*Por Alexei Waichenberg
Quem casa quer casa, já dizia o meu avô. Mas, tem quem não queira casar e, mesmo assim, mergulha na aventura de montar o seu cantinho, o seu pedaço de sossego. Até que isso aconteça, o leitorx vai ter que vencer alguns desafios.
Se antes dessa “noventena” boa parte da galera se contentava com uma cabana ou um buraco na parede, onde pudesse dar uma esticada para o começo da nova jornada e, assim, guardar uma grana para as viagens, trocar de carro (para os mais abastados), um novo modelo de telefone celular ou para manter em dia o guarda-roupa, agora chegou o momento de pensar em cuidar do único cenário possível para o seu ensaio de orquestra. Quem viu a película do Fellini vai me entender.
Saem de cena provisoriamente os estilistas de moda, ficam os de pijama e máscara e a turma do visage. Entram os decoradores de interiores, os patchwork, ponto cruz, paisagistas com suas samambaias choronas, fotógrafos em homestudio, Dj’s de varanda, artistas plásticos e recicláveis, editores de vídeo e música, enfim o sol nasce pra todos. O que não se pode prescindir é de uma boa conexão de internet, afinal seguimos na mesma compulsão de ter que mostrar qualquer coisa pros outros, senão seríamos todos poetas à espera de um resultado ocasional.
Ontem fiz minha mudança. Carregadores mascarados trouxeram para casa nova um monte de móveis e caixas meio desconjuntados, que acumulei nesses dois anos de Portugal. O ideal era tudo novo, adaptado ao espaço do desejo, mas só a casa nova já te toma o soldo e a primeira preocupação era ligar para operadora de telefonia para as devidas e esperadas conexões.
Se fossemos romantizar isso seria um pensamento intruso, daqueles que atrapalham a linda vista que tenho da varanda do meu quarto, aqui na Foz do Douro. Mas uma mudança não tem nada de idílio. Ao primeiro pensamento desses pensamentos começo a adicionar outros fundamentais. Preciso comprar um fogão e reformar algumas crônicas antigas.
O pensamento intruso funciona como um vírus. Ele invade a sua máquina, atrapalha a organização dos seus arquivos, das suas tarefas saudáveis; compromete a sua memória, o fluxo dos seus sentimentos mais puros; corrompe os seus comandos, desafia a certeza de tudo; compartilha inseguranças, mas se finge de morto.
O pensamento intruso vai e volta quando quer, faz uploads com softwares da segurança de que ele vai ficar presente na sua vida, como a única coisa para a qual você realmente percebe que o destino te reservou: comprar a porra do fogão.
Nesse momento você passa sua trajetória em revista e começa a entender o funcionamento das coisas. A engrenagem é a seguinte: O coração é o seu moden, o que primeiro recebe o estímulo externo do que quer que seja. E esse sinal vem por um cabo coaxial (existem registros mais modernos de fibra ótica, mas eu não sofro mesmo de amor à primeira vista). Aí, do Moden ele vai pro roteador, o que no mesmo instante me faz lembrar o fogão que eu tenho que comprar e que nesse momento começa a embaralhar também o leitor, que está pronto pra perder o FIO da meada do que eu tô escrevendo.
Voltando rapidinho, o Roteador funciona como o cérebro que, às vezes, também não funciona, processa a informação recebida e distribui para as máquinas que estiverem ali na quinesfera da própria existência. Se o aparelho não é de muito boa qualidade, ou seja, se a cabeça for complicadinha, uma coluna de sustentação da casa, uma parede mais espessa ou até um pensamento intruso podem, com facilidade, interromper os sinais do funcionamento do corpo e da mobilidade.
No fim de tudo, com alguma complexidade, você consegue acessar as pastas e gavetas, onde esconde o que pretende realizar hoje ou ao longo da vida toda. Os moderninhos jogam esses arquivos pruma nuvem, na esperança de poderem acessá-los de qualquer lugar e em qualquer tempo. Amigos, uma nuvem não sustenta nem um fogão de duas bocas.
Aí, caro leitor, você pergunta: Alexei, você não deveria ter escrito sobre o amor? Respondo sem hesitar: Eu falo de amor o tempo todo e, todo o tempo que me sobra, eu penso no fogão que eu preciso comprar. Agora que tenho Wi-Fi, o fogão de hoje não passa. Compro pela internet. Mas será que entregam hoje mesmo?
Se rolar, vou cozinhar pro meu amor e preparar um Hi-Fi. Que drink mais antigo, vocês diriam. Pois é: Fim do Romance.
Artigos relacionados