Grace Gianoukas trilha carreira que propõe um novo pensar sobre a graça: “A gargalhada que eu faço tem como origem a indignação”


A atriz é a idealizadora do projeto Terça Insana que, desde 2001, propõe um humor livre de preconceitos, piadas prontas e que inferiorizem as minorias. “Antes, parece que todos os humoristas haviam parado no óbvio e só conseguiam fazer piadas babacas, em que toda mulher era puta ou burra”

E se a sala de teatro se transformasse em um avião e a plateia virasse os passageiros desta viagem? Pois bem, podem tirar a ideia da suposição. No espetáculo “Grace Gianoukas recebe”, do projeto Terça Insana, a atriz idealizadora da peça promove um divertido encontro com o público a bordo de… uma sala de teatro. O espetáculo de humor, que ficou em cartaz na terça e na quarta-feira desta semana no Oi Casa Grande, no Leblon, segue a ideia de fazer uma viagem na imaginação. No entanto, Grace Gianoukas apontou que esta proposta não é tão louca quanto pode parecer. “A nossa proposta é quase lúdica dentro do conceito do que é entrar e estar em um teatro. Nessa peça, todos embarcamos juntos em uma mesma viagem e ao mesmo tempo. Para acrescentar à história, trazemos uma reflexão sobre o atual momento do país. Na peça, os passageiros precisam ficar esperando o avião decolar e acabam enlouquecendo com os comandantes por essa demora. Bem como nós brasileiros e os nossos políticos”, comparou.

Fazendo uma alusão à situação do nosso país, Grace Gianoukas apontou que a comédia é a melhor ferramenta para tratar de temas sérios e polêmicos como o atual panorama político. Segundo a atriz, com o humor, é possível tocar em feridas nacionais sem despertar tanta dor na plateia. “A gargalhada que eu faço tem como origem a indignação. Por isso, o enredo traz assuntos que eu gostaria de debater com diferentes pessoas, mas que não poderia ser em qualquer ambiente. Para mim, o teatro é o último reduto público de discussão livre e de desenvolvimento de um novo pensar. Por causa disso que a comédia foi a maneira que eu encontrei para falar de política, preconceito e indignação de forma leve e sem muita resistência”, explicou.

Em “Grace Gianoukas recebe” a atriz transforma a sala de teatro em um avião (Foto: Gal Oppido)

Assim como a reflexão acerca das dramas nacionais fazem parte do humor de Grace Gianoukas, as novas formas de fazer humor também compõem e regem sua carreira. À frente do Terça Insana, a atriz propôs uma nova e empoderada maneira de fazer comédia. Enquanto antes as minorias eram ridicularizadas e serviam de degrau para uma piada, hoje, os negros, gays e as mulheres não são mais motivos de risada. Esse é o pensamento que Grace Gianoukas vem construindo desde 2001 em seu projeto humorístico. “No Terça Insana, nós fazemos um humor mais adulto e reflexivo, em que as pessoas precisam ligar os pontos do textos para entender a piada e rir. Nos nossos enredos, nós não zoamos as diferenças e, sim, usamos do sarcasmo e da ironia fina para abordar situações”, explicou Grace que criou o Terça Insana com o objetivo de renovar a forma de fazer humor no Brasil.

“No começo, minha ideia era sacudir a areia que estava parada no fundo do mar da comédia. Antes, parece que todos os humoristas haviam parado no óbvio e só conseguiam fazer piadas babacas, em que toda mulher era puta ou burra. A única forma que eles conseguiam arrancar risos das pessoas era com textos de humilhação e que inferiorizavam os pequenos grupos. E em 2001, quando começamos, o movimento gay nem era tão mínimo assim. Pelo contrário. O Brasil tinha a maior passeata gay do mundo e, mesmo assim, continuava ridicularizando os homossexuais”, disse indignada.

A atriz e humorista é idealizadora do projeto Terça Insana (Foto: Artur Meninea)

Por isso tudo, Grace Gianoukas resolveu dar um basta nesta situação e promover uma mudança com as próprias mãos. Segundo ela, alem do caráter de reflexão e ironia fina, também existem outras características que marcam a trajetória do Terça Insana. Como apontou, piadas prontas, por exemplo, não fazem parte dos textos do projeto. “Essa iniciativa tinha como proposta o pensar contemporâneo, em que o texto e os talentos natos eram muito valorizados. Hoje, 15 anos depois, eu tenho certeza que estamos fazendo história e que o projeto foi um divisor de águas no humor brasileiro. Esta nova maneira de fazer rir marcou uma geração e, por mais que muitos tentam copiar o formato, a essência é só nossa. Por isso, nós continuamos vivos questionando as relações e as situações”, justificou Grace, que acredita que o caráter de uma pessoa seja medido pelo que ele acha engraçado. “Hoje em dia tem piada para todos os tipos de gente e com diferentes assuntos. Então, varia de cada um rir sobre o texto que diz que a loura é burra e o negro inferior ou um mais inteligente e reflexivo”, acrescentou.

Se já não bastasse toda a carga e dedicação que o Terça Insana tem na vida de Grace Gianoukas, ela ainda tem fôlego para outros trabalhos e projetos na carreira. Atualmente, a atriz está em cartaz no Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea, com o espetáculo “Hortance, a Velha”. Nesta peça, Grace interpreta uma senhora que coleciona histórias e lendas vividas dentro de um cabaré. “Com esse texto, eu reflito o que é ser mulher com o passar do tempo e vejo as relações de amor que, muitas vezes, não são mais como antigamente. Além disso, a Hortance também acaba humanizando grandes personagens da nossa história em contos e relatos que ela vai narrando no decorrer da peça. Então, eu acredito que ela seja um ótimo exemplo de mulher que soube viver a vida e ainda tem energias para contar novas histórias e desafiar a morte”, explicou Grace, que garantiu que ela não tem medo do passar dos anos. “Para mim, o único problema de envelhecer é me tornar prisioneira do meu próprio corpo. Com a idade, nós vamos perdendo a elasticidade e a vitalidade normal da vida. Mas, sinceramente, eu não troco o meu colágeno e o meu alongamento pela minha paz e serenidade. Se não ter angústias for o preço do colágeno, está bem pago”, brincou.

Grace Gianoukas em “Hortance, a Velha” (Foto: Divulgação)

Por isso, sempre bela e ativa, Grace Gianoukas ainda aposta em novas áreas. Depois de uma carreira super consolidada pelos palcos brasileiros, a atriz ganhou ainda mais notoriedade no ano passado, quando integrou o elenco de “Haja Coração”. Na trama da Globo, a atriz interpretou Teodora Abdalla, que era casada com o personagem de Alexandre Borges e mãe de Tatá Werneck. Porém, Grace disse que a popularidade da novela não significou uma visibilidade estrondosamente maior a sua carreira. “Quando eu fiz alguns espetáculos do Terça Insana durante a novela, eu percebi que algumas pessoas novas iam para me conhecer. Mas assim, foi um aumento de cerca de 20% só. A maioria era gente que me acompanha desde sempre. E eu sentia que, para eles, era uma alegria o fato de eu estar na novela. Assim, era mais uma forma deles acompanharem o meu trabalho e se divertirem comigo”, lembrou.

Mais que a visibilidade por causa da novela, Grace Gianoukas acredita que a economia seja a principal influência sobre as plateias de teatro. Hoje, com o país ainda tentando sobreviver à crise instaurada, fica ainda mais difícil consumir arte e cultura. E isso é um fator complicador tanto para o público, que, como apontou Grace, passa a ter outras prioridades para gastar o dinheiro, quanto para os artistas, que não conseguem tantos investimentos para seguirem com seus projetos. No entanto, a atriz acredita que, mesmo com tantos elementos contra, quem tem determinação e motivação faz arte mesmo assim. “Quando a gente quer, fazemos teatro com os móveis da casa, as roupas dos amigos e a ajuda de parceiros. A minha vida sempre foi assim, foram poucas vezes que eu tive patrocínio para uma peça. No teatro, eu pegava o dinheiro que eu ganhava em uma bilheteria e usava integralmente para conseguir investir em outro espetáculo. E sempre fui levando desta maneira. A cultura nunca me deu fortunas, mas eu sempre fiz o que queria fazer. Ate porque, não vai ser a falta de patrocínio que vai me fazer desistir de pôr uma peça em cartaz”, argumentou a atriz que sentiu uma queda de 40 a 50% nas lotações no teatro. Força e avante, Grace!

Serviço

Hortance, a Velha

Temporada: de 12 de janeiro a 26 de fevereiro

Horários: Quinta a sábado ― 21h /  Domingo ― 20h

Entrada: R$ 60 (quinta, sexta e domingo) / R$ 80 (sábado)

Teatro dos Quatro ― Shopping da Gávea
Rua Marquês de São Vicente, 52 ― Gávea ― Rio de Janeiro
Tel.: 21 2274-9895/ 2239-1095