“El Pánico”, do argentino Rafael Spregelburd, fala sobre crise econômica e chega ao Brasil pelas mãos do diretor Ivan Sugahara em momento oportuno


O texto aborda o medo da falta de dinheiro, mas também da morte e do desconhecido e, na montagem brasileira, será encenado por nove atores que viverão 17 personagens em “portunhol”

“El Pánico” é um texto argentino de Rafael Spregelburd que, graças ao diretor Ivan Sugahara, o público brasileiro poderá conhecer. Essa não é a primeira vez que Ivan traz peças gringas ao país e a parceria com Spregelburd também não é inédita. O diretor, que comanda a companhia de teatro “Os Dezequilibrados”, já foi premiado com montagens de “A estupidez”, do mesmo autor e com “Mulheres sonharam cavalos”, de Daniel Veronese. Com “El Pánico”, Ivan dá continuidade à sua pesquisa de dramaturgia contemporânea. “O teatro argentino contemporâneo está entre os melhores produzidos no mundo de hoje. Apesar de viver graves questões sociais, políticas e econômicas, a Argentina vive um momento muito fértil em termos da sua produção cultural, que, entre outros temas, procura refletir exatamente sobre os motivos e efeitos dessa crise. A qualidade dos roteiros de cinema e dos textos teatrais é decisiva para esse cenário efervescente. Só temos a ganhar no contato com essa produção”, declarou o diretor.

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O diretor Ivan Sugahara posa com o elenco em ensaio de El Pánico (Foto: Felipe Pilotto)

No palco, Débora Lamm, Elisa, Pinheiro, Julia Marni, Kelzy Ecard, Márcio Machado, Pâmela Côto, Paulo Verlings, Suzana Nascimento e Thaís Vaz se revezam para dar vida à 17 personagens. O maior desafio, porém, não é a quantidade de papéis para cada ator, mas o idioma. Apesar de o texto já ter sido traduzida para alemão, tcheco e inglês, Ivan optou por encená-lo em “portunhol”. “O humor da peça está diretamente ligado ao acento espanhol, ao melodrama intrínseco à sua sonoridade. Acho que o espectador poderá estranhar um pouco no início, mas rapidamente se habituará à proposta. Afinal, o espanhol é uma língua prima da nossa, falada em todos os países vizinhos e com a qual o público brasileiro está familiarizado”, justificou.

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Na montagem, nove atores interpretam 17 personagens (Foto: Felipe Pilotto)

O texto, escrito no auge da crise econômica argentina, chega ao Brasil em um momento oportuno, mas o “pânico” presente no título não se resume ao medo da falta de dinheiro, mas também da morte e do desconhecido. “Inteligentemente, Spregelburd aborda esse tema espinhoso com graça. ‘El Pânico’ é uma paródia dos filmes de terror de baixo orçamento, com brinquedos voadores, mortos circulando entre os vivos e muitos sustos gratuitos. Morri de rir quando li a peça”, disse o diretor, emendando que a peça propõe reflexões profundas: “Essa é a segunda peça de Spregelburd que enceno. Tanto essa como a primeira fazem parte de uma heptologia em que ele procura fazer uma atualização dos sete pecados capitais, refletindo sobre quais seriam os correspondentes contemporâneos destes”, explicou.

“El Pánico” conta a história de Lourdes e seus dois filhos que tentam recuperar a chave de um cofre de banco deixada por um parente morto. Nessa busca, todos os tipos de medidas desesperadas são tomadas. O detalhe especial fica por conta dos personagens vivos e mortos ao redor da família. Enquanto os vivos estão presos à rotina corrida do dia a dia e não enxergam muito além disso, os mortos não conseguem lembrar detalhes da vida, mas sabem onde está a chave que guarda todas as economias que a família desesperadamente procura. O idioma não foi a única característica original que Ivan manteve no texto. “Apresentar uma peça inédita ao público é sempre um estímulo a mais. Os ajustes foram mínimos, dada a semelhança de contextos. Trata-se de uma obra contemporânea, escrita em 2002, no auge da crise econômica argentina. Ou seja, retrata uma realidade não muito distinta da que vivemos hoje no Brasil”, disse.

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A montagem de Ivan Sugahara será encenada em portunhol (Foto: Felipe Pilotto)

Aliás, falar em crise dentro do teatro é interessante. Ivan Sugahara é diretor de uma companhia e vive de arte em plena crise brasileira. “Os Dezequilibrados” completa 19 anos e surgiu da amizade de um grupo de atores que tinham o desejo de se comunicar e tocar a plateia. “É difícil viver de arte, há falta de dinheiro, de público, de espaços, de políticas públicas, e o que é mais grave, de valorização da arte, de noção de que ela é tão importante para o cidadão quanto a saúde e o alimento. Há muito que avançar. Muito pelo que devemos lutar. Mas não me queixo. Sinto-me um privilegiado. Amo o que eu faço e bem ou mal vivo disso há 20 anos”, declarou ele, que, no começo da carreira, chegou a apresentar peças no quarto de um apartamento para oito espectadores. “Foi uma experiência que marcou a minha vida para sempre. Surgiu ali um projeto estético que até hoje procuro desenvolver nos trabalhos com o grupo e fora dele. A busca de deslocar o espectador de uma posição basicamente observadora, exterior ao espetáculo, para outra em que ele se integra à cena, estando dentro do espetáculo e, em alguma medida, fazendo parte dele. Desde que decidi fazer teatro, quis ter uma companhia. Aliás, em grande parte minha paixão pelo teatro advém do fato de se tratar de uma arte necessariamente coletiva. ‘Os Dezequilibrados’ são a minha família, meus melhores amigos e meus maiores parceiros de trabalho”, disse.

O novo projeto tem estreia marcada para sexta-feira, dia 6, no Teatro de Arena do Sesc Copacabana. Aliás, o palco é um espetáculo a parte. Com cenário assinado por André Sanches, a meia arena terá dois níveis e um pano prato cobrirá parte das cenas do alto em uma “sombra chinesa”, fazendo com que os atores, iluminados por trás, mostrem apenas suas silhuetas. Pontos de luz por baixo do tecido revelam parcialmente os elementos cobertos e os figurinos coloridos e exuberantes de Joana Lima dão o toque especial e fazem lembrar os personagens de Almodóvar. Depois dessa temporada, o grupo segue para apresentação na Sede das Cias, na Lapa. O projeto foi todo contemplado pelo Programa de Fomento à Cultura Carioca e o espetáculo poderá ser assistido até o dia 14 de dezembro.

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A história de uma mãe e seus dois filhos que procuram a chave de um cofre retrata a crise econômica (Foto: Felipe Pilotto)

Serviço:
ESTREIA: dia 06 de novembro (6ªf), às 20h30
LOCAL: TEATRO DE ARENA DO ESPAÇO SESC
Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana / RJ Tel: 21 2547-0156
HORÁRIOS: 5ª a sábado às 20h30, domingo às 19h
INGRESSOS: R$20,00, R$10,00 (meia entrada) e R$5,00 (associados SESC)
DURAÇÃO: 80 min
CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA: 14 anos
GÊNERO: comédia
TEMPORADA: até 26 de novembro
EXCEPCIONALMENTE NO DIA 18/11 (4ªf) HAVERÁ SESSÃO EXTRA ÀS 20H30
CONTINUAÇÃO DA TEMPORADA A PARTIR DE 04 DE DEZEMBRO NA SEDE DAS CIAS
LOCAL: Sede das Cias – Rua Manoel Carneiro 12, Escadaria do Selarón – Lapa
HORÁRIOS: de sexta a segunda feira, sempre às 20h
INGRESSOS: R$20,00 e R$10 (meia entrada)
TEMPORADA: De 04 a 14 dezembro