Fúlvio Stefanini, de ‘Chocolate com Pimenta’, diz não ver mais novelas e está em peça que aborda a velhice


Em cartaz com “O Pai”, Fúlvio Stefanini debate os conflitos da maturidade na peça de Florian Zeller dirigida por seu filho Léo Stefanini. Veterano relembra sua participação em “Chocolate com Pimenta”, atualmente em reprise na faixa de “Edições Especiais” e sua parceria com Walcyr Carrasco. Também rememora trabalhos com Walter Avancini, como Gabriela (1975). Fúlvio diz não ver as novelas contemporâneas: “Não tenho interesse. Nessa nova leva de atores e atrizes, tem gente com possibilidade de acontecer na careira, mas são poucas”.

*por Vítor Antunes

São 68 anos de carreira, mais de 30 novelas em quase todas as emissoras brasileiras, além de um infindável número de peças de teatro. Esta é a carreira de Fúlvio Stefanini, que optou por celebrar os quase 70 anos de profissão com a montagem teatral “O Pai“, em São Paulo. Dirigida pelo filho do ator, Léo Stefanini, a peça aborda os desafios da maturidade e a chegada no Alzheimer. Sob a perspectiva de Fúlvio, trata-se de “um personagem fantástico, um achado para um ator da minha idade. E também porque fala sobre os problemas inerentes a uma pessoa contemporânea”. Além disto, o ator comemora por estar fazendo um papel protagonista. Algo que não é tão frequente assim. “Esses personagens mais idosos são raros. A dramaturgia privilegia, e com todos os motivos do mundo, uma faixa de idade onde os conflitos surgem com mais facilidade: entre os 30 e 55 anos”.

Atualmente no ar com o fenômeno “Chocolate com Pimenta“, em exibição na faixa de Edições Especiais, Stefanini diz gostar muito do resultado da obra atualmente em quinta exibição: “Walcyr Carrasco foi muito feliz no texto. Era engraçado, romântico, nostálgico. O prefeito Vivaldo, meu personagem, era um canalha simpático”. Sobre a longeva parceria com o autor, comenta que ambos fizeram “trabalhos interessantes e outros que não foram lá essas coisas”. A parceria deles foi encerrada com “Amor à Vida” (2012). Stefanini e outros atores reclamaram da atração.

O ator também trabalhou com Walter Avancini (1935-2001) e com ele fez trabalhos imorredouros, como “Gabriela” (1975). Dentre tantas, o ator falou sobre um trabalho que fizeram e que não teve boa recepção, “Brasileiras e Brasileiros“, esquecida trama do SBT, exibida em 1990. “A novela ficou sem rumo e desinteressou o espectador. Era uma proposta ousada que não deu certo”, pontua.

Sobre a televisão atual, Stefanini diz que não tem uma visão muito precisa do que está acontecendo: “Acho que as coisas mudaram muito, da água pro vinho. A TV apresenta novelas e eu não vejo. Não me causam interesse. Nessa nova leva de atores e atrizes, tem gente com possibilidade de acontecer na careira, mas são poucas. O teatro também sofreu muito com as Leis de Incentivo, que precisam ser refeitas. As leis não levam gente ao teatro, ao contrário, espantam, e os políticos não sabem o que fazer e nem o que é arte nesse país. É um absurdo grande você ficar lutando contra algo que a própria conduta da política cultural é falha, equivocada. A lei da meia entrada é um absurdo, as contrapartidas também. Nesse país tudo o que se relaciona à cultura é um absurdo”.

É muito complicado fazer arte neste país, mas como gostamos, fazemos e levando tapa de todo lado, mas seguindo em frente – Fúlvio Stefanini

Fúlvio Stefanini está nos palcos com “O Pai” e em reprise de “Chocolate com Pimenta” (Foto: Fábio Rabelo)

SOBRE ENVELHECER

Fúlvio Stefanini tem 83 anos e quase 70 de carreira. Os números volumosos o impressionam. “Quando olho para trás me impressiono com a quantidade de trabalhos que fiz nesta trajetória e como deu tempo de fazer tanta coisa. A gente vai atuando e contabilizando. O currículo vai aumentando e ficamos impressionados com tudo o que foi construído. Com a idade que tenho, sinto-me muito orgulhoso do que fiz. Dou uma importância brutal para isto, para a minha construção e realização como ator”, reconhece.

Já me questionei se havia valido a pena ou não a minha carreira, e, às vezes, o questionamento vem forte, especialmente quando nos chateamos com alguma questão. Mas o tempo me ensinou que, sim, valeu a pena. Era a minha paixão. Não saberia fazer outra coisa. Quando fazemos o que gostamos, quando nos realizamos, ficamos mais felizes. Eu me sinto muito gratificado com o que fiz e com o reconhecimento das pessoas. Valeu muito a pena – Fúlvio Stefanini.

Stefanini diz lidar bem com a questão da idade, porém dentro de um limite razoável. “O tempo é implacável. Mas eu sou muito bem-humorado, eu estou de bem com a vida. Sinto pena de envelhecer. Gosto das coisas boa da vida, da família, da minha netinha, meus amigos. Estes são parte importante de mim. Eu também amo arte, música… Me alimentam. Mas tem uma hora que a gente sabe que vai acabar tudo. É é a ordem natural da vida”, filosofa.

Em “O Pai“, Fúlvio é dirigido por Léo Stefanini. “Ser dirigido pelo meu filho é uma experiência boa, mas a gente sabe separar as coisas. Conseguimos criar um distanciamento. No palco é o ator e o diretor. Fizemos questão de manter dessa forma para não haver envolvimento emocional, mas profissionalmente conseguimos fazer isso e foi bom o resultado”.

Fúlvio Stefanini em cena de “O Pai”. Debate sobre o Alzheimer (Foto: João Caldas Filho)

Na peça, Fúlvio interpreta um homem idoso e é ele o condutor da montagem. “É o protagonista absoluto e quem conduz a trama. Esse conflito é gerado através do seu comportamento. É um personagem fantástico, um achado para um ator da minha idade e que fala dos problemas das pessoas desta faixa etária. Trata-se de um cara cujo processo de Alzheimer avança gradativamente e ele se torna cada vez mais atingido por isso. As pessoas se identificam, se reconhecem. A peça é leve, dramática sem ser pesada e tem um humor muito interessante. Eu fico comovido com esse homem, pessoa que não tem muito horizonte pela frente”, afirma Stefanini, que foi contemplado com o Prêmio Shell em razão do personagem.

Um protagonista idoso é algo que é raro no teatro e ainda mais infrequente na televisão. “Personagens mais velhos são pouco comuns. A dramaturgia privilegia, e com todos os motivos do mundo, uma faixa de idade onde os conflitos surgem com mais facilidade ou mais frequentemente, ou seja, aquela faixa entre os 30 e 55 anos. É nessa fase que as pessoas se realizam e de alguma forma constroem sua família, sua forma de ver a vida. Depois dessa idade, como idoso, os conflitos ficaram para trás e já foram resolvidos. De modo que, na televisão, especialmente, encontram-se presentes para compor o elenco: São pai de Fulana, tio de Sicrana, avô de Beltrana, personagens periféricos ou secundários”.

Historicamente foram poucas as ocasiões onde idosos protagonizaram tramas. Uma delas foi “Vitória Bonelli” (1972), da Tupi, cuja personagem título foi vivida por Berta Zemel (1934-2021). Outra, “Hipertensão” (1987), trazia os maduros Cláudio Cavalcanti (1940 – 2013), Paulo Gracindo (1911-1995) e Ary Fontoura encabeçando o elenco. Recentemente, Passione (2011) trouxe Fernanda Montenegro e Tony Ramos como principais.

Vítória Bonelli (Berta Zemmel) era a protagonista da novela homônima. Uma das poucas ocasiões onde um idoso foi o condutor na narrativa. (Foto: Reprodução/Revista Amiga)

GRANDES TRABALHOS

Atualmente, o ator pode ser visto na reprise de “Chocolate com Pimenta“, novela que está sendo exibida pela quinta vez e que exemplifica a prolífica parceria de Stefanini e Walcyr Carrasco. “‘Chocolate’ é um fenômeno. Sempre que há uma reprise dessa novela, faz muito sucesso. As pessoas comentam muito. E deu tudo certo ali. Jorge Fernando (1955 – 2019) sabia conduzir bem a novela. Houve uma reconstituição de época muito detalhada, figurinos maravilhosos, cenários fantásticos. Walcyr foi  muito feliz no texto. Era engraçado, romântico, nostálgico. Eu me divertia muito com o prefeito, um canalha simpático. Em “Alma Gêmea” eu fazia o dono de uma pensão, que quebrava a cama em toda vez que ia relacionar-se com a sua esposa, Divina (Neusa Maria Faro). Com ele, ganhei o APCA de melhor ator do ano”. A última experiência de ambos em parceria foi em “Amor à Vida“, trama da qual o artista reclamou, em 2014,  durante o programa “Todo Seu”, de Ronnie Von, na TV Gazeta/SP. Disse estar fazendo “figuração de luxo”.

Com Walcyr fiz trabalhos interessantes e outros que não foram lá essas coisas, mas foram bons trabalhos – Fúlvio Stefanini

Outro parceiro de longa data é o, já falecido, Walter Avancini. Ambos fizeram muitos trabalhos juntos. “Quando nós fizemos a nossa primeira novela ele era ator e um dia me disse que sonhava em dirigir. Combinamos que onde eu estivesse falaria que ele queria dirigir e que eu gostaria de atuar. A coisa deu certo. Trabalhamos muito juntos. Eu fui o ator favorito dele, ainda que fosse ele uma pessoa difícil. Havia entre nós um lado de guerra total, a gente brigava feito cão e gato. O estúdio ficava pequeno e tudo voltava ao zero no dia seguinte. Parecia que não havíamos brigado”. Sobre o amigo, acredita que ele tenha sido “o grande nome entre os diretores de TV. Ele chegava às raias da genialidade”.

Dentre tantos sucessos dos dois, ambos estiveram numa novela não tão venturosa: “Brasileiras e Brasileiros“, do SBT. Uma novela que objetivava reaquecer o núcleo de dramaturgia da emissora e possuía grandes nomes, como Lucélia Santos, Edson Celulari e Ney Latorraca. A novela, que falava sobre a vida suburbana e mulheres que queriam tornar-se lutadoras de vale-tudo – algo próximo ao atual MMA – não vingou. “Era uma ideia interessante, mas um assunto do qual o brasileiro não tinha a menor familiaridade naquela época, que era a luta livre de mulheres além de falar das coisas do submundo, do bas-fond. E a trama não tinha muitos núcleos, ou conflitos diferentes, que no fim convergissem. A novela ficou sem rumo e desinteressou o espectador. Era uma proposta ousada que não deu certo.

Fúlvio Stefanini e Edson Celulari em “Brasileiras e Brasileiras”, esquecida novela do SBT (Foto: Reprodução/SBT)

Diante de uma grande trajetória, perguntamos do que Fúlvio sente saudade? “Eu sou saudosista. Sinto falta dos anos 1960 e 1970. Muitos movimentos culturais, Cinema Novo, Nouvelle Vague, Neorrelismo Italiano…. Tantos cantores maravilhosos, atores, uma época muito produtiva e rica de acontecimentos culturais tenho saudade disso. A música brasileira de hoje é triste, não é boa a meu ver. Mas é isso. É a vida continuando, acontecendo de acordo com a maré”, frisa.