*Por Simone Gondim
Com a vida marcada por tragédias pessoais que acabaram se tornando de conhecimento público, Maitê Proença decidiu levar ao palco um lado que as pessoas costumam esconder, ainda mais em tempos de vida perfeita nas redes sociais: o do que não deu certo. Em “O pior de mim”, a atriz revisita a própria história, mexendo em traumas e bloqueios, fazendo uma espécie de 50 minutos de terapia acompanhados pela plateia do outro lado da tela. “Considerando a bisbilhotice universal, resolvi mostrar algo profundamente íntimo, só que pelo avesso. Em vez das vitórias, da legião de amigos e da beleza, revelo o pior de mim, onde foi que eu tropecei”, diz.
Para Maitê, o excesso de comparação com o outro traz um tipo de competição que nada tem de saudável. “O mundo está viciado na vida alheia. Sempre nos comparamos para aprender a conviver. Só que, agora, a gente se compara com imagens filtradas e modificadas até a perfeição”, afirma. “Aquela mentira é inalcançável, mas a cada dez minutos a gente a busca uma nova mentira. Nisso, se diminui e caminha para a depressão e a baixa de autoestima”, completa.
Por falar em metas inalcançáveis e imposições da sociedade, os desafios das mulheres brasileiras na faixa dos 60 anos também entram nos assuntos abordados no espetáculo. “Há uma histeria pela juventude sem fim. Mas o que atrai e mantêm as pessoas atraídas é o vigor, o interesse pelas coisas, o entusiasmo. Só dá para mudar internamente e valorizar os ganhos que vieram com a experiência, em vez daquilo que se foi e não voltará”, acredita. “Quando olho a Fernanda Montenegro, não penso em uma velhinha. Antes da idade, há mil características que pulam na minha frente. E tantas vezes vejo uma menina de 20 anos que, apesar da pele firme, é entediada, não se interessa pelo entorno e só olha o próprio umbigo. Caso siga nisso, terá uma vida com bem poucos encantos”, pondera.
Ainda que tenha remexido nas próprias feridas para escrever “O pior de mim”, Maitê avisa: é perda de tempo esperar que a peça seja explícita em eventos que deixaram marcas profundas, como o assassinato da mãe e o suicídio do pai. “Se trato de acontecimentos pessoais, é porque eles me constituem, mas a peça não é sobre eventos trágicos da minha infância”, esclarece. “As manchetes dos jornais tantas vezes dão a impressão de que vou descrever atos grotescos, com facadas, assassinatos e suicídios. Mas, quando relato acontecimentos pessoais em meu texto, é sempre para ilustrar algo bem maior do que a minha intimidade”, acrescenta.
Mesmo sem entrar em detalhes sobre alguns fatos de sua infância e adolescência, a atriz e autora ressalta que o monólogo mostra a repercussão de sua conturbada história familiar ao longo da vida e da carreira. “Falo de todos os muros que ergui desnecessariamente. As trincheiras que criei para proteger as feridas que carregava dentro, enquanto andava esvoaçante pela vida. E como tudo isso só me afastou de mim e das pessoas que, na verdade, eu queria tanto trazer para perto. Talvez todos façamos isso em maior ou menor medida, não é?”, argumenta.
Outros temas abordados no espetáculo são machismo, misoginia, assédio e preconceito. Será que existe um caminho para mudar o quadro da violência contra a mulher, tão marcante no Brasil? “Perceber onde começa a violência e impedir que se repita, ou cresça. Ter coragem para abrir o jogo. Compartilhar com alguém que tenha voz e possa fazê-lo em uma escala abrangente”, sugere Maitê. “Não sou de engolir calada, mas algumas vezes o assédio foi tão violento que me paralisou. Imagine com mulheres de temperamento dócil”, conta.
Em relação ao preconceito, a artista lembra já ter sofrido de todos os tipos. “Ela é arrogante, ela tem tudo, ela é burra, fútil, incompetente, não merece etc. Quando se tem uma imagem marcante, ela determina muito do que pensam a seu respeito. Os homens emburrecem a seu lado, as mulheres não querem você no mesmo ambiente. A peça toca em todo esse assunto”, descreve. Para os haters de internet, ela reserva um sentimento nobre. “Acredito no perdão. Ele salva”, assegura.
Aos 62 anos, a atriz curte a primeira neta, Manuela, e não tem o menor problema em exercer o papel de avó. “Há dez anos que venho pedindo uma neta! Estamos todos muito contentes”, afirma, sem entrar em detalhes e respeitando a privacidade da única filha, Maria Marinho. “Vou estabelecer limites porque eu sei umas coisinhas que ela ainda não sabe. Mas vai ser bem mais solto do que foi com a Maria”, garante. “Tudo que tenho dentro e fora será de Manuela. Transmitirei o que ela tiver interesse em saber, faremos o que ela quiser fazer. Gosto de tudo, então as possibilidades são muitas. Mas não sou de fazer projeções, vou esperar para construir essa relação junto com minha neta”, conclui.
Além cuidar da alimentação e de fazer exercícios físicos, Maitê trabalha a longevidade de outras formas. “Sou investigativa e busco a verdade obstinadamente, porque as mentiras que contamos para nós mesmas, cedo ou tarde, nos adoecem”, pontua. Para manter a sanidade durante a quarentena, a atriz deu ênfase ao lado produtivo. “A rotina me salvou. Fui fiel às obrigações que me impus: manhã/tarde/noite, sempre variando as atividades. Tentei fazer um uso construtivo das mídias sociais, que, aliás, deram uma sensação de não estar tão só”, reconhece. “Tive fases emocionais. Houve desânimos e medos. Fora a casa da minha filha, só saí quando tive que ir ao teatro ensaiar, há 15 dias, e de lá para cá para para fazer a peça ao vivo. A primeira saída foi meio punk”, confessa.
A peça fica em cartaz até o dia 30 de setembro, sempre às quartas-feiras, às 17h, com transmissão online direto do Teatro Petra Gold, no Rio de Janeiro. Os ingressos custam R$ 10 e metade da arrecadação é destinada ao auxílio de famílias de técnicos e artistas teatrais, desempregados durante a pandemia do coronavírus. A direção é de Rodrigo Portella.
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