Hamlet é um clássico de William Shakespeare, um dos personagens mais conhecidos da história do teatro e talvez um dos textos mais famosos da literatura ocidental. Por essas e outras, mexer na trama necessita ousadia e coragem. E é o que o Coletivo Irmãos Guimarães e o dramaturgo Emanuel Aragão se propuseram a fazer. A ideia é, com apenas um ator em cena, levar a plateia a uma discussão sobre as motivações do personagem, um herói diferente, já que, ao contrário dos outros, não faz o que tem que ser feito. Para os que não conhecem: Hamlet tem a tarefa de vingar o pai, assassinado pelo tio, mas adia essa vingança e não vai na direção proposta pela trama. Ele é justamente alguém que não faz o que tem que fazer, o que levou muitos críticos a considerá-lo um personagem “maior do que seu criador”. O estudioso inglês Harold Bloom, por exemplo, chegou a dizer, em seu livro “Poema Ilimitado”, que Hamlet é “maior do que Shakespeare e não se conformaria em estar preso àquela obra”.
É soltando Hamlet da obra que o dramaturgo e ator Emanuel Aragão sobe ao palco. “Comecei parceria com Emanuel em 2012 quando montamos a peça ‘Nada’, no Oi Futuro. A partir disso tivemos vários trabalhos juntos, mas ele sempre como dramaturgo. Quando o vi no teatro como ator me veio a ideia de ele fazer Hamlet, porque tem capacidade de atuar e criar a dramaturgia na hora. Criar um modo de estar em cena na hora, reagir a plateia. A ideia veio, mas não clara. Depois de ver o Manu em cena achei muito interessante”, explicou Adriano Guimarães que, ao lado de Emanuel e do irmão Fernando Guimarães, quer aproximar o personagem da plateia.
“É uma conversa com o público, só que permeada por um ator tentando se aproximar dessa figura, que é o Hamlet. Começa com uma conversa em torno do ‘ser ou não ser’. Damos uma nova interpretação a essa frase. Com a tradução, deflagrou-se muita coisa. O ‘ser ou não ser, eis a questão’ tem dois pontos no final. Traduzindo é ‘eis a questão:’, o que vem a seguir. As pessoas não se lembram muito disso. É uma atitude perante a vida. A partir disso e pensando através dessa ótica, muda muito a maneira de ver o Hamlet. O trabalho do Manu é elaborar, na hora ali, ao passar pelas histórias do Hamlet e se colocar no lugar dele. É tentar não montar o Hamlet, mas se aproximar do personagem e passar pelo que ele passa, entender ele a fundo, a trajetória. É uma espécie de conversa tentando dizer os textos e fazer a plateia participar. Por isso, sai diferente todas as noites. É aberto e só faria sentido com um ator que fosse dramaturgo”, explicou Adriano.
E o que o toca mais nessa história? “Já li varias vezes, há muitos anos leio e releio, volto sempre para ele e, mesmo assim, é aquela espécie de texto que cada vez que leio é novo, descubro coisas novas. Como diz Harold Bloom, que chama de ‘poema ilimitado’ e realmente ele tem essa noção de infinito. Como a dramaturgia é mais fechada, consegue mais facilmente chegar nos sentidos. Hamlet é muito potente por conta desse caráter aberto de não conseguir aprender o sentido todo. É uma obra que me motiva muito”, analisou ele, que sempre teve vontade de trabalhar em cima do texto. “Já fiz outra versão que era performática chamada ‘Fotohamlet’, a peça só existia através de imagens. Nunca montei o Hamlet clássico, mas sempre tive vontade de investigar”, contou.
A montagem inusitada já foi apresentada no Festival Cena Contemporânea, em Brasília, e no Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia, além de ter passado por uma temporada no Distrito Federal. Ainda assim, Adriano não sabe definir como foi a recepção do público, já que as plateias sempre foram diferentes. “Posso dizer que foi muito legal. Foram experiências ricas, mas cada dia é um dia e não sei resumir. É muito rico. Conversar efetivamente com a plateia me interessa muito, gosto disso de falar e escutar. A participação é variadíssima, já fizemos para crianças, adolescentes e para uma plateia que nunca tinha ouvido falar de Hamlet. Não tem como prever como vai ser, é da ordem do acontecimento. A recepção é sempre diferente”, analisou.
As parcerias de Adriano, no entanto, também garantem o sucesso: Emanuel é experiente em atualizações de obras clássicas e já adaptou “Romeu e Julieta”, “A gaivota”, de Anton Tchekhov e outros. Já com o irmão, Fernando, há uma sintonia forte. “Nosso processo de trabalho não tem fórmula, mas tem algumas duplas de sucesso na história. Não é dividido, é uma parceria de tantos anos que não sei falar. Mas é bom porque cada um tem olhar diferente, isso acrescenta”, disse, sobre o Coletivo Irmãos Guimarães que existe desde 1989. Em tanto tempo, qual o trabalho preferido? “Não sei. Sempre o último, porque é o que eu penso mais do que tudo”, respondeu. No caso, Hamlet e sua história que perpetuam por séculos…
Serviço:
Hamlet – Processo de revelação
Estreia: 8 de janeiro (sexta-feira), às 20h
Temporada – até 28 de fevereiro, sempre de 5a a domingo, às 19h30.
Centro Cultural Banco do Brasil RJ
Rua Primeiro de Março, 66 – Centro, Rio de Janeiro/RJ
Teatro II
Lotação 156 lugares
Classificação indicativa 14 anos
Entrada: R$ 10 (meia-entrada: R$ 5 (sênior, estudante, cliente BB, cartão Metrô recarregável)
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