*Por Jeff Lessa
Alguns poucos minutos de conversa com Jane Di Castro bastam para compreender o motivo de ela ser conhecida como “diva”. Não, não é porque seja irascível, cheia de faniquitos, frescuras e exigências. É justamente pelo oposto disso: durante o nosso papo, Jane foi direta, sem firulas, solícita e elegante. Exatamente o que se espera de uma diva do século 21.
A artista comemora 50 anos de ribalta no dia 11, com o show “As Canções de Uma Divina Diva”. O roteiro e a direção são de Ney Latorraca e a apresentação única será no lindíssimo Centro da Música Carioca Artur da Távola, na Tijuca.
– Vai ser um retrospecto de tudo que já fiz. Escolhi algumas obras das “Divinas” (o espetáculo “Divinas Divas”, que estreou em 2004, com que ficou dez anos em cartaz ao lado de Rogéria, Divina Valéria, Camille K, Eloína dos Leopardos, Marquesa, Brigitte de Búzios e Fujika de Halliday), falo sobre o Cauby (Peixoto) e o homenageio cantando “Bastidores”. Também canto Cazuza, Rita Lee, Nubia Lafayette e conto histórias da minha vida – revela. – O Cauby foi meu vizinho aqui em Copacabana. Ficamos muito amigos. Era um homem muito simpático e generoso.
Além de dar mais detalhes sobre a longa amizade com Cauby, as histórias tratam da infância com pai militar e mãe evangélica, dos anos de ditadura no Brasil, do relacionamento de 52 anos com o fazendeiro Otávio Bonfim (falecido em outubro de 2018), do trabalho como cabeleireira em Copacabana (o salão próprio foi aberto em 2001), das novelas em que atuou (só de Glória Perez, amigona, foram três) e de seus artistas favoritos, entre outros assuntos.
– Faço o público rir de tempos difíceis – resume.
A direção de Ney Latorraca é considerada um luxo. Por sinal, é a segunda vez que o ator a dirige no palco.
– Ele é maravilhoso. E eu adoro ser dirigida! Sem direção fico completamente perdida. Sou super disciplinada, ouço com atenção e cumpro as orientações direitinho – conta. – Talvez seja por isso que eu tenha ficado amiga de todos os meus diretores, sem exceção.
Falamos sobre os artistas trans da nova geração, como Pabllo Vittar, por exemplo, e Jane é só generosidade:
– Hoje o clima facilita a vida de quem ainda precisa enfrentar a sociedade por conta de sua sexualidade – comenta. – No meu tempo, não tínhamos internet, por exemplo. Não tínhamos liberdade. Íamos presas simplesmente por sermos o que somos, só podíamos nos vestir de mulher no palco; na rua, jamais. Abrimos caminho para os jovens de hoje poderem estar no cinema, na televisão, na internet…
Pioneira, Jane batalhou arduamente contra a ditadura e pela liberdade. Antes mesmo de o regime político endurecer, ela já enfrentava o bullying no subúrbio de Bento Ribeiro, onde foi criada:
– Não era uma simples provocação: os garotos esperavam na saída da escola para nos agredir fisicamente. Os rapazes efeminados apanhavam muito.
Por conta de tantas barreiras que foram transpostas, tantas armadilhas de vida que sua geração enfrentou de cabeça erguida, ela se diz decepcionada com a postura de alguns dos jovens:
– Essa garotada apoia um regime que não viveu. Eu sou uma lenda viva da ditadura. Fui chamada de anormal, fui presa e apanhei por ser o que sou. Que eles agradeçam à geração dos anos 60, que enfrentou de verdade a repressão. Muitos trans dos anos 50, por exemplo, abandonaram a carreira. Mas não era fácil, bullying naquela época era porrada, pedrada mesmo.
Sobre a noite carioca, rola saudade dos tempos em que a Galeria Alaska, reduto gay que ligava a Rua Nossa Senhora de Copacabana à Avenida Atlântica, no Posto Seis, fervia:
– Estreei lá, aquilo era uma festa. Mas o Rio deixou de ser essa alegria. A cidade falhou feio com os LGBTs. Não há mais lugares para ir. Se a juventude não correr atrás, em breve não vai ter nenhum lugar gay sequer para frequentar.
Jane Di Castro por Jane Di Castro:
– Nasci artista. Desde criança soube exatamente quem eu era, que gostava de homem e seria cantora. Não fui uma artista inventada. Corri atrás numa época muito difícil. Sou cantora, lutei pela liberdade, recebi críticas maravilhosas. Ganhei medalhas como a Chiquinha Gonzaga e a Pedro Ernesto. Atravessei 50 anos como artista e hoje tenho um público gay jovem. Mas não canto funk, não gosto. E não quero, a essa altura, ficar conhecida como “A Vovó do Funk”! Ou quem sabe…
Jane cantando “Non, je ne regrette rien”, de Edith Piaf
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