Para Maya Maia, há uma “banalização tremenda da violência, das relações, dos valores éticos e morais” em nossa sociedade. E as coisas só pioram com os tempos de redes sociais, que “acabam se tornando um campo fértil para falta de compaixão, abrindo brechas para comportamentos apelativos e desumanos”. Em entrevista exclusiva ao Site HT, a atriz, diretora e produtora, refletiu que “a força do pensamento das pessoas tem se apresentado cada vez mais de forma invasiva, cruel e individualista”.
O motivo da análise? “Talk Radio”, segunda empreitada de Maria como diretora de teatro. Em cartaz no Teatro Solar de Botafogo, no Rio de Janeiro, até 20 de dezembro, com Leonardo Franco e companhia no elenco, a peça conta a história do locutor de rádio Barry Champlain (Franco), que comanda todas as madrugadas o “Night Talk”, programa no qual atende os telefonemas de seus ouvintes solitários e problemáticos. O show trata de assuntos polêmicos, como legalização de drogas e homossexualidade, e Barry não mede as palavras: é sarcástico e agride qualquer um que ligue para o estúdio.
Filha dos célebres diretores globais Wolf Maia e Cininha de Paula, Maria Maya resolveu debutar na direção porque “estava sentindo que era hora de pluralizar as oportunidades”. Comparações? “São sempre bem vindas”, garantiu. Longe das novelas desde 2013, quando interpretou a Alejandra de “Amor à vida”, Maria disse estar “sempre aberta a convites, seja qual for o veículo ou função”. O gosto dela, mesmo, é por trabalho. Nessa entrevista, Maria fala sobre sua pesquisa de linguagem, a dramaturgia carioca e o atual trabalho na ribalta. Ação!
HT: Antes de ler todas as críticas positivas sobre seu trabalho de estreia como diretora, como você estava se sentindo?
MM: Estava sentindo que era hora de pluralizar as oportunidades. Como atriz já vinha me solidificando verticalmente na execução de projetos bem sucedidos dentro da dramaturgia contemporânea carioca, mas como produtora, dependente dos editais e dos programas de fomento à cultura, via a necessidade de aumentar as minhas chances de participação. Quando em “Adorável Garoto” (primeira peça sob sua direção), o próprio autor, convidado para dirigir o projeto, não pôde assumir o cargo, o caminho da direção acabou se dando de forma espontânea. E a sensação de plenitude nesta nova trajetória não se dava somente pelos elogios deferidos pela crítica ao meu trabalho, mas pela percepção que, agregando este novo ofício, eu aumentaria as minhas possibilidades de realização. Venho pesquisando a dramaturgia do polêmico autor norte-americano Nicky Silver, de “Adorável”, há tempos. Gosto da forma corrosiva e ácida que ele vê as relações mundanas e seus arquétipos. Sou fã incondicional dele, tanto que acabo de comprar outro título para dirigir em 2016.
HT: Como chegou a esse texto?
MM: Em “Talk Radio”, do autor Eric Bogosian, escolhi o caminho inverso da primeira peça por ser um projeto onde eu estava sendo convidada. Optei por não ler a versão original e nem ter acesso à versão cinematográfica dirigida por Oliver Stone. Estabeleci um olhar genuíno sobre a obra e isso pode ter sido a chave para desenvolver uma atemporalidade para o texto.
HT: Ouviu comparações com seus pais?
MM: As comparações são sempre bem-vindas. São movimentos e impulsos de continuidade da minha trajetória artística.
HT: Quando ser filha de quem é atrapalhou? E quando ajudou?
MM: Ter uma família tão talentosa, cada uma na sua especificidade, não tem como não ser prazeroso. Tê-los como referência só me estimula a realizar com a mesma dignidade e comprometimento que eles têm com a profissão.
HT: O texto de “Talk Radio” fala do politicamente correto. Acha que vivemos em tempo de caretice?
MM: Eu acho que vivemos tempos onde a força do pensamento das pessoas tem se apresentado cada vez mais de forma invasiva, cruel e individualista. Muitas vezes as redes sociais acabam se tornando um campo fértil para falta de compaixão, abrindo brechas para comportamentos apelativos e desumanos. E “Talk Radio”, apesar de ter sido escrito antes da era digital, percorre um caminho parecido. Temos como protagonista Barry Chaimplain, que é um radialista sarcástico e cáustico, que se aproveita das fragilidades dos seus ouvintes, pessoas estranhas, solitárias e problemáticas, exatamente pelo seu potencial de entretenimento.
HT: O programa do Barry é um campeão de audiência, muito porque, imagino, trata de assuntos polêmicos sem meias-palavras. E não é difícil a gente ligar a TV e se deparar com produções parecidas. A massa gosta da apelação?
MM: O que acontece hoje em dia é um banalização tremenda da violência, das relações, dos valores éticos e morais. Como formadores de opinião, temos o dever de primar pelo bom gosto e pela pertinência dos conceitos, pois tudo o que veiculamos pode virar parâmetro para produções futuras.
HT: Os ouvintes do Barry também não ficam para trás e têm um discurso preconceituoso. A peça é um reflexo da sociedade, então? Qual recado quer passar?
MM: Barry não se mostra solidário ou cúmplice com os infortúnios dos seus ouvintes. Ele manipula as interlocuções, afim de exibir as complexidades humanas como projeção da superficialidade da nossa sociedade.
HT: Você também vive nos bastidores do artístico, da comunicação. O que a história da peça tem de ficção e o que tem de realidade?
MM: A minha encenação se deu com a escolha de transpor cenicamente os ouvintes, que originalmente eram em voz off. Na nossa montagem, os atores revezam personagens de suporte da rádio com os supostos ouvintes. Esta proposta cria uma atmosfera mais ampla que beira o limite tênue entre a realidade a ficção, principalmente quando as convenções teatrais começam sofrer algum tipo de ruptura.
HT: O que sua pesquisa de linguagem sobre a dramaturgia carioca já te mostrou de mais relevante?
MM: O que me revelou é que temos ótimos jovens autores nacionais. Tive o privilégio de produzir alguns deles, como por exemplo Daniela Pereira de Carvalho em “Não existem níveis seguros para o consumo destas substâncias”, Rodrigo Nogueira em “PLAY” e “Obituário Ideal” e Jô Bilac em “POPCORN”. Todos os projetos foram bem sucedidos de crítica, conquistando prêmios e o gosto do público. Para 2016, continuarei este diálogo, agora com o Pedro Kozovski, em “Cena do Crime”.
HT: Por que está longe das novelas de 2013? Escolha própria, falta de tempo ou de convite? Tem vontade de voltar?
MM: Estou sempre aberta à convites, seja qual for o veículo ou função. Gosto mesmo é de estar trabalhando.
Serviço
“Talk Rádio” no Teatro Solar de Botafogo
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