*Por Jeff Lessa
Uma das experiências teatrais mais interessantes da atual cena carioca entrou em cartaz no Teatro III do CCBB. Trata-se de “Billdog 2”, estrelada e dirigida pelo ator Gustavo Rodrigues, que está completando 20 anos de carreira. Ele interpreta um mercenário que vive pelas ruas de uma cidade americana fictícia. O fardo de ser um assassino de aluguel começa a pesar em sua consciência. Deprimido, Billdog se consulta com um psiquiatra, enquanto resolve seus problemas cotidianos – entre eles, livrar-se de um mafioso que quer matá-lo. No cenário, que se limita a um cubo negro iluminado pelo mestre Aurélio de Simone, o ator encarna os 46 personagens da história, fazendo, inclusive, toda a sonoplastia (ruídos de carros e motos, portas rangendo, tiros, gavetas abrindo e fechando, cigarros sendo acesos etc).
A peça faz parte de uma trilogia que se tornou cult em Londres, escrita pelo ator e autor inglês Joe Bone. “Billdog” (“Bane”, no original), que deu origem à saga do anti-herói, foi montada no Brasil por Gustavo Rodrigues em 2012. A história de como essa peça veio parar no país é curiosa: “Fui para Londres em 2011 ver o Gerald Thomas, mas o teatro estava lotado. A bilheteira me aconselhou ver ‘Bane’, no Covent Garden, que ficava do outro lado da cidade, mas dava para chegar antes de começar. Fui para lá e estava lotado também. Eu ia embora, mas resolvi voltar para perguntar algo e lá estava a bilheteira, com um ingresso na mão, me chamando. O espetáculo estava começando e ela me deixou entrar, disse para eu pagar depois”, lembra Gustavo Ribeiro. “Eu adorei a peça. Esperei o Joe para cumprimentá-lo e trocamos contatos”.
Dias depois, os dois se encontraram no National Theatre e Gustavo fez a proposta de adaptar a peça: “Eu não tinha dinheiro para comprar os direitos, mas Joe estava interessado em conhecer o Brasil. Então, o chamei para ficar na minha casa e vir para a estreia”. A parceria deu tão certo que Joe acabou codirigindo “Billdog” com Guilherme Leme Garcia. “Fiquei sete anos com ‘Billdog’. Nesse tempo fiz novelas, como ‘O Preço de Um resgate’, no SBT, ‘O Rico e Lázaro’ e ‘Jesus’, na Record. Passei cinco anos contratado, o que foi importante para me dar estabilidade financeira. Quando acabei de gravar ‘Jesus’ resolvi fazer ‘Billdog 2’. Em julho do ano passado fui para Londres, para ensaiar com o Joe, e acabei como codiretor”. O músico Tauã de Lorena assina a direção musical e executa, ao vivo, a trilha sonora original composta por Ben Roe. E, mais uma vez, Gustavo conta com a colaboração do ator e diretor Guilherme Leme Garcia, que assina a supervisão artística da peça.
Outra colaboração marcante para o ator é a do iluminador Aurélio de Simone. “Foi o primeiro iluminador que convidei para trabalhar comigo, há exatos 20 anos”, revela. “Na época ele não pôde, tinha outro compromisso. Essa é a primeira vez que trabalho com o Aurélio. Ele está iluminando um espetáculo diferente do ‘Billdog’. Eu não quis que ‘Billdog 2’ fosse uma continuação do primeiro. Queria uma adaptação diferente por conta do meu momento de vida, das minhas novas referências. E queria que tivesse o questionamento social que sempre esteve presente nas peças em que trabalhei. O Joe me fez ver que, apesar da brincadeira, há questionamento social em tudo que fazemos”.
Uma mudança significativa é que o espetáculo atualmente em cartaz é colorido, ao passo que o anterior era “em preto e branco”, fazendo referência aos filmes noir americanos, que tiveram seu apogeu nas décadas de 1940 e 50, estrelados por atores como Humphrey Bogart e Barbara Stanwyck. “Antes eu tinha mais dificuldade para mergulhar nesse universo”, confessa o ator. “Atuar nele hoje me traz a memória infantil. É como ter de volta a liberdade que tínhamos, na infância, para brincar, imaginar. Somos metralhados por imagens demais no Instagram, na TV, na publicidade. É tanta informação visual que o olhar perde completamente a ingenuidade”.
A comemoração dos 20 anos de carreira deve bastante ao escritor gaúcho Moacyr Scliar (1937-2011), muito amigo da família de Gustavo: “Foi quem mais me incentivou. Eu estudava Economia na UFF. O Scliar estava sempre lá em casa, era muito amigo, especialmente do meu pai. Quando eu estava inseguro sobre a carreira ele disse ‘Filhote, para ser artista tem que ter teimosia’. Segui o conselho e larguei a faculdade para estudar na CAL”.
Formado em 1999 pela Casa das Artes de Laranjeiras, Gustavo voltou à escola há quatro anos. “Na época que estudei lá, ainda não era faculdade. Voltei para ter o diploma de curso superior. Fiz meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) sobre ‘Billdog’, sobre a função da arte de entreter, como uma obra feita para divertir pode, ao mesmo tempo, ser considerada arte. E também falo do monólogo como obra coletiva, pois há uma equipe por trás”, ressalta o artista, que procura sempre trabalhar sem patrocínio: “Aprendi que só conseguiria trabalhar se me produzisse. Nessa profissão não dá para ficar esperando convite. Fiz umas seis ou sete novelas e adoro a TV, é um veículo interessantíssimo para se trabalhar. Consegui, também, independência financeira. Mas o meu porto seguro é o teatro, sempre”.
O artista estreou profissionalmente no Festival de Teatro de Curitiba de 2000, dirigido por Moacyr Góes em “Bonitinha, Mas Ordinária”. Nessas duas décadas trabalhou em espetáculos como “Trainspotting”, com direção de Luis Furlanetto, “Laranja mecânica”, (com Paulo Afonso de Lima), “Indecência clamorosa” (com Jacqueline Laurence), “12 homens e uma sentença” (Eduardo Tolentino), “Tom na Fazenda” (Rodrigo Portella), “Bent” (Luiz Furlanetto), “Amadeus” (Naum Alves de Souza), “Os vencedores” (Tonico Pereira) e “Como é que pode?” (Leandro Hassum e Gustavo Rodrigues), entre outros.
Da mesma forma como aprendeu a se autoproduzir, Gustavo se especializou em se autodirigir. “Eu coloco o celular num tripé e filmo o meu ensaio. Não tenho problema em me observar, me vejo de fora. Depois, discuto a interpretação e o conceito com o Joe e o Guilherme Leme”, conta. “Se ver está ligado ao ego, não é? Depois que você se estuda, e para evoluir é necessário se estudar, sai do degrau miúdo da vaidade. Se ficar ligado em vaidade e se podar como ator para parecer bonito não sai do lugar. Me autodirigindo sei se tenho que falar mais agudo ou mais grave, essas coisas. E aceito numa boa meu nariz grande, a minha orelha estranha…”, brinca.
SERVIÇO
“Billgog 2”
CCBB (Teatro III): Rua Primeiro de Março 66, Centro – 3808-2020
Quarta a domingo, às 19h30
R$ 30 e R$ 15 (meia)
Ingressos: Quarta a segunda, das 9h às 21h (na bilheteria e pelo site www.eventim.com.br)
18 anos 65 minutos 86 lugares
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