Flávia Reis reedita solo de humor no teatro e diz: “Ainda sou desacreditada muitas vezes por ser mulher”


Escalada para a novela das 21h de Glória Perez, a atriz – vencedora do reality ‘LOL: se rir, já era!’, no Amazon Prime Video – atua em ‘Neurótica’, que ganha duas apresentações nos dias 2 e 3 de julho no Teatro XP Investimentos, na Gávea, com roteiro criado em parceria com Henrique Tavares e dirigido por Marcio Trigo. Ela se divide entre 10 mulheres, colocando uma lente de aumento nas figuras tidas como neuróticas em nosso dia a dia. Flávia fala sobre o ofício de fazer rir em tempos duros, e sobre o tema do espetáculo, mais atual que nunca. “É um texto que fala sobre a associação da figura da mulher ao descontrole, à loucura, ao ataque de nervos, de maneira rotineira e preconceituosa em nossa sociedade machista.  Me parece que o tema ganhou ainda mais relevância nos dias atuais, em que o feminismo vem crescendo e tem se tornado tema de amplo e constante debate”

*Por Brunna Condini

O riso, comprovadamente, faz bem para a saúde física e mental, mas para além disso, o humor também é ferramenta de reflexão. E Flávia Reis vem há anos com seu solo ‘Neurótica‘ – que ganha duas apresentações nos dias 2 e 3 de julho no Teatro XP Investimentos, na Gávea -, chamando atenção, através das suas personagens, para o tanto que tentam julgar, interromper ou descredibilizar as mulheres através do adjetivos que lhe atribuem, como o próprio, ‘neurótica’. “É um texto que fala sobre a associação da figura da mulher ao descontrole, à loucura, ao ataque de nervos, de maneira rotineira e preconceituosa em nossa sociedade machista. Me parece que o tema ganhou ainda mais relevância nos dias atuais, em que o feminismo vem crescendo e tem se tornado tema de amplo e constante debate”, analisa ela que também estará na próxima novela das 21h, ‘Travessia‘, de Gloria Perez.

“Levo para o palco 10 mulheres que geram imediata identificação na plateia, feminina e masculina. A plateia ri de seus dramas, de suas dificuldades em lidar com determinada situação conflituosa, da opressão por viver em uma sociedade onde o tempo para a vida significa o tempo de produzir dinheiro. A partir dessa identificação, quando o público está relaxado e se divertindo, o texto questiona: “o que é uma mulher neurótica? Isso é coisa de mulher?”. Eu gosto de pensar o humor como uma ferramenta que abre portas para que possamos falar de temas delicados e preciosos, com uma escuta mais atenta”, completa Flávia.

A atriz e comediante Flávia Reis em 'Neurotica', que ganha duas apresentações nos dias 2 e 3 de julho no Teatro XP Investimentos, na Gávea (Foto: Daniel Chiacos)

A atriz e comediante Flávia Reis em ‘Neurotica’, que ganha duas apresentações nos dias 2 e 3 de julho no Teatro XP Investimentos, na Gávea (Foto: Daniel Chiacos)

Aos 47 anos, e com quase 30 anos de trajetória fazendo o público se divertir, a atriz reconhece que infelizmente as falas e atitudes que desvalorizam as mulheres ecoam até os dias de hoje, colocando em xeque inclusive seu reconhecimento profissional. “Ainda sou desacreditada muitas vezes por ser mulher. A diferença é que hoje em dia eu falo sobre isso com quem está me diminuindo ou me colocando de escanteio em uma decisão ou me desautorizando. Porque isso acontece com frequência no dia a dia de uma mulher. Acho que o pior lugar que eu poderia estar como humorista e atriz seria fazendo escada para piadas masculinas, mas nas raras vezes que passei por isso, dispensei o trabalho, não levei adiante”, divide.

"Escancaro minhas fragilidades, minha resposta imediata às pressões sociais para provocar o riso" (Foto: Daniel Chiacos)

“Escancaro minhas fragilidades, minha resposta imediata às pressões sociais para provocar o riso” (Foto: Daniel Chiacos)

Segundo especialistas, na psicanálise, as neuroses são entendidas como distúrbios da afetividade que fazem com que os indivíduos experimentem sentimentos e reações motoras incomuns e, em alguns casos — incontroláveis —, mas sem deixar de manter a noção e juízo de realidade. Há diversos tipos de neuroses que podem afetar uma pessoa, e elas geralmente causam quadros de apreensão e angústia. Há quem diga, que na atualidade todos têm alguma. “Quem não tem neurose tem que checar se o pulso ainda tá batendo (risos). Todas as personagens da peça carregam minhas neuroses, porém de maneira aumentada. Levo para o palco o medo excessivo de ficar só, a visão de que tudo sempre pode piorar, a prepotência de achar que podemos fazer tudo e mais um pouco e nada irá nos derrubar, a vida ditada pelo julgamento do outro. Escancaro minhas fragilidades, minha resposta imediata às pressões sociais para provocar o riso”.

A humorista em cena do espetáculo: "As mulheres ainda vão para a 'fogueira' por muitas razões. Se eu fizer essa lista com mais tempo, talvez escreva “Neurótica 2”!" (Foto: Daniel Chiacos)

A humorista em cena do espetáculo: “As mulheres ainda vão para a ‘fogueira’ por muitas razões. Se eu fizer essa lista com mais tempo, talvez escreva “Neurótica 2”!” (Foto: Daniel Chiacos)

Mulheres ainda vão para ‘fogueira’ em que situações hoje? “Quando discordam de um grupo de homens e estão com a razão, quando deixam a filha com outra pessoa e vão se divertir, quando não amamentam por opção, quando saem do trabalho e não vão direto para casa, quando deixam a casa bagunçada e louça na pia, quando chegam aos 40 e ainda não tiveram filho, quando optam por interromper uma gestação. Se eu fizer essa lista com mais tempo, talvez escreva “Neurótica 2”!”, constata a humorista.

O humor em tempos duros

Rir é das coisas que ela mais gosta de fazer e de causar. A comediante vencedora do reality ‘LOL: se rir, já era!’, no Amazon Prime Video, integrou por cinco anos o elenco do ‘Zorra’, da TV Globo, e fala do momento. “Vou fazer uma circulação com o espetáculo por algumas capitais: voltar à São Paulo, ir para Brasília, Vitória, Curitiba e Belo Horizonte. Sou do teatro e gosto de estar no palco, mas meu momento de trabalho na TV está bastante intenso. Estou terminando de gravar a série ‘Sem Filtro‘, para Netflix, gravarei uma série para o Amazon Prime Video, e depois ingresso na novela ‘Travessia‘, de Gloria Perez. Nas brechas das gravações estou tentando encaixar as apresentações de ‘Neurótica‘, a co-direção de uma peça infantil que estreia em agosto e as leituras de um novo trabalho para o palco. É muito! Eu gosto de estar em movimento, mexendo nas minhas ‘neuroses’, que nada mais são do que material humano, eu mesma, existindo”.

E comenta sobre o ofício do humor em tempos tão turbulentos e de crise geral: está mais difícil? “Não acredito que esteja mais difícil fazer rir hoje. Após a pandemia me sinto desafiada a encarar certas situações e rir para superá-las, para seguir em frente, para me sentir esperançosa e viva. O riso é fundamental nesse lugar da resistência, como disse Paulo Gustavo, e é uma referência de saúde para uma sociedade. Eu atuei durante mais de 10 anos como palhaça em enfermarias pediátricas. Entre a vida e a morte, na dor e na tristeza, ainda rimos e nos conectamos com nossa força mais primordial. Sentimos prazer e nos salvamos. O riso sempre nos lembra dessa força em nós e por isso não abrimos mão dele. Não abrimos mão dos ‘memes’, do teatro, das comédias na TV, das piadas, das gargalhadas. Apesar de tudo e com tudo ainda rimos. Por isso seguimos”, reflete.

"O riso sempre nos lembra dessa força em nós e por isso não abrimos mão dele" (Foto: Daniel Chiacos)

“O riso sempre nos lembra dessa força em nós e por isso não abrimos mão dele” (Foto: Daniel Chiacos)

No humor pode tudo? “Pode tudo quando estamos rindo junto, quando convidamos a outra pessoa a rir. Preciso me misturar com a plateia, chegar junto das suas questões e fragilidades, ser parceira para falar besteiras e fazer rir. Isso pode muito. Não pode rir de alguém que tá de fora do riso, excluído, sendo o motivo do riso para muitos, sentindo-se diminuído. Isso não pode”, frisa.

Para quem tem dificuldade de rir de si mesmo, que dicas daria? Os ‘ridículos’ são mais felizes? “Rir de si é um excelente exercício para relaxar com as questões que nos deixam tensos e tensas no dia a dia. Sou uma pessoa bastante séria e comprometida com tudo que escolho fazer, e muitas vezes isso pode se transformar em um peso para lidar com a rotina. Sinto no corpo esse peso. É só me olhar no espelho e ver a testa franzida, a boca tensa, o olhar apertado. Um riso de canto de boca de frente para um espelho já revela como estou sendo ridícula, achando que todos os problemas ou soluções do mundo são de minha responsabilidade. Olho minha fragilidade imensa e eu ridícula tentando controlar o mundo! Preciso rir de mim, se não sucumbo. Isso me torna mais feliz, sem dúvida”.

Flavia Reis no teatro, um dos lugares que mais ama estar: "Preciso rir de mim, se não sucumbo. Isso me torna mais feliz, sem dúvida" (Reprodução/Instagram)

Flavia Reis no teatro, um dos lugares que mais ama estar: “Preciso rir de mim, se não sucumbo. Isso me torna mais feliz, sem dúvida” (Reprodução/Instagram)