, cercadas de protocolos, demorou um ano e oito meses para gravar duas temporadas. A série é sobre a história do Silvio Santos e ela interpreta Iris Abravanel, mulher do apresentador, vivido por José Rubens Chachá. Quando concluiu, começou a ensaiar o monólogo Elogio da Loucura, baseado no livro de Erasmo de Roterdão (1466-1536). “Foi escrito no século XVI, mas é incrivelmente atual. Então, com todos os cuidados, me mantive trabalhando na pandemia e nas horas que não podia, me mantive no sítio que tenho, o que foi muito legal. Consegui manter esse contato com a natureza e isso faz toda a diferença”, avalia ela, que acabou tendo covid em janeiro deste ano logo após o Réveillon. “Mas foi leve, porque já tinha duas doses de vacina, agora já tenho a terceira”, lembra. Em Elogio da Loucura, Leona está sendo dirigida por Eduardo Figueiredo, que também assina a direção em Procuro o Homem da Minha Vida, Marido Já Tive. Ele também foi o responsável pelas peças Gatão da Meia Idade e Frida Y Diego, encenadas por Leona.

Com dois livros já editados, Leona, no momento, se dedica a sua terceira obra (Foto: Edu Rodrigues/Maquiagem: Dani Kobert)

Com dois livros já editados, Leona, no momento, se dedica a sua terceira obra (Foto: Edu Rodrigues/Maquiagem: Dani Kobert)

Longe das novelas desde Órfãos da Terra, exibida até setembro de 2019, ela está começando a escrever um novo livro. “Vou falar sobre cultura de paz. Estou colhendo depoimentos, falando um pouco da minha trajetória”, diz ela, que já tem editadas as obras: Caminho das Pedras: Reflexões de Uma Atriz e Belabelinha.