*por Vítor Antunes
Uma das atrizes em cartaz na montagem de “Babilônia Tropical“, Jamile Cazumbá é voz ativa da causa negra. A atriz é colaboradora do processo criativo da encenação atualmente encenada no CCBB/RJ, e que vem encontrando ampla repercussão no cenário nacional, especialmente por trazer à tona as histórias pouco reveladas do Brasil. Pesquisadora e acadêmica das performances afro-diaspóricas, Jamile tem se dedicado ao work in progress, sob forma conceitual. Em paralelo à peça dirigida por Marcos Damigo, ela está no projeto “Um ritual-recital-performático III ou Um lugar que eu digo saber inventar” no qual traz protagonismo às memórias inscritas nos corpos de mulheres negras e sua confluência nas expressões visuais a partir de diversas materialidades.
A artista também é crítica daquilo que chama de espetacularização do Nordeste: “A referência artística para o Nordeste parte sempre de uma perspectiva sudeste-centralizada, mas o nosso processo artístico está em outro lugar e pensando outras coisas. A espetacularização que vem do capitalismo alimenta o esquema politico que nasce da arte”.
O mercado quer comprar nossa expressão, mas não nossa felicidade e o que pensamos. Quer nossas dores, e isso retroalimenta o fetiche, a estigmatização dos corpos e cristaliza a imagem estereotipada já criada dentro da própria arte – Jamile Cazumbá
NOVAS EMBALAGENS PARA ANTIGOS INTERESSES
Jamile Cazumbá está no elenco de “Babilônia Tropical“, que traz ao debate a centralidade de Anna Paes, personalidade pernambucana sobre a qual não há muitos registros, mas que a pesquisa do diretor Marcos Damigo fez saber que seu engenho de açúcar era um dos mais importantes de Pernambuco no Século XVII e lançava mão de mão de obra escrava. A seu ver, algo não muito distante do que ocorre hoje. “O que aconteceu ao longo do tempo é que houve uma maior sofisticação. Do engenho chegaram outras condições exploratórias e lugares de dominação. Quem cria a lei e a coordena são os mais interessados em explorar. Não há interesse em criar parâmetro social de equidade, já que esse lugar social é ocupado pelos próprios políticos”.
Mesmo o próprio movimento negro e indígena que vinha ocupando espaços de subalternidade está se transformando e lutando, ao passo a colonialidade também se molda, se estabelece e vê meios legais e políticos para fazer essas explorações legalmente. Trata-se de um lugar estrutural que precisa ser repensado, desmontado e desfeito nessa sociedade – Jamile Cazumbá
Nascida no bairro da Palestina, Salvador, Jamile estuda Museologia pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), e integra o Projeto Práticas Desobedientes e atualmente dedica-se principalmente ao campo das artes visuais, performance, e ao trabalho ritual-recital-performático, pesquisando memórias ancoradas nos corpos de mulheres negras. “Eu vou muito na questão da violência. É importante pensar que os nossos corpos e a nossa realidade esbarra e é forjada por ela. A construção da perspectiva territorial e familiar de como fomos fundados é uma coisa que acontece aqui e que vivemos até hoje e especialmente com alguns corpos específicos. Enquanto artistas que pensamos e refletimos o nossos tempo, este é um processo de recriação da própria historia e como podemos transformá-la. É um convite para um diálogo e não para uma resolução”.
Em “Um ritual-recital-performático III ou Um lugar que eu digo saber inventar“, a artista aborda as “Memórias ancoradas no corpo da mulher preta. Esse estudo é baseado na minha própria existência. Para ser possível existir nesse lugar social e politico de forma saudável, eu preciso me desfazer do que sou: Esse corpo feminino, lésbico, periférico e preto, que está inserido nas categorias de subalternidade e violência. Esse trabalho começou quando dei-me a observar como o corpo negro anda na rua, como caminha e interage com outros corpos. Essa coreografia que me trouxe ate aqui, com todas as marcas e memórias, inclusive as silenciadas. Nosso corpo é um documento que dialoga com essa memória na qual reexistimos.
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