Helga Nemetik revela abuso sexual sofrido na infância em corajoso solo e como lidou com consequências como a depressão


A atriz levará para os palcos espetáculo ‘Não conta pra ninguém’, inspirado na dolorosa experiência vivida quando criança. Nesta entrevista exclusiva, Helga revela que só começou a elaborar a experiência do abuso após os 35 anos, quando conseguiu falar em terapia e o com sua mãe a respeito. No solo, a atriz se desnuda para o público com o intuito de trazer visibilidade para a questão, que lhe trouxe tantos danos, fato, infelizmente, comum a tantas mulheres mundo afora: “Eu carrego a culpa do mundo inteiro nas minhas costas. Porque a vítima do abuso, se culpa também pelo fato de ter sido abusada. Tudo isso faz com que você fique com esses transtornos de ansiedade, e leva você a uma depressão”. Helga também vai estrear no audiovisual com três filmes potentes. Um deles, The Fox Sisters’, um filme em inglês, do diretor Wagner de Assis

*Por Brunna Condini

Muitas mulheres, em um primeiro momento não entendem a violência sofrida, principalmente quando ela se dá na infância. Helga Nemetik foi uma delas, e agora tenta ressignificar os danos do passado através do monólogo ‘Não conta pra ninguém’, no qual aborda o abuso sexual que sofreu quando criança. Aos 43 anos, a atriz, corajosamente, divide com o público sua dolorosa experiência pessoal, com o intuito de ressignificar a experiência e fazer disso um novo propósito: trazer reflexão sobre o tema e estimular a denúncia. “Estava fazendo terapia durante a pandemia, quando eu e meu terapeuta chegamos a conclusão de que eu deveria ressignificar esse trauma. Como artista, não penso em só entreter e emocionar o público, mas também em alertar, denunciar. Depois de anos de terapia, me senti pronta para isso”, conta. “E também tinha o desejo de fazer um drama, porque as pessoas só me conhecem da comédia, do musical. Então, estou me dando essa oportunidade, partindo de algo muito pessoal”.

Mesmo antes de decidir fazer o espetáculo e tornar pública sua experiência, a atriz afirma que levou muito tempo para se sentir livre e segura em dividir com alguém o que viveu. “Só contei para minha mãe aos 36 anos, quando comecei a fazer terapia. Por isso, acredito que, de fato, a terapia, o processo terapêutico, é o primeiro passo mesmo para essa sublimação e, obviamente, falar sobre o assunto”.

Revelo em cena com quantos anos aconteceu o abuso e com quem foi. Está tudo na dramaturgia. As pessoas vão precisar assistir para saberem – Helga Nemetik

Helga Nemetik fala do abuso sexual sofrido na infância no corajoso solo ‘Não conta pra ninguém’ (Foto: Rodrigo Lopes)

Helga Nemetik fala do abuso sexual sofrido na infância no corajoso solo ‘Não conta pra ninguém’ (Foto: Rodrigo Lopes)

Refletindo ainda sobre os impactos do abuso sofrido, ela avalia que após os 35 anos começou a elaborar suas consequências, destacando que o corpo guarda as marcas dos pensamentos e das emoções vividas. “Comecei a sofrer ataques de pânico e crises de ansiedade. E aí fui entender que isso tudo era consequência do abuso. Elaboramos que são consequências disso quando a gente entende que nos vemos muito permissivas, num lugar de não conseguir dizer ‘não’. Eu me via me anulando muitas vezes por não conseguir dizer esse ‘não””.

"Comecei a sofrer ataques de pânico e crises de ansiedade. E aí fui entender com a terapia que isso tudo era consequência do abuso.(Foto: Rodrigo Lopes)

“Comecei a sofrer ataques de pânico e crises de ansiedade. E aí fui entender com a terapia que isso tudo era consequência do abuso.(Foto: Rodrigo Lopes)

Helga detalha ainda como tudo a afetou. “Se você não disse ‘não’ para um abuso, que é uma coisa tão terrível, você não vai dizer ‘não’ para outras coisas. Então a gente, como abusada, carrega também muita culpa. Eu carrego a culpa do mundo inteiro nas minhas costas. Porque a vítima do abuso, se culpa também pelo fato de ter sido abusada. Tudo isso faz com que você fique com esses transtornos de ansiedade, e leva você a uma depressão”. Sobre a compulsão alimentar que precisa lidar há muitos anos, ela compartilha:

A compulsão alimentar também leva você a se tornar uma pessoa solitária. Porque o ato de comer é um prazer solitário. Você está comendo ali, está sentindo prazer com aquela comida. E isso é uma forma de você se afastar. Às vezes, eu comia para afastar o meu corpo de um corpo bom, bonito. Porque um corpo bonito e sensual, às vezes, inconscientemente, me levava para esse lugar. Dos olhares. Muitas vezes, os olhares na rua de homens, principalmente homens mais velhos, me colocavam num lugar de muita agonia, entende? E tudo isso é por conta do abuso – Helga Nemetik

"Depois de anos de terapia, me senti pronta para falar sobre o abuso" (Foto: Rodrigo Lopes)

“Depois de anos de terapia, me senti pronta para falar sobre o abuso” (Foto: Rodrigo Lopes)

A vida hoje

Depois da turnê que começa por São Paulo, Helga pretende trazer o espetáculo para o Rio de Janeiro. “Quero muito rodar o Brasil com essa peça. E tenho filmes para estrear, como ‘A Miss‘, que protagonizo, do Daniel Porto, em que faço uma ex-miss”. Uma comédia dramática sobre uma mãe que espelha suas expectativas em sua filha e não enxerga de forma única o seu filho que gostaria de ter a oportunidade igual a dela: a de ser Miss. A personagem de Helga – que tem o nome da miss Universo 1963, Ieda Maria Vargas – margeia com traços narcisistas. A atriz acrescenta: “Também integrei o elenco de  ‘The Fox Sisters‘, um filme em inglês, do diretor Wagner de Assis. E agora, acabei de rodar outro filme do Wagner, ‘O Advogado de Deus‘. Então, têm três filmes para a gente curtir essa fase cinematográfica que eu ainda não tinha experimentado”, divulga.

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No momento, mais ligada à uma trajetória autoral, Helga revela ainda, se tem esperança que o seu solo aumente o número de denúncias sobre o tipo de crime que sofreu na infância. “Seria bom isso acontecesse, claro. Teremos debates após as sessões. Gostaria muito que pessoas que nunca tiveram coragem de falar sobre o que viveram neste sentido, sejam incentivadas pelo espetáculo a falar sobre o tema, a contar para alguém, a fazer terapia para esse trauma, essa dor. Não digo curar, porque acredito que não tem como curar uma coisa dessas, mas que possam de alguma forma, tentar, sublimar, lidar com isso, entender e se conhecerem melhor através do viés da terapia”.

"Gostaria muito que pessoas que nunca tiveram coragem de falar sobre o que viveram neste sentido, sejam incentivadas pelo espetáculo a falar sobre o tema" (Foto: Rodrigo Lopes)

“Gostaria muito que pessoas que nunca tiveram coragem de falar sobre o que viveram neste sentido, sejam incentivadas pelo espetáculo a falar sobre o tema” (Foto: Rodrigo Lopes)

Após anos revisitando vivências dolorosas, a atriz fala com tem se restaurado. “A saúde física a gente cuida, obviamente, fazendo atividade física, dieta. Tem essa coisa da compulsão alimentar que sempre me acompanhou, uma luta com essa relação com a comida, uma luta para ficar no peso e, às vezes, inconscientemente, fora do peso. Essa é questão que só entendemos depois de muita análise. Falando da saúde mental, a terapia é fundamental e eu faço há oito anos. Acho que não vou deixar de fazer nunca. Já disse para o meu analista que eu não quero ter alta nunca . Sempre coisas novas vão acontecendo na nossa vida e a gente tem que ter maturidade suficiente para lidar, e vamos lidar também com coisas que nunca lidamos. Então, terapia para mim, é fundamental até morrer”.

Como encara tudo o que passou hoje, sente-se mais aliviada em falar? “Aliviada não seria palavra. Acho que hoje eu me sinto mais preparada para lidar com isso, e entender onde o que vivi me atrapalha nas minhas relações pessoais, e nas minhas relações profissionais e já identificar qualquer gatilho que possa ter que me leve para esse lugar triste, culposo do abuso. Mas acho que aliviada não, eu só me sinto mais preparada para lidar com isso”.