Ser a única mulher em cena em meio ao elenco masculino da peça “Céus”, dirigida por Aderbal Freire-Filho, fez com que Silvia Buarque se destacasse ainda mais com a atuação intensa e visceral na pele da controversa e sofrida Dolorosa. Afastada das novelas desde que interpretou a professora Berenice, em “Caminho das Índias” (2009), a artista vem se dedicando a trabalhos expressivos tanto no cinema quanto no teatro e agora brilha no elenco da montagem brasileira da obra do libanês Wajdi Mouawad. Ao lado de Felipe de Carolis, que também assina a produção da montagem, Rodrigo Pandolfo, Isaac Bernat e Charles Fricks a atriz conta a história de um grupo de profissionais da inteligência do esquadrão antiterrorismo que tenta impedir uma catástrofe em oito cidades do globo terrestre. Em paralelo à missão, ela ainda é obrigada a conviver com os fantasmas do passado que insistem em atormentá-la.
Em entrevista exclusiva ao HT, Silvia falou um pouco sobre a nova produção, além de comentar assuntos como política, violência, feminismo e sobre sua talentosa família. Vem, que a gente te conta tudo o que rolou nesse papo. Sobre “Céus”, ela foi categórica. “Eu acho que é um texto que vai muito na contramão de tudo o que está sendo feito. Geralmente quando eu sou convidada para um trabalho eu busco observar a equipe, mas principalmente os conflitos da personagem. Quando fiz a primeira leitura e descobri que minha personagem se chamaria Dolorosa, ali já fiquei impactada por ela. Pra você ter uma ideia, eu mudei de casa e me lembro das emoções que eu senti na minha antiga residência. A Dolorosa tem uma questão dramática e muito forte com a maternidade. Então, são aqueles personagens que te pegam na primeira leitura. A Dolorosa é uma das personagens mais intrigantes que tive na minha vida. Com tanta densidade e tantas nuances”, comemorou ela.
O talento de Silvia vem de berço. Filha de Marieta Severo e Chico Buarque, ela comemora 30 anos de carreira imersa em um currículo invejável. Seu primeiro trabalho na TV foi em “Dona Beija”, em 1986, e de lá para cá participou de grandes produções como “Bebê a Bordo”, “Perigosas Peruas”, “Xica da Silva”, “América” até uma brilhante atuação no filme “Gonzaga – de Pai para Filho”, que lhe rendeu o prêmio Fieso/Sesi de Melhor Atriz Coadjuvante, em 2012. Apesar disso, sua grande paixão ainda continua sendo o teatro. “Eu sou uma atriz autônoma, não sou uma produtora. Por isso tenho muito cuidado com minhas escolhas teatrais. O teatro é paixão. Ninguém ganha dinheiro fazendo teatro. São 30 anos de carreira, então hoje, olhando para trás, eu vejo que o legal mesmo são as escolhas. E, com certeza, essa é mais uma das minhas boas escolhas. Talvez uma das mais sofisticadas”, disse ela, referindo-se a “Céus”.
Na peça, Dolorosa é uma mulher que se junta a um grupo do esquadrão antiterrorismo para decifrar enigmas criptográficos que possam se tornar futuramente um perigoso ataque terrorista. Em paralelo, ela vive seus próprios conflitos internos, já que no passado foi a assassina do marido e das próprias filhas durante um surto psicótico. Apesar de amargurar essas perdas, por ironia do destino, ela se vê grávida no meio desse quadro adverso. “Ela é uma mulher forte, mas que teve um certo deslize de caráter em algum momento específico da sua vida, mas tenta de alguma forma salvar o mundo de ataques terroristas”, avaliou ela, que ainda fez um paralelo do terrorismo com a violência que atinge o nosso país. “Dá pra fazer um contraponto com o que a gente vive aqui no Brasil. Porque nessa peça a gente não fala de islamismo. É bem mais abrangente e até mais doloroso. É a crise de uma juventude que vinga a própria juventude. É muito denso e muito profundo, mas, claro, que é uma ficção, que surgiu em um momento raro: primeiro que a gente passa por um momento violento politicamente tanto do Brasil, como no mundo. E em segundo também porque rolou todo essa temática aqui no nosso território com a chegada das Olimpíadas Rio 2016”, apontou.
E falando sobre os jogos, Silvia revelou ao HT que também ficou bastante preocupada com o burburinho de que o país poderia ser atingido por grupos terroristas durante as competições. “Eu tenho uma filha que vai fazer 11 anos e faz ginástica olímpica – modéstia à parte ela é uma boa ginasta. Tínhamos comprado ingresso e nesse meio tempo aconteceram os atentados em Nice. Na mesma hora eu lembrei dos jogos. É claro que nesse foco específico foi um exagero, a gente sabe. Mas graças a Deus a gente passou ileso a isso. Mas esse terrorismo mundial islâmico e os tais dos homens bombas não chegaram aqui, o que não quer dizer que não tenham chegado coisas correspondentes aqui”, disse ela, avaliando a situação sócio-política do nosso país. “Para mim, uma manifestação em São Paulo, com a polícia do Alckmin, prendendo menores de idade, para mim é um correspondente de terrorismo. Claro que a quantidade de mortos e inocentes me toca e não são comparáveis. Eu sei a diferença entre elas, mas de qualquer jeito a gente tem que ficar atento”, ponderou.
Engajada politicamente, além de desprezar a violência contra manifestantes de rua, a atriz não apoiou o quadro do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. “A gente teve um golpe. Claro que a presidenta errou em coisas administrativas, mas ela não roubou. E no quadro político que a gente tem, a única pessoa que não tem as contas sujas foi a que mais pagou o preço. Eu pessoalmente sou uma pessoa criada em uma escola progressista, então eu aprendi a admirar e a valorizar as causas sociais e a diminuição da miséria. Por isso sou muito favorável aos governos do PT. Mas na verdade eu não sou uma petista, até porque nos meus últimos votos eu votei muito mais no PSol do que no PT. Eu sou uma crítica ao governo do PT também. Na verdade eu sou Lulista. Eu acho ele é um grande cara. Eu acho que todos precisam ser punidos. Mas essa história vai começar na cozinha? E as contas da Suíça?”, questionou a atriz.
E como não poderia ser diferente, as críticas dos mais conservadores aos governos do PT têm caído também no colo de Chico Buarque, pai da artista. Apesar de estar acostumada com o fato, ela garantiu ser uma verdadeira fã do compositor carioca. “Eu estou acostumada. Eu admiro muito o meu pai. Ele é forte e tem noção das críticas que podem vir e que vêm desde sempre. Enfim, ele não mora em Paris como as pessoas ficam dizendo por aí. É um orgulho ser filha do Chico. O meu avô foi fundador do PT, então não é só o meu pai: é a minha mãe, a minha tia, o Aderbal, o meu marido, Chico Diaz… eu estou cercada de pessoas que pensam como eu. E está faltando um equilíbrio. Por isso eu vejo um ódio muito maior anti-petista do que em quem acredita em alguma coisa. Existe uma grande diferença em acreditar em alguma coisa e detonar alguma coisa”, ponderou ela.
Cercada também de mulheres em sua família, a atriz se disse uma grande simpatizante do movimento feminista desde que era adolescente. Com uma filha pequena e uma sobrinha, ela tem acompanhado de perto a evolução dessa nova geração de mulheres. “A minha relação com o feminismo começou nos anos 80, entre 85 e 86, lá pelos meus 15 anos, lendo Simone de Beauvoir. Eu sempre fui muito crítica a esse pensamento careta de que o feminismo era coisa de mulher feia, recalcada e que não tinha homem. Minha geração teve um lucro real e social sobre esse feminismo. Hoje, eu falo com muito felicidade que eu levo esporro da minha sobrinha de 17 anos, porque existe um novo feminismo que eu respeito muito sobre essa questão de gênero. Porque ainda é mais complicado. É péssimo ligar a televisão e ver mulheres sendo usadas como objetos ou quando citadas de forma pejorativa. A gente está muito atrasado nesse aspecto, mas seguimos na luta”, completou.
Serviço: Teatro Poeira – Rua São João Batista, 104, Botafogo. Quinta a sábado, 21h; domingo, 19h. R$ 80,00. Bilheteria: 15h/21h (ter. e qua.); a partir das 15h (qui. a dom.). Até 31 de outubro
Artigos relacionados