“Héka reflete sobre cicatrizes psico-físicas no corpo feminino” diz Maha Sati sobre monólogo poético-político


A partir do dia 3 de abril, a autora do espetáculo e atriz apresenta, na Casa Rio, peça que levanta questionamentos sobre a violência contra a mulher inspirada pela deusa grega Kekate, considerada a rainha da magia

Maha Sati trata da violência contra a mulher em seu segundo espetáculo com o núcleo Arte Quântica. Foto Carol Bispo

Maha Sati trata da violência contra a mulher em seu segundo espetáculo com o núcleo Arte Quântica. Foto Carol Bispo

*Com Jeff Lessa

Uma mistura de manifesto político com poesia. Um texto teatral que não conta, necessariamente, uma história com começo, meio e fim. Uma personagem que é melhor definida como sentimento. O monólogo “Héka – Manifesto do Corpo”, de Maha Sati, passeia por essas características para se colocar como uma peça de teatro que denuncia a violência contra a mulher. A partir do dia 3 de abril, Maha Sati, que além de autora do espetáculo é atriz, apresenta na Casa Rio um instigante panorama dos castigos físicos e psíquicos impostos às mulheres ao longo dos séculos. O tema não poderia ser mais atual e urgente.

– Fiz uma pesquisa que começa no século XII e chega até os nossos dias. Havia instrumentos de tortura, mas, além disso, nunca deixamos de ter a tortura subjetiva. Os castigos ainda existem, como a mutilação genital. No Brasil há muitas crianças que são noivas. A classe operária é a que mais sofre, mas a mulher operária sofre ainda mais – observa Maha. – Para se ter uma ideia do descaso, o Palácio do Planalto só veio a ter banheiro feminino em 2016. Oscar Niemeyer não vislumbrou a possibilidade de haver mulheres circulando por aquele prédio.

A atriz e dramaturga Maha Sati estreia o monólogo ‘Héka – Manifesto do Corpo’ no Teatro Casa Rio. Foto Carol Bispo

No palco quem levanta os questionamentos sobre a opressão feminina é Héka, personagem inspirada pela poderosa deusa Hekate, uma das menos conhecidas do panteão grego. Segundo Maha, não foi por acaso que o culto a essa divindade praticamente desapareceu ao logo dos séculos: ela era considerada a mais demoníaca de todas.

– Afrodite é a deusa do sexo, Ártemis é a grande guerreira. Tudo é mais simples. Mas Hekate é a deusa da magia, é a que está na porta do Inferno, é a sombra. É a rainha das encruzilhadas. Não se pode aceitar uma mulher tão forte, com tanto poder. Por isso ela foi demonizada até quase ser esquecida – conta Maha. – Hekate promove a consciência sobre a questão tão atual do não-binarismo, por exemplo, e traz força a esse debate.

Maha se considera uma ativista dentro da arte. Aos 29 anos, essa santista que vive no Rio há 11 (“Vim para estudar Artes Cênicas na CAL”), é uma feminista que abraça a causa com vigor e muita garra, mas sem jamais cair na armadilha da visão unilateral e dura do movimento:

– O feminismo como prática sexista não me interessa. Estamos todos no mundo, estamos juntos. É como o Yin e o Yang, que não se dissociam, vivem em harmonia. Não dá para imaginar que, de repente, todas as mulheres se tornaram maravilhosas. Eu não acredito na unilateralidade.

Sobre o tema que escolheu para seu espetáculo, Maha conta que percebe um aumento da violência contra a mulher. Mas acredita que dois motivos fazem com que a percepção da tragédia social, pelo menos no Brasil, seja tão maior do que no passado:

– Tem a luz da internet que nos permite o acesso imediato à informação, mas também não dá para minimizar o papel do resultado da eleição do ano passado, que parece ter legitimado os ataques – acredita. – A mulher faz parte de todas as chamadas minorias. É sempre o elo mais fraco dentro dos movimentos negro, LGBT, sem-terra, sem teto… As mulheres trans passam por coisas ainda piores, pois o estigma é maior.

No ano passado a atriz e dramaturga encenou o espetáculo solo “Baleia – Manifesto Aquático”, no qual tratava do lixo no mar e fazia uma analogia entre o fundo do oceano com o inconsciente. Surgia assim o núcleo Arte Quântica, em parceria com a artista e antropóloga italiana radicada no Brasil Fabiana Eramo, que faz a direção de movimento em “Héka”.

 

Três frases de “Héka”:

” Não se finge com um útero

O útero é maior que a moral” 

” A mente é um continente, o útero é um planeta”

 ”A minha origem é a curiosidade, eu venho da morte, eu exijo uma revelação, eu saí do seu paraíso e desenvolvo o mundo com minhas dores e meus esforços (…)”

 

 SERVIÇO

“Héka – Manifesto do Corpo”

Temporada: 3 a 25 de abril

Quartas e quintas, 20h

Teatro Casa Rio: Rua São João Batista 105, Botafogo. 2148-6999

R$ 40 e R$ 20 (meia e lista amiga)

Capacidade: 35 lugares

Duração: 45 minutos

Classificação etária: 14 anos

Sobre a Casa Rio: 

A Casa Rio é uma residência para artistas e produtores sem fins lucrativos aberta pela Secretaria de Cultura e de economia criativa do Rio de Janeiro/ FUNARJ, com o apoio da Queen Mary University of London e gestão da da People’s Palace Projects do Brasil. 

 Ficha Técnica:

Texto e concepção: Maha Sati 

Diretora artística: Fabiana Eramo

Cenário e Figurino: Cristina Cordeiro 

Produção: Júlia Barreto 

Assistentes de produção: Matheus Malavazi e Bárbara donatello 

Colaboração: Álamo Facó e Silvia Vieira 

Concepção de vídeo: Juliana Osmondes e Bianca Turner 

Designer: Bruna Pimenta 

Fotografia: Carol Bispo 

Realização : Arte quântica.