Perrengue é uma palavra clássica e que faz parte do vocabulário da nova geração. Seja nos estudos ou nas relações, as dificuldades sempre aparecem e, a partir daí, podem ser interpretadas como barreiras ou ensinamentos. E é um pouco disso o que “Querida Quitinete” conta no palco do Teatro Grandes Atores, na Barra. Em cartaz até o fim deste mês, o espetáculo narra a dificuldade de três jovens que saem da casa dos pais em busca do sonho da carreira artística. Para dar vida a essa história, Vitor Thiré, Bruno Suzano e João Côrtes foram escalados para viver as experiências de Jorge Wilson, Dalto e Pereco.
Com direção de Moises Bittencourt, o trio tem a missão de contar com humor sobre os perrengues da vida adulta – dos mais diários até os mais sérios, como a falta de dinheiro e a fome. E, para isso, a estratégia vai na contramão da risada. “Existe uma ideia nos bastidores que nós atores precisamos acreditar muito nos dramas dos personagens. Só contando com verdade que essa tragédia vai ser engraçada para quem assiste. O público até ri de maneira mais fácil, mas, para ser divertido para a gente, precisamos falar do drama de maneira séria”, contou João Côrtes.
Afinal, responsabilidade não é algo apenas divertido. Com contas para pagar, comida para fazer e uma quitinete para organizar, os desafios se multiplicam na rotina deste trio sonhador. Mas é aí que o público se identifica e compra a ideia, segundo Vitor Thiré. “Na peça todos os personagens são muito carismáticos e dividem o sonho de seguir uma carreira artística. E aí, no decorrer da peça, as situações que eles passam vão gerando uma identificação no público que acaba comprando a ideia”, disse o ator que no espetáculo interpreta Jorge Wilson. “Ele vem de Volta Redonda sonhando em trabalhar na televisão na capital. Na verdade, ele é bem fissurado nisso. Existe aquela ilusão de que a TV é o destino maior de um ator e a consagração de qualquer carreira. E é isso o que ele vai buscar”, apresentou Vitor, que é bisneto de Tonia Carrero, ícone dos palcos, da TV e cinema, que morreu no começo do mês.
Assim como o personagem de Vitor, o Dalto, vivido por Bruno Suzano, também sonha com a carreira na telinha. Porém, ao contrário dos dois, Pereco, interpretado por João Côrtes, é apaixonado pelos palcos e quer seguir uma carreira dedicada ao teatro. “Ele é bem clássico e gosta de ler os grandes autores do teatro. O Pereco foge dessa ideia de televisão e cinema e diz que quer batalhar pelo palco, quase uma guerrilha do teatro”, contou João que definiu seu personagem como um ponto de calma entre os outros integrantes do trio. “Mas isso dura pouco”, alertou o ator.
Com as dificuldades do dia-a-dia, o trio passa a ter seus valores atacados. “A verdade é que todos eles querem seguir um sonho profissional e passam a ter que viver entre muitas situações para isso. A convivência é algo complicado e delicado. Ao mesmo tempo que amamos nossos amigos, dividir a rotina é difícil e vai desgastando as relações”, comentou João Côrtes.
No entanto, mesmo cientes das dificuldades da vida adulta, os três atores já passaram pela experiência de morar sozinho. João e Vitor, inclusive, possuem seu cantinho e suas responsabilidades há dois anos. “Eu trabalho desde os 14 anos e moro sozinho há dois. Então, eu vivo e entendo bem essa correria do personagem. Em relação às minhas roupas, sou eu que lavo e organizo tudo e, na cozinha, eu improviso”, contou Vitor Thiré que acredita que este é um comportamento da nossa geração. “Hoje em dia os jovens estão tendo cada vez mais acesso à informação e, quem quer sair de casa e se jogar na vida adulta, já tem ideia do que vai encontrar. Então, passa a ser uma escolha se a pessoa vai querer se arriscar em novas responsabilidades ou ficar na barra da saia da mãe até os 40 anos. Eu amo a minha família, mas sentia que precisava dessa independência”, destacou o ator.
Assim como ele, João é outro exemplo de jovem que buscou seu próprio caminho bem cedo. Dedicado às artes desde os 14 anos, ele se identifica em uma tendência moderna por independência. “Eu percebo que essa geração quer sair logo da casa dos pais, buscar a própria carreira e seguir uma vida adulta desde mais cedo. Mesmo se isso também trouxer uma série de dificuldades. Mas, no futuro, eu vejo tudo como um crescimento. Faz parte de um processo”, analisou João Côrtes que também apontou outra faceta desta ansiedade contemporânea. “Eu sempre tive uma pressa por querer fazer logo a minha carreira como ator. Hoje em dia nós temos muitas referências de atores e cantores que muito novos já têm um nome forte e uma carreira bem consolidada. E, claro, com isso tudo o dinheiro também é um ponto importante”, disse.
Há ainda quem associe essa ansiedade a uma postura corajosa. Na opinião de Bruno Suzano, assumir as rédeas da própria vida deve ser um sentimento aflorado na nova geração. “Eu acho que hoje os jovens estão mais corajosos e, se não for isso, gostaria que fosse. Para mim, é assim que tem que ser. Cada um precisa batalhar pelo que quer e se dedicar às responsabilidades. Nada é fácil, muito menos uma carreira de ator, como é na peça. A profissão é muito complicada e instável no nosso país. Aliás, hoje nada mais é estável”, comentou ele que já morou sozinho durante um ano e reconheceu seu amadurecimento depois desta experiência. “Aprendi a ter muito mais responsabilidade e compromisso comigo. Foi um ano de muito aprendizado”, disse.
E, com este texto e toda esta carga de vivência dentro e fora do palco, “Querida Quitinete” vem como uma mensagem para o público da peça. Dedicado aos jovens que ultrapassaram a marca das peças infantis e não se identificam ainda com os textos adultos, o espetáculo preenche uma lacuna interessante do mercado de teatro. “Eu fico muito feliz de fazer peça para jovens porque é uma galera que ficou meio órfã. No cinema, por exemplo, nós estamos com cada vez mais produções para essa idade. Mas, no teatro, não temos opções e isso acaba afastando os jovens dos palcos. Então, é muito legal poder me comunicar com essa galera, que é tão interessada e participativa”, comemorou João Côrtes.
Serviço: Querida Quitinete
De 9 a 31 de Março // Sextas e Sábados às 23h
Teatro dos Grandes Atores (sala vermelha)
Endereço: Av das Américas 3.555
Ingresso R$ 60,00 (inteira) //R$ 30,00 (meia entrada)
Vendas online: divertix.com.br
Vendas pela bilheteria de terça a domingo a partir das 15h (tel: 21 3325-1645)
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