*por Vítor Antunes
Ilusionista de sucesso e um dos nomes referência desta arte no Brasil, Gabriel Louchard vive um 2023 movimentado: Está à frente da montagem “Ilusões – Espetáculo Internacional de Mágicas“. O espetáculo traz para o Brasil ilusionistas estrangeiros premiados e reconhecidos, como o francês Norbert Ferré, a dupla espanhola Ramó & Alegria e o taiwanês Horret Wu. A intenção de Louchard é fazer com que o Brasil se torne um importante polo de ilusionismo e mágica e também chama a atenção para a necessidade da inclusão de outros perfis dentro do gênero. São poucos os mágicos pretos ou as mulheres, por exemplo. Uma das convidadas a estar no espetáculo é mulher, inclusive, a mágica Alegria, que faz dupla com Ramó. E procurar esses artistas para além do lugar comum é o objetivo de Louchard: “Comecei a fazer uma espécie de curadoria de artistas além do perfil tradicional de mágicos”, disse.
Quero com o ‘Ilusões’ gerar o interesse do público no segmento. Do público saber que há, com recorrência, um número de mágica num determinado espaço. Que não seja algo tão distante de se ver ou não apenas restrito às festas infantis ou aos circos. Minha intenção é acostumar o público a ver números teatrais de ilusionismo – Gabriel Louchard
Diante desse panorama apresentado pelo artista, o Site Heloisa Tolipan conversou com dois mágicos: Rômulo Muzy e Fernanda Vega. Ele concilia a carreira de mágico com a de gari da Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (COMLURB) e ela tenta quebrar barreiras e colocar-se num ambiente majoritariamente masculino. “Os mágicos não foram receptivos a mim. Fui ignorada por muitos. Mesmo as mulheres foram resistentes em me receber”, dispara.
MÁGICAS E ILUSÕES
Criado em 2019, o “Ilusões – Espetáculo Internacional de Mágicas“, retorna ao cartaz. Neste segundo momento, o espetáculo dá ainda mais destaque à personalidade artística dos ilusionistas, alguns deles vencedores de campeonatos internacionais de mágica, como Norbert Ferré, que triunfou numa disputa como o melhor mágico na categoria manipulação – ou seja, por sua virtuose em números nos quais se utilizam as mãos. Outro a estar neste elenco é o taiwanês Horret Wu, que revisita a mágica mais antiga do mundo, a das “bolinhas mágicas”. “Há registro desse número dos copinhos com as bolinhas numa tumba egípcia. Ele foi evoluindo com os anos e Wu faz esta mágica de um forma original e revisitada”. “Ilusões” está em curtíssima temporada. Terá apresentações no Rio de Janeiro, no Teatro Casa Grande, de 19 a 21; e em São Paulo, no Teatro Villa-Lobos, entre 26 e 28 de maio.
Creio que o Brasil não tem a cultura de assistir espetáculos de ilusionismo. A gente vê os de teatro tradicionais. Criou-se a cultura do stand-up comedy que não era algo popular no Brasil. O meu interesse com o “Ilusões” é gerar o interesse do público no Ilusionismo. É ele saber que todo ano tem, num determinado lugar, um número de mágica e que não deve ser algo tão distante de se ver para além das festas de criança ou nos circos – Gabriel Louchard
A ideia de fazer o espetáculo é, segundo Louchard, forma de “trazer essas referências internacionais para o público brasileiro, através de um festival de ilusionismo”. Segundo o ator, há um congresso de mágicos, realizado de maneira trianual e que a última edição realizou-se no ano passado, em Québec, no Canadá. O evento, que também é um festival, reúne estes profissionais de acordo com suas categorias – como cartomagia, escapismo, grandes ilusões e mentalismo – além de apresentar novos produtos voltados à prática do ilusionismo. “A mágica evoluiu muito com tecnologia e tem coisa que é aparentemente simples – como uma lousa ou um baralho – mas custa uma fortuninha porque tem uma engenharia por trás”.
Gabriel começou a fazer mágica muito cedo. Aos 14 já atuava profissionalmente. E, em seus primeiros anos como profissional, foi anunciado, em 2000, na então Coluna Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Depois de estabelecido como mágico, Louchard percebeu que poderia ser algo mais que aquilo que estava ofertando. “Podia ser mais que um mágico tradicional. A atmosfera que era criada em minha volta acabava chamando mais atenção. As pessoas viam-me como a um apresentador, um comediante com um diferencial, vi que precisava dar destaque a isso e foi assim que nasceu o “Como é que Pode?”, espetáculo dirigido pelo Leandro Hassum“. A montagem de sucesso deu a Louchard o reconhecimento que lhe credenciou estar em outros segmentos artísticos, como as séries e novelas, além do próprio talento como mágico.
Decididamente, não são muitos os mágicos famosos no Brasil. Perguntamos a Louchard, como fazer para estimular o surgimento de novos artistas do gênero ou o que justifica a ausência de pessoas investindo neste filão. “O ilusionismo tem condições de crescer. Em São Paulo há vários espetáculos em cartaz, entre eles, de mágicas. Eu acho que aos poucos isso pode fomentar o interesse do publico. E como são espetáculos, implica diretamente na questão do interesse da plateia. Mesmo para mim foi mais difícil me tornar conhecido apenas como mágico. O fato de ser comediante e ator acabou fortalecendo essa imagem. Há excelentes ilusionistas no Brasil e que até se apresentam lá fora”.
Outra observação que Gabriel faz acerca de sua arte é a de que não há muitos profissionais com outros perfis além do standartizado. “Eu vi poucos mágicos pretos, por exemplo. É um caminho para o qual precisa haver espaço. Inclusive comecei a fazer uma curadoria de artistas que fujam do lugar comum. Ainda que não tenha visto mágicos que convivem com o nanismo, já soube de outros que fazem números ainda que sejam cegos”, observa. O ator também relata haver feito uma apresentação do “Como é que Pode?” para uma plateia tanto de deficientes visuais como de auditivos. “O fabuloso é que eles sentiram todo o processo através da audiodescrição e reagiam com surpresa”. Em “Ilusões”, ele traz a dupla espanhola Ramó & Alegria, onde ela é quem conduz os números. Excluindo a mulher da prerrogativa da “assistente do mágico”, ou da “composição de número”. Meu objetivo é fazer outro contato com outras mulheres mágicas. No Brasil praticamente não tem”.
Em consonância com a fala de Louchard, conversamos com a mágica Fernanda Vega,uma das poucas a exercitar a arte do ilusionismo. A moça diz que sempre quis trabalhar como mágica, desde muito criança, mas “não via mulheres mágicas pra ter referência. Além disto, me desaconselhavam, dizendo que eu iria morrer de fome ou que isso não era profissão. Comecei já adulta, num momento que estava com dificuldade de arrumar emprego, e decidi investir no meu sonho”. Segundo conta, sua maior dificuldade no começo da carreira foi que “o público estranhava ver uma mulher fazendo mágica e reagia com piadinhas, como perguntando onde estava a minha roupa de assistente ou o mágico. A todos comecei a responder que a dona da cartola era eu”. Fora isto, Vega afirma que mesmo mágicas comuns de serem feitas por homens, quando realizadas por mulheres acabam recebendo conotação sexual e que só foi efetivamente conhecer companheiras de profissão mais tarde.
Para a artista ainda há muita estereotipação no olhar para a mulher: “No começo da carreira chegaram a falar pra eu me vestir como a Maga, da Disney, que usa uma roupa clássica de mágico, só que queriam uma conotação sensual, tipo um biquíni, com meia arrastão, e eu me neguei. Disse que no dia que o Criss Angel, famoso ilusionista, usasse meia arrastão eu usaria também”. Fernanda diz haver tentado entrar em contato com mágicos homens e não foi acolhida. “A maioria me ignorava. Houve, inclusive, um mágico estrangeiro que aproximou-se de mim com segundas intenções”, desabafa. Hoje, ela encontrou acolhimento num grupo de mágicos em um aplicativo de mensagens no qual é a única menina. Opina ela que um mecanismo que pode inserir mais mulheres no segmento seria elas “aparecerem nos programas, divulgarem mesmo os shows. A divulgação pode mudar esse panorama”.
Outro que também corre atrás do sonho da mágica é Rômulo Muzy. O ator concilia a carreira com a de gari da Companhia de Limpeza Urbana do Rio (COMLURB). Conta-nos ele que no início de seu trabalho como ilusionista, ainda era militar do exército e gastava considerável parte do seu salário comprando itens de mágica. “Eu não tinha muito dinheiro para investir nisso, trabalhava mais lançando mão de aparelhos simples como moedas, elástico baralho, coisas do cotidiano ou do próprio espectador”. Como era algo dispendioso, seus familiares viam o exercício da profissão como uma brincadeira e não com algo que devesse ser levado a sério. Muzy trabalha para a COMLURB no bairro de Irajá, Zona Norte do Rio. Mora em Campo Grande, na Zona Oeste, e costuma apresentar-se na Zona Sul ou no Centro. São grandes as distâncias, e o artista agenda seus trabalhos como mágico de acordo com os seus plantões como gari. “Mas meu foco é a arte. E quero viver só disso no futuro. Por enquanto trabalho como o Batman: Ele é o Bruce Wayne de manhã e o Batman à noite. Eu, de manhã sou gari, de noite mágico”, diz ele, que também alia mágica ao humor.
Para falar dos mágicos – Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) diz que magia “…É onde a realidade efêmera floresce num mistério perpétuo”. Diante de tanto mistério, e tanta coisa a ser descoberta e caminhos a serem percorridos, a sedução da magia permanecerá eterna e imutável, não no truque, como dizem os mais céticos, mas no encanto da ilusão.
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