Jamile Cazumbá, atriz de “Babilônia Tropical”, problematiza a invisibilização do negro, da mulher e do Nordeste


A atriz de “Babilônia Tropical” revista o protagonismo negro em montagem que trata sobre exploração de mão de obra escrava em engenho de açúcar no Nordeste do século XVII. Ela pontua que, ainda que haja hoje uma discussão e um clamor por maior posicionamento e representatividade quer preta quer nordestina, ainda há grande espetacularização dos corpos preto e feminino nas artes. Para Jamile, “o mercado quer comprar nossa expressão, mas não nossa felicidade e o que pensamos”. A peça dirigida por Marcos Damigo fica em cartaz até o início de outubro no CCBB/RJ.

*por Vítor Antunes

Uma das atrizes em cartaz na montagem de “Babilônia Tropical“, Jamile Cazumbá é voz ativa da causa negra. A atriz é colaboradora do processo criativo da encenação atualmente encenada no CCBB/RJ, e que vem encontrando ampla repercussão no cenário nacional, especialmente por trazer à tona as histórias pouco reveladas do Brasil. Pesquisadora e acadêmica das performances afro-diaspóricas, Jamile tem se dedicado ao work in progress, sob forma conceitual. Em paralelo à peça dirigida por Marcos Damigo, ela está no projeto “Um ritual-recital-performático III ou Um lugar que eu digo saber inventar” no qual traz protagonismo às memórias inscritas nos corpos de mulheres negras e sua confluência nas expressões visuais a partir de diversas materialidades.

A artista também é crítica daquilo que chama de espetacularização do Nordeste: “A referência artística para o Nordeste parte sempre de uma perspectiva sudeste-centralizada, mas o nosso processo artístico está em outro lugar e pensando outras coisas. A espetacularização que vem do capitalismo alimenta o esquema politico que nasce da arte”.

O mercado quer comprar nossa expressão, mas não nossa felicidade e o que pensamos. Quer nossas dores, e isso retroalimenta o fetiche, a estigmatização dos corpos e cristaliza a imagem estereotipada já criada dentro da própria arte – Jamile Cazumbá

Jamile Cazumbá. Atriz está em cartaz em “Babilônia Tropical” e em performance sobre a existência preta (Foto: Divulgação)

NOVAS EMBALAGENS PARA ANTIGOS INTERESSES

Jamile Cazumbá está no elenco de “Babilônia Tropical“, que traz ao debate a centralidade de Anna Paes, personalidade pernambucana sobre a qual não há muitos registros, mas que a pesquisa do diretor Marcos Damigo fez saber que seu engenho de açúcar era um dos mais importantes de Pernambuco no Século XVII e lançava mão de mão de obra escrava. A seu ver, algo não muito distante do que ocorre hoje. “O que aconteceu ao longo do tempo é que houve uma maior sofisticação. Do engenho chegaram outras condições exploratórias e lugares de dominação. Quem cria a lei e a coordena são os mais interessados em explorar. Não há interesse em criar parâmetro social de equidade, já que esse lugar social é ocupado pelos próprios políticos”.

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Mesmo o próprio movimento negro e indígena que vinha ocupando espaços de subalternidade está se transformando e lutando,  ao passo a colonialidade também se molda, se estabelece e vê meios legais e políticos para fazer essas explorações legalmente. Trata-se de um lugar estrutural que precisa ser repensado, desmontado e desfeito nessa sociedade – Jamile Cazumbá

Nascida no bairro da Palestina, Salvador, Jamile estuda Museologia pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), e integra o Projeto Práticas Desobedientes e atualmente dedica-se principalmente ao campo das artes visuais, performance, e ao trabalho ritual-recital-performático, pesquisando memórias ancoradas nos corpos de mulheres negras. “Eu vou muito na questão da violência. É importante pensar que os nossos corpos e a nossa realidade esbarra e é forjada por ela. A construção da perspectiva territorial e familiar de como fomos fundados é uma coisa que acontece aqui e que vivemos até hoje e especialmente com alguns corpos específicos. Enquanto artistas que pensamos e refletimos o nossos tempo, este é um processo de recriação da própria historia e como podemos transformá-la. É um convite para um diálogo e não para uma resolução”.

Jamile CAzumbá: “O corpo preto foi silenciado” (Foto: Divulgação)

Em “Um ritual-recital-performático III ou Um lugar que eu digo saber inventar“, a artista aborda as “Memórias ancoradas no corpo da mulher preta. Esse estudo é baseado na minha própria existência. Para ser possível existir nesse lugar social e politico de forma saudável, eu preciso me desfazer do que sou: Esse corpo feminino, lésbico, periférico e preto, que está inserido nas categorias de subalternidade e violência. Esse trabalho começou quando dei-me a observar como o corpo negro anda na rua, como caminha e interage com outros corpos. Essa coreografia que me trouxe ate aqui, com todas as marcas e memórias, inclusive as silenciadas. Nosso corpo é um documento que dialoga com essa memória na qual reexistimos.

Uma das fotografias que compõem o ritual-recital-performático de Jamile Cazumbá, atriz de “babilônia Tropical” (Foto: Divulgação)