Eduardo Martini vive Clodovil no teatro: ‘Ele era tão amado quanto odiado. Não tinha um meio termo’


O ator, que estreia ‘Simplemente Clô’, no Rio de Janeiro, e fala da homenagem sempre polêmico estilista, apresentador e deputado federal Clodovil Hernandez (1937-2009). “”Ele queria um Brasil justo. Independente se de direita ou esquerda. Ele hoje estaria com 84 anos. Talvez estivesse muito ativo, talvez não, mas com certeza estaria muito inconformado. Estamos vendo uma política que não é nada séria. Políticos que roubam oxigênio, que roubam dinheiro da saúde, que roubam dinheiro de hospitais de campanha, desviam verbas, empresários que tomam vacina escondidos, pessoas que furam filas, roubam tubos de oxigênio, vacinas. É o pior do ser humano em busca do dinheiro fácil. E quando você vê um menino tão talentoso como Paulo Gustavo indo embora com esse vírus, é triste”

“Clodovil era tão amado quanto odiado, não tinha um meio termo. E nós não fugimos de nada disso no teatro" (Foto: Claudia Martini)

“Clodovil era tão amado quanto odiado, não tinha um meio termo. E nós não fugimos de nada disso no teatro” (Foto: Claudia Martini)

*Por Brunna Condini

Há 12 anos, o Brasil se despedia do estilista e deputado federal Clodovil Hernandes (1937-2009). Conhecido por sua personalidade e opiniões fortes, característica que constantemente o envolvia em polêmicas, ele conquistou muitos fãs, mas também críticos ferrenhos. O fato é que Clodovil não se eximia em se posicionar, mesmo que muitas vezes com discursos controversos. Em cima do muro ele não ficava, como frisa Eduardo Martini, que se prepara para estrear em solo carioca monólogo sobre a vida e a obra do estilista: ‘Simplesmente Clô’, a partir do dia 20, no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea. “Ele era tão amado quanto odiado, não tinha um meio termo. E nós não fugimos de nada disso. A ideia é mostrar esse personagem tão rico e contraditório sem jamais buscar uma redenção. Ele não gostaria disso”, diz Martini, que foi amigo do estilista.

O ator, que vê na peça uma forma de homenagem, também opina sobre qual seria a reação do apresentador se estivesse por aqui, vendo a crise política, econômica, social em meio à pandemia da Covid-19: “O Clodovil hoje estaria com 84 anos. Talvez estivesse muito ativo, talvez não, mas com certeza ainda estaria muito inconformado, né? Estamos vendo uma política que não é nada séria. Políticos que roubam oxigênio, que roubam dinheiro da saúde, que roubam dinheiro de hospitais de campanha, desviam verbas, empresários que tomam vacina escondidos, pessoas que furam filas, roubam tubos de oxigênio, vacinas. É o pior do ser humano em busca do dinheiro fácil. E quando você vê um menino tão talentoso como Paulo Gustavo (1978-2021) indo embora com esse vírus, é triste. Alguém com tanta importância na comédia, gostem ou não do trabalho dele, mas deixando um legado, né? Paulo Gustavo era rico, bonito, casado, com filhos, com família, uma perda absurda. E é a prova de que o que importa não é o dinheiro, mas o que você faz, o que você deixa. Dinheiro compra remédio, não compra saúde. Então o Clodovil estaria muito indignado e provavelmente falaria: ‘Viu só como eu sempre tive razão?'”.

Eduardo Martini caracterizado como o estilista Clodovil Hernandez para o espetáculo 'Simplesmente Clô' (Foto: Claudia Martini)

Eduardo Martini caracterizado como o estilista Clodovil Hernandez para o espetáculo ‘Simplesmente Clô’ (Foto: Claudia Martini)

O que Clodovil simboliza como memória nacional? “O texto diz muito do que ele foi: “metade da nação me ama, me adora, me venera, reza por mim, torce por mim e a outra metade me odeia. Não tem meio termo”. O Clodovil era isso! Ele simboliza essa figura do brasileiro com sede de justiça, uma sede absurda. Independente se politicamente era de direita ou de esquerda, ele era ele. Era o que era. A vontade dele era a de um Brasil justo”, afirma.

Segundo o ator, “Clodovil tinha horror de má-educação, baixaria, falta de acesso. Ele queria que todos entendessem que com educação o país seria diferente. Ele simboliza isso, essa vontade que, no fim, é de todo nós. De que nosso país fosse diferente. Isso, claro, além da elegância. As noivas se batiam por um vestido assinado e ele fazia questão de cuidar até do buquê. Portanto, a noiva só entrava quando ele chegasse com o buquê, ou seja, o casamento só começaria quando ele quisesse”.

Martini também relembra momentos da amizade com Clodovil. “Sempre foi uma relação muito bacana. Eu fiz a novela ‘Deus nos Acuda‘ (1993), enquanto ele estava na TV Manchete, e, no final da trama, Clodovil me convidou para uma entrevista. Foi quando haviam lançado a lei do cinto de segurança. Meu irmão tinha sofrido um acidente de carro muito grave naquela época e se ele estivesse de cinto teria sido bem mais tranquilo. Então, quando contei isso, ele adorou, porque viu que falávamos a mesma língua. Teve uma outra situação que marcou também, engraçada. Eu adoro usar sapatos sem meia. Tinha chegado dos Estados Unidos e comprado um sapato italiano e usava sem meia, com gáspea baixa e tal. E foi um cara antes de mim ao programa dele falar sobre etiqueta, disse que era a maior falta de educação ir à casa de alguém usando sapatos sem meias. E, na volta do intervalo, o Clodovil abriu o bloco dizendo que em uma casa é onde ele deveria se sentir mais à vontade, com ou sem meias, e a gente riu muito. Dali para frente nossa relação ficou próxima”.

"Acho que ninguém imagina que ele fosse tão solitário, e a solidão leva a coisas terríveis na vida, com ele era assim também. A gente fala exatamente sobre isso na peça” (Foto: Claudia Martini)

“Acho que ninguém imagina que ele fosse tão solitário, e a solidão leva a coisas terríveis na vida, com ele era assim também. A gente fala exatamente sobre isso na peça” (Foto: Claudia Martini)

Você está muito parecido com ele em cena. Perceber isso o emocionou? Teve algum episódio em que sentiu Clodovil por perto, de alguma forma? “Me emocionou e senti sim. Fiquei muito espantado. Eu tive sorte de ter minha irmã, Cláudia Martini, como fotógrafa do espetáculo. Olhando as imagens, fui percebendo o quanto estava semelhante a ele. Sempre me emociono no palco. O jeito, a emoção, a forma como ele falaria aquele texto se fosse ele fazendo, sabe? Sempre me toca muito”.

E revela o que o atraia na personalidade do estilista: “Admirava o poder que ele tinha de encantar as pessoas. Mesmo os que não gostavam dele, não deixavam de olhar para ele. Ele era notado. Às vezes, claro, daquela outra maneira que ele tinha, mais explosivo, mas as pessoas sempre tiveram uma admiração por ele, que vinha do seu carisma, da inteligência. E a gargalhada era muito emblemática. Tipo a da Hebe Camargo. Acho que ninguém imagina que ele fosse tão solitário, e a solidão leva a coisas terríveis na vida, com ele era assim também. A gente fala exatamente sobre isso na peça”.

"Admirava o poder que ele tinha de encantar as pessoas. Mesmo os que não gostavam dele, não deixavam de olhar para ele. Ele era notado" (Foto: Claudia Martini)

“Admirava o poder que ele tinha de encantar as pessoas. Mesmo os que não gostavam dele, não deixavam de olhar para ele. Ele era notado” (Foto: Claudia Martini)

De acordo com o ator, a ideia do espetáculo é justamente mostrar um lado do apresentador que poucos conheciam. “O momento que mais me emociona é justamente quando falamos da solidão. Mas, nunca vi o Clodovil chorar, ele não fazia isso em público. Mas quando a gente fala de solidão, fala um pouco da gente. E tem esse momento que todos nós vivemos hoje: sozinhos em casa”.

A humanidade que nos une

Após temporada paulista, Martini traz o espetáculo para o Rio marcando o retorno gradual das atividades e equipamentos culturais na cidade, mas salienta que obedece às restrições e toma todos os cuidados e orientações para evitar o contágio do novo coronavírus. Em cena, o ator pretende conquistar o público carioca ao realizar uma espécie de inventário da vida de Clodovil e suas criações ao longo de mais de 40 anos de carreira, alternando as criações pioneiras na moda, o sucesso na TV e o seu primeiro mandato como deputado federal, e ao mesmo tempo, compartilhando lembranças e fatos pouco conhecidos.

Uma espécie de ‘confessionário’ de quem viveu em tempos em que ‘todo cancelamento era perdoado’. “A ideia é levar a plateia em uma viagem não só pela vida dele, mas também, e principalmente, traçar um panorama sobre as épocas em que viveu, com as pessoas que conviveu e o que fez de importante para a construção cultural do Brasil”, diz.

“A ideia é levar a plateia em uma viagem não só pela vida dele, mas também traçar um panorama sobre as épocas em que viveu, com as pessoas que conviveu e o que fez de importante para a construção cultural do Brasil” (foto: Claudia Martini)

“A ideia é levar a plateia em uma viagem não só pela vida dele, mas também traçar um panorama sobre as épocas em que viveu, com as pessoas que conviveu e o que fez de importante para a construção cultural do Brasil” (foto: Claudia Martini)

Sem deixar herdeiros, Clodovil deixou registrado sua vontade de doar seu patrimônio para criação de uma fundação beneficente para ajudar meninas carentes, e em 2011 foi criado o Instituto Clodovil Hernandes para preservar a memória do artista. Mas ao que parece, os bens do seu espólio continuam bloqueados na Justiça. A casa do estilista, em Ubatuba, litoral de São Paulo, continua sem novo dono e com ares de abandono. Eduardo Martini comenta a situação: “Não temos informações sobre o espólio, mas o grande desejo do Clodovil era que fundassem as Casas Clô, que seriam lugares para cuidar de jovens grávidas sem amparo. Ele queria muito amparar essas garotas”.

Teatro no teatro

Com mais de 40 anos de carreira, o ator também se reinventou na pandemia, adaptando a linguagem teatral à virtual. “Cheguei à conclusão de que, para mim, o teatro online não existe. O teatro é toda uma experiência desde a bilheteria até a hora de ir embora. É chegar, pegar o ingresso, entrar no teatro, ir ao café, esperar começar, entrar na sala de espetáculo e se preparar para aquela experiência que vai ser única. É mágico. Em casa, você tem o telefone que toca, o cachorro que late, a vizinha que chama, a internet que falha, os óculos que você não encontra… eu acho que online não é teatro. É outra coisa que a gente ainda vai descobrir depois, mas teatro mesmo não é”, opina.

"Agora, estando no Rio, eu sinto uma emoção em dobro, porque toda a minha família está aí, e foi aí que comecei a trabalhar. Toda a minha história está aí, amigos que já partiram, meus irmãos, minha mãe, minha família" (Reprodução)

“Agora, estando no Rio, eu sinto uma emoção em dobro, porque toda a minha família está aí, e foi aí que comecei a trabalhar. Toda a minha história está aí, amigos que já partiram, meus irmãos, minha mãe, minha família” (Reprodução)

E completa: “Tenho feito o teatro presencial e estamos desde novembro em cartaz. Então, até me dá a impressão de que a vida voltou, sabe? Mesmo sabendo que ainda continuamos em meio a um caos, dentro de mim, eu levo a vida como se ela tivesse voltado, porque eu posso fazer teatro, posso subir em um palco. Me alimento disso”.