* Por Carlos Lima Costa
A atriz e digital influencer Kéfera Buchmann é sinônimo de sucesso, mas sempre teve questionamentos internos, que levava para suas sessões de análise. Temas que agora ela aborda e divide com o público no espetáculo ‘É Foda’, no qual faz paródia com a própria história. “A galera acha que minha trajetória foi só de glamour e bônus, mas teve muito ônus no meio disso tudo. Em vez de mergulhar no que eu tinha conquistado, sentia vergonha da minha trajetória, porque ela não foi do jeito que eu imaginava, justamente por eu ser uma pessoa que idealiza muito as coisas. Então, falo ali também sobre crise dos 30, ansiedade, as dúvidas e questionamentos da vida. É uma auto ficção, uma tragicomédia parodiando tudo que aconteceu na minha vida até hoje, mas muito dos bastidores. É um lugar em que me abro para uma vulnerabilidade extrema e de coragem, porque abordo temas que eu nunca tinha falado publicamente, o que me trouxe até aqui e essa minha busca incessante pela validação como atriz para ser vista além da imagem da garota da internet”, enfatiza ela que está em cartaz, em São Paulo, com o espetáculo Gaslight – Uma Relação Tóxica. E planeja para 2023, o lançamento de um livro com temática LGBTQIAP+.
Diante do autoquestionamento, Kéfera explica o que a envergonhava nessa caminhada. “Absolutamente tudo no sentido de que eu imaginava que ia ser conhecida, porque ia fazer alguma novela, não por conta da internet, nessa carreira que aconteceu sem querer. Por muitos anos, ouvi que ser youtuber, produzir conteúdo para a internet não era trabalho, mesmo sendo pioneira nisso, em 2010. Agora, a maior parte das pessoas independentemente da profissão procura ter fama, seguidores, produzir conteúdo das mais variadas áreas. Todo mundo quer estar na internet e é curioso ter feito o caminho oposto de certa forma, porque cresci e me criei ali. Não que, hoje, eu não tenha vontade de estar nas redes sociais, mas pondero e cuido mais do que vou postar”, pontua.
Kéfera vê meninas novas expondo várias situações e reflete que ela já foi essa pessoa. “Eu não tinha noção do impacto que isso teria no meu futuro, do que as pessoas iriam opinar ou pensar sobre mim. Então, no espetáculo falo, por exemplo, sobre a importância que eu já dei, que é meio inevitável, sobre o que os outros pensam. A gente tem que ser feliz, não pode ligar para a opinião dos outros. Mas no fundo, na sociedade em que vivemos, querendo ou não, temos essa necessidade de ter um afeto que vem da aprovação e da validação do outro, seja na profissão, na vida pessoal. A coragem que eu tive para expor e criar esse texto meio que foi um tapa na cara de luva de pelica que eu mesma dei em mim”, ressalta ela, cuja peça ‘É Foda’, já teve duas apresentações em São Paulo, e retorna para lá com uma mini temporada de 12 de outubro a 2 de novembro, no Teatro Procópio Ferreira, onde, aos sábados e domingos, ela apresenta Gaslight.
Em relação aos 30 anos que vai completar em 25 de janeiro, Kéfera explica que vem encarando com mais calma do que imaginava. “Essa idade, principalmente para a mulher, ainda é um estigma grande e tem toda cobrança de quando vai casar, ter filho, porque o teu relógio biológico está correndo. E eu desde os meus 20 e poucos me desesperava mais. Graças justamente a esse processo da peça de ter conseguido dirigir, produzir, protagonizar, escrever, criar a luz, sonoplastia junto ali com auxílio dos profissionais que tiveram comigo, isso me ajudou a parar de duvidar de mim e chegar tranquila a essa idade. Já conquistei coisas como ser apontada uma das mulheres mais promissoras do Brasil, em 2015. Levantei esse espetáculo, recebi um feedback satisfatório das pessoas da classe que assistiram”, vibra.
ALVO DE HATERS NA REDE SOCIAL
Kéfera começou a conquistar admiradores a partir de 2010, ao criar seu canal no YouTube, o 5inco Minutos. Atualmente, por exemplo, tem 15,7M de seguidores no Instagram. Nem tudo foi positivo, ela sofreu com ataques haters. “Passei por situações sérias que eu levei para análise. Por isso, cada vez mais falo da importância de fazer terapia, de ter um profissional da área da saúde mental que te ouça e que possa pontuar coisas que você não consegue enxergar quando está no olho do furacão. Então, já fui muito atacada, teve uma época que me pegaram muito pra dar porrada, com absolutamente tudo que eu falava na internet, no snapchat, no Instagram. Não época, não tinha entendimento de erros que eu cometi com falas, porque não tinha o conhecimento que tenho atualmente. Como cresci na internet, é complicado julgar. Era uma adolescente em processo de construção de personalidade. Não pode achar que o que é dito uma vez é uma verdade absoluta e eterna. Às vezes, até um sonho, deixa de fazer sentido depois de alguns anos”, explica.
Já fui muito atacada, teve uma época que me pegaram muito pra dar porrada, com absolutamente tudo que eu falava na internet, no snapchat, no Instagram – Kéfera Buchmann
“Por mais que eu discordasse da opinião de alguém ou de algo que foi postado, nunca ataquei ninguém justamente por que vi o quão horrível era quando me atacavam. Se não concordo com uma opinião, guardo pra mim. No máximo, compartilho com uma amiga. Agora, se alguém falava algo sobre mim, tinha o meu direito de resposta, de me impor diante de polêmica inventada. Na internet, existe a necessidade de todo mundo ter uma opinião, muita fofoca e essa cultura de ódio”, aponta.
Com toda experiência na área, avalia as transformações das redes sociais da época em que começou para a atual, quando muitas vezes existe um mundo artificial no qual as pessoas mostram o que não são. “Na peça, falo sobre isso também. De a gente se comparar com a vitrine da felicidade que a internet promove. Quando abrimos as redes sociais, é gente feliz o tempo todo, seja no relacionamento, em uma viagem, trabalho, conquistando sonhos. Justamente por ter estado tantos anos na internet, sei bem como é isso de você dar uma notícia boa para o público ouvir, mas que você não está tão seguro daquilo, nem feliz o suficiente. O vendável não é você ficar desabafando sobre os seus problemas, apesar de que hoje tem pessoas que mostram a vida real. Mas o que vende realmente é a vida idealizada que as pessoas gostariam de ter. A diferença que eu vejo é que aumentou muito o número de pessoas que estão na internet”, analisa.
Ela lembra do descaso que percebeu durante anos quando falava que trabalhava com YouTube. “Quando dizia que fazia vídeos para a internet, ficavam com uma cara de paisagem e perguntavam qual era o meu real trabalho. Respondia que fazia vídeos de humor, do cotidiano, inspirados em alguma situação que eu vivi. Aí me perguntavam, por que eu fazia isso. Era uma resposta que eu não tinha muito o que falar. Me questionavam se alguém assistia, eu dizia que meu canal estava com um milhão de inscritos. A pessoa arregalava os olhos”, recorda.
Kéfera explica que levou um tempo até o público entender o que era produção de vídeo na internet, como isso se encaixava numa profissão e como dava trabalho. “Uma das coisas que hater falava era: ‘É muito fácil ser patricinha, ficar com as pernas erguidas o dia inteiro, fazendo videozinho falando qualquer coisa’. Cara, existe todo um esquema de pegar um tema, roteirizar, anotar em tópico, investir em equipamento, escolher roupa, se arrumar, fazer a maquiagem. Às vezes, gravava 50 minutos de material bruto para transformar em dez e eu que editava. Sempre fui autocrítica e perfeccionista. Apesar de ter postado tudo quanto é tipo de vídeo falando sobre vários assuntos, o meu crivo era forte. Acho que eu era a minha pior carrasca na história. A minha maior hater um dia já fui eu mesma, até entender que o meu cérebro era o meu próprio algoz. Não entendi isso sozinha. Foi através de análise. Já fiz terapia com psicóloga junguiana, depois com uma lacaniana”, observa.
E ressalta: “Hoje em dia, muita gente quer estar na internet, mas não mede tanto a consequência que isso vai impactar no futuro. Vejo muito essa necessidade de ser famoso por ser famoso e aí me questiono. Querendo ou não isso impacta em várias profissões, desde você fazer publipost pra conseguir dinheiro até ser famosa, receber afeto, mesmo que virtual, envolvendo nisso a aprovação e validação dos outros sobre a pessoa que você é. A diferença é que hoje muitas pessoas começam querendo ter uma carreira na internet. Eu não quis. Quando olhei a coisa tomou um rumo muito maior do que eu imaginava”, reforça.
CANAL NO YOUTUBE COM INTENÇÃO DE SER ATRIZ
Kéfera fazia teatro desde os 15 anos e abriu o canal, aos 17, com a intenção de lhe ajudar na conquista do desejo de ser atriz. “Sou de Curitiba, era uma menina que tinha um sonho de ser atriz. Sabia que as coisas aconteciam, por exemplo, no Rio de Janeiro, na Globo, mas não fazia ideia de como chegar. Na minha família não tem ninguém do ramo, tive que caminhar com as minhas próprias pernas e o meu jeito foi fazer um canal no YouTube na esperança de que algum diretor ou produtor de elenco me visse e me convidasse para um teste para daí eu entrar em alguma novela ou filme. Eu sempre fui fã de novela. E de fato aconteceu a oportunidade, através da internet, para fazer o meu primeiro filme, o ‘É Fada!’, em 2015. Foi um sucesso e eu me assustei”, recorda.
Todo dia a diretora Cris D’Amato ligava lhe contando sobre as milhares de pessoas que estavam indo aos cinemas. “Eu perguntava se isso era bom (em duas semanas o longa inspirado no livro Uma Fada Veio Me Visitar, de Thalita Rebouças, foi visto por um milhão de pessoas). Ela ria e falava que era maravilhoso, que quem conseguia esses mesmos números era o Paulo Gustavo (1978-2021) e olhe lá. Cinema nacional é uma luta diária. Mas até quando tive meu primeiro filme como protagonista e sendo um sucesso, levei martelada. Veio tanta onda de hater”, lamenta.
“Os fãs, sempre carinhosos, faziam vídeos de homenagens. Mas não estava mais a fim de produzir para o YouTube. Estava focada na minha carreira de atriz. No Brasil tem muito preconceito. Você não pode fazer duas coisas, então, se você é cantora, só canta, se é atriz, só atua e por aí vai. Senti que me privei de viver outras coisas. Por exemplo, tinha vontade de ter uma carreira musical e tive a oportunidade de ter um CD lançado depois do ‘É Fada’, mas não me senti preparada pra isso, justamente por saber que no Brasil as pessoas tentam colocar a gente dentro de caixas”, relembra. Mesmo assim, com o sucesso no YouTube, Kéfera apresentou programa na televisão (‘Coletivation’, na MTV), lançou três livros (‘Muito Mais Que 5inco Minutos’, ‘Tá Gravando. E Agora?’ e ‘Querido dane-se’), fez filmes, série (‘Ninguém Tá Olhando’, da Netflix), novela (‘Espelho da Vida’, na Globo).
ESPETÁCULO REMETE A RELAÇÕES TÓXICAS DO PASSADO
No momento, a empolgação também é total com o espetáculo Gaslight – Uma Relação Tóxica, último projeto de Jô Soares, que morreu dia 5 de agosto, aos 84 anos. Ele assina tradução, adaptação e direção de texto escrito pelo dramaturgo inglês Patrick Hamilton (1904-1962). Durante os ensaios da peça que aborda abuso psicológico em cima das mulheres nas relações afetivas, Kéfera viveu espécie de catarse. “Foi intenso esse processo dos ensaios. Ficava com raiva da situação que estava sendo ensaiada, do que acontece com a protagonista. Me fez reviver memórias. Passei por todos os tipos de abusos possíveis. Tiveram dois relacionamentos muito fortes pra mim, um em 2012, outro em 2017. Só fui entender sobre esse abuso na terapia e a outra questão foi através de amigas, que me alertaram em um dia quando estava rolando xingamentos. Pra mim foi chocante, porque já estava envolvida com as causas feministas. Quando você está em uma relação, você fica com medo de expor o que está vivendo, porque a situação pode piorar. Por isso, entendo o medo das mulheres diante de relações abusivas”, pontua.
E ressalta a relevância do espetáculo. “A abordagem desse assunto é importante, porque infelizmente têm muitas pessoas, não só mulheres, que ainda se encontram presas em relacionamentos abusivos. Quanto mais esse tema for falado, mas as pessoas vão ter o seu despertar, questionar que talvez estejam em uma relação tóxica. É um assunto delicado, por isso me engajei muito na causa feminista para alertar e ajudar as mulheres. Tem seguidora que eu ajudei por direct. Ela falava que o marido estava batendo nela. Eu ia auxiliando para chamar a polícia, esperar ele sair de casa e ir fazer o BO, indiquei psicólogos”, conta.
Quando Kéfera se envolveu com a peça, Jô Soares já estava com a saúde fragilizada. Daí começaram a ensaiar o espetáculo para ter algo mais palpável pra mostrar a ele. “Estávamos deixando tudo mais maduro para ele começar a dirigir a partir de um ponto que não fosse do zero, mas uma semana antes do encontro presencial que teríamos com ele, o Jô morreu, infelizmente”, lembra ela, que chegou a ser entrevistada pelo apresentador, em 2015.
Estar neste espetáculo foi resultado de seu esforço ao descobrir que a produção do Jô iria montar uma peça. “Nervosa, liguei para o produtor dele, me apresentei dizendo que queria deixar meu contato para se tivesse alguma oportunidade, pudesse mostrar um pouco do meu trabalho. Dois dias depois veio o convite para Gaslight. Levei um susto. Não esperava retorno tão imediato”, destaca.
Kéfera ressalta que na vida artística passou muito tempo em posição passiva, aguardando convites. “Vivia esperando chegar trabalho e a angústia do faz teste e não recebe resposta. A carreira é complicada. Tem que ter realmente muito amor e força de vontade, porque recebemos mais ‘não’ do que ‘sim”, garante.
Foi assim, em um momento sem trabalho, que surgiu a ideia do espetáculo. “Eu falei comigo mesma: ‘Não aguento mais não estar exercendo o meu ofício e aí em três meses eu levantei essa peça. Meu processo criativo é latente em mim, só que tem momentos da minha criatividade em que vou ficando mais reclusa, introspectiva, sentindo certa angústia. Reconheço esse meu movimento, graças a muita análise. Quando entro nesse processo de me fechar, sei que algo a partir disso vai sair, até porque tudo que dói, eu transformo em arte, eu sublimo. De acordo com a psicanálise, a sublimação é quando você pega uma situação e dá destino para sua dor transformando em algo. Faço isso desde a adolescência. Até com os vídeos já era dessa forma. Isso tem ficado cada vez mais claro pra mim. Então, quando passo por uma situação difícil, sei que depois vou transformar na construção de algum projeto. A peça ‘É Foda’ foi assim”, explica.
Ela já vinha ouvindo de produtores de elenco, diretores, atrizes, amigas, sugestões para que escrevesse um projeto sobre sua trajetória ou até que fosse ficção. “Me diziam: ‘Volta para o palco, para o lugar de onde você veio e que te faz bem, resgata a sua essência para trabalhar com o que você ama’. Eu me sabotava muito. Por isso, falo que a maior hater que tive até hoje foi eu mesma”, reforça.
LIVRO COM TEMÁTICA LGBTQIAP+ E PROTAGONISMO BISSEXUAL
Em meio a tantos projetos, planeja para 2023 o lançamento de um livro com temática LGBTQIAP+. Kéfera que assumiu sua bissexualidade ano passado, explica que a obra não vai ser um relato pessoal. “É uma história de ficção, que por enquanto ainda está esboço. Estou começando a desenvolvê-la. Quero que tenha um protagonismo bissexual, pois é difícil ter hoje em dia pessoas que representem a comunidade sendo bissexuais. A bissexualidade ainda é muito inviabilizada. Como bissexual, se você se relaciona com um homem, questionam: ‘Você virou hetero?’ Não! Se você se relaciona com mulher, ai falam: ‘Agora, você é lésbica?’ Não! Independentemente do gênero com o qual esteja se relacionando, você continua sendo bissexual. Tanto que tem isso no texto de ‘É Foda’, uma cena do sindicato da bissexualidade, porque tem muito essa brincadeira de cobrar da gente quase que uma carteirinha de bissexual. No mês do Orgulho teve tanto trabalho, publicidade, campanha com pessoas lésbicas, gays, mas foi difícil ter bissexuais à frente de alguma campanha justamente por que existe esse estigma de que não sabem o que querem. É justamente o oposto. Sabemos tanto, que queremos nos relacionar com pessoas independentemente de gênero e orientação”, observa.
E admite: “Acho que foi mais difícil eu me entender e me assumir pra mim mesma do que isso não ficar tão claro para o público ou para a minha família, onde, graças a Deus, fui bem aceita. Quando começou a sair matéria ‘Kéfera se assume publicamente bissexual’, fui falar para minha tia avó de 95 anos, antes que ela tivesse acesso a essa informação. E ela falou: ‘Por mim está tudo ótimo. O que importa é se você está feliz’. Fui muito acolhida pela minha família. Infelizmente não é o que acontece em todas as famílias, conhecemos tantas histórias tristes por conta de homofobia, lesbofobia, bifobia, enfim, todos os tipos de preconceitos que existem para alguém que não é hetero. E quando me assumi publicamente, não era para isso se tornar uma polêmica, era para que eu tivesse liberdade de diante da minha verdade, não ter que ficar mais com medo se estivesse em público com uma mulher, por exemplo”, pondera.
Quando começou a sair matéria ‘Kéfera se assume publicamente bissexual’, fui falar para minha tia avó de 95 anos, antes que ela tivesse acesso a essa informação. E ela falou: ‘Por mim está tudo ótimo. O que importa é se você está feliz’. Fui muito acolhida pela minha família – Kéfera Buchmann
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