Noventa e dois anos de vida, óculos escuros e uma Coca-Cola sem gelo à frente. Assim estava Bibi Ferreira em nosso último encontro, quando ela ainda apresentava o show “Bibi Histórias & Canções” junto de uma Orquestra Sinfônica e entoava sucessos como os de Edith Piaf. À época, Bibi interrompeu a conversa quando era chamada de “senhora”. Queria ser “você” e, sempre que recebia um tratamento diferente, corrigia. Era o combinado. Nostálgica e de um gênio crítico invejável, ela relembrou o dia no qual as freiras do Colégio Sion a expulsaram por ser filha de artistas, e revelou a imagem que sabe que o povo tem dela: “já me esperam como um bicho de sete cabeças”.
Um ano se passou e Bibi Ferreira continua – como não era de se esperar diferente – adepta da Coca-Cola e querendo ser chamada de “você”. Agora, ela vai cantar o repertório de Frank Sinatra às quintas, sábados e domingos no Theatro Net Rio. A única mudança aliás, já que seu lado crítico continua aguçado. Em entrevista ao HT, a dama do teatro não economiza sinceridade ao revelar que o novo show era uma cobrança do seu empresário, e que a novela “Babilônia” mostrou um beijo gay na hora errada, da forma errada. Ela não pensa em se aposentar, e não tem medo de perder a voz. Mesmo após nove décadas de vida. Bibi diz ter muita preguiça durante seu dia-a-dia, já que “não há o que melhore com a idade”. O que é um equívoco, lógico. Era só ela olhar para o espelho e ver que é a prova viva para derrubar sua própria tese. Mas é melhor deixar assim.
HT: Por que cantar Sinatra?
BF: Porque meu empresário me cobrava um show em inglês há muito tempo. E depois de cantar Piaf, Amalia e [Carlos] Gardel, foi natural, ao falar em inglês, pensar no Sinatra.
HT: É a primeira mulher a interpretar músicas dele profissionalmente em um espetáculo. Bater metas aos 92 anos não é para qualquer uma. Já pensou em aposentadoria em algum momento?
BF: Não. Parar nunca. Trabalho porque gosto, porque tenho prazer em me apresentar, mas também porque vivo do meu trabalho.
HT: Você não gosta que a chamem de senhora. O que melhora com a idade?
BF: Não é que não goste, não faço questão. Eu sou Bibi, simples assim. Para todo mundo, Bibi. E não há o que melhore com a idade, tudo piora, mas ser inteligente é saber como lidar com isso. Meu pai dizia: “a juventude é passageira e a velhice, definitiva”.
HT: Para a voz, você costumava beber Coca-Cola. Continua com o ritual?
BF: Eu não tomo Coca-Cola para a voz. Eu tomo porque eu gosto. E sem gelo, porque bebidas geladas velam a garganta. Para a voz, eu tomo café com manteiga, antes de entrar em cena, para lubrificar. Como o Caruso fazia (ri).
HT: O que seria de Bibi Ferreira ao acordar um dia sem conseguir falar?
BF: Se acordar assim, trata. Toma remédio. Mas não é o meu caso. Você já ouviu falar que meu espetáculo foi suspenso porque estava sem voz? Minha coluna me trai mais que minha garganta. Mesmo assim não existe a palavra suspender. Isso só em casos extremos. Extremos mesmo.
HT: Quando ser filha de Procópio Ferreira foi uma dor de cabeça, no que se refere a comparações e cobranças?
BS: Ser filha de Procópio Ferreira sempre foi um grande privilégio. Papai não foi, ele é um dos artistas mais importantes do seu tempo, talvez o maior. Tive problemas em ser filha de artista, mesmo assim foi no colégio de freiras. Para a época dá para entender. Hoje dariam bolsa de estudos.
HT: É, você foi impedida de estudar no Colégio Sion por ser filha de atores. Como foi isso na época? Hoje, ator é visto com status de estrela. Por que acha que aconteceu essa mudança?
BF: Na época foi notícia de jornal. Mas, penso eu, que isso se deu porque todo artista tem um ar de revolucionário em si. E a aproximação assustava. A liberdade de pensamento assusta. Hoje a sociedade mudou e ser artista já é visto com menos medo. Mas os artistas sempre quebraram barreiras, sempre irão contra os preconceitos. Trabalhar com arte significa, antes de tudo, trabalhar com a liberdade.
HT: A novela “Babilônia”, da Rede Globo, teve de mudar o roteiro pela reação dos espectadores a muitas polêmicas como um beijo gay dado por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. Acha que ainda somos muito preconceituosos, retrógrados?
BF: Não acho retrógrado. Acho que existem momentos e momentos. E talvez querer tratar dessa questão em plena novela das 21h, momento que a família esta reunida, assistindo junto, não seja a melhor oportunidade. Talvez em uma novela das 23h o público receberia de outra forma. Penso que essa nova novela, “Verdades Secretas”, tocará em tabus também.
HT: As novelas deveriam passar essas mensagens de cunho social? Mostrar o novo, quebrar os tabus? Como você vê a dramaturgia nacional atualmente?
BF: Acho as novelas no Brasil excelentes. Estão entre as melhores do mundo, principalmente quando se fala em Rede Globo. Não só pela qualidade do entretenimento, mas pelos grandes profissionais que trabalham. Sejam autores, diretores e, claro, os artistas. A oportunidade de ver Fernanda [Montenegro], [Antonio] Fagundes, Tony Ramos, Nathalia [Timberg], enfim, grandes, grandes artistas. E é muito importante o trabalho social que é feito nas novelas. Lembro como exemplo as novelas da minha amiga Glória Perez.
HT: Você já me disse que sempre a esperam “como um bicho de sete cabeças”. Você realmente não se sente esse mito todo? Se não, ao menos imagina o por que dessa impressão nos espectadores?
BF: Quero dizer que as pessoas, por muitas vezes, acham que o artista não é fácil, ou é excêntrico, ou é meio maluquinho, coisas assim. É o caminho inverso da fama. E esperam chegar como se fosse a rainha Faradiba. Aí eu chego e as pessoas percebem que sou muito mais simples do que pensam. Menos é mais, entende? Meu orgulho está no palco. Está no cantar. Sou vaidosa com o resultado do meu trabalho.
HT: E como é um dia tradicional de Bibi Ferreira e o que ainda falta fazer nessa vida?
BF: Dormir muito. Sentir preguiça de fazer as coisas. Ler muito. Estudar meu show. O que ainda falta fazer? Continuar sonhando, querendo as coisas, me emocionando. Viver de forma plena meus dias.
Serviço
“Bibi Ferreira Canta Repertório de Sinatra”
Theatro Net Rio – Sala Tereza Rachel. Rua Siqueira Campos, 143 – Sobreloja – Copacabana.
Ingresso: R$ 150,00 (plateia, frisa) R$ 100 (balcão)
Datas: de 20 de junho a 12 de julho.
Horário: 21h (quinta), 21h30 (sábado) e 20h (domingo).
Classificação: 12 anos.
Duração: 60 Minutos.
Vendas: www.ingressorapido.com.br / consulte os pontos de vendas no site.
Horário de funcionamento da bilheteria: 10h às 22h.
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