*Por Jeff Lessa
Abuso sexual. Quantas vezes você ouviu essas duas palavras nos últimos tempos? Não somos especialistas para dizer que os casos aumentaram ou diminuíram, mas, sim, podemos dizer que o tema está na pauta do dia. A peça “Moléstia”, primeiro trabalho do dramaturgo Herton Gustavo, que volta ao palco na sexta-feira (12), no Teatro Glaucio Gill, trata do assunto com uma interessante mistura de linguagens cênica e cinematográfica.
No elenco estão Ciro Sales e Camila Moreira (nos papéis do casal Breno e Mabel), Deborah Figueiredo (a madre superiora do colégio onde estuda o filho deles, Thiago) e Felipe Dutra, no papel de Cadu. Dirigida por Marcéu Pierrotti, a peça conta a história desse casal que recebe o amigo de longa data Cadu, com quem precisa aprofundar suas relações ambíguas de amizade e atração física. No entanto, eles descobrem que seu filho autista, Thiago, sofreu abuso sexual e tudo aponta para Cadu. No palco e na tela, o embate cresce e acentua os conflitos entre os personagens.
A utilização da linguagem de cinema no teatro faz parte da pesquisa do jovem diretor Marcéu Pierrotti, de 32 anos. O tema do abuso sexual de crianças já o havia tocado fundo quando assistiu ao filme “A Caça”, do dinamarquês Thomas Vinterberg.
– Um tempo se passou e, ao buscar um texto teatral que me proporcionasse desenvolver a minha pesquisa, explorar a linguagem cinematográfica dentro da cena teatral, me deparei com “Moléstia” – explica Pierrotti. – A necessidade de debater o abuso sexual infantil foi um dos pilares para eu decidir contar essa história. Mas não o único. Vi em “Moléstia” a possibilidade de refletir sobre diversos tipos de abusos nas relações interpessoais e a capacidade do ser humano em criar narrativas acusadoras sem provas.
Os atritos entre os personagens, dos quais surgem as acusações, levam a peça a níveis de violência cada vez mais fortes e geram impacto na plateia. Tanto que, ao final do espetáculo, a equipe notou a necessidade do público de falar sobre o tema. Por conta disso, após as sessões de domingo rola uma conversa com a coordenação de Sandra Levy, do Núcleo de Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes (NUDECA) e psicóloga no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
De acordo com Pierrotti, as conversas têm sido um espaço de muita troca e esclarecimento. Ele conta que buscou, com a direção, engajar o público emocionalmente na trama, mas tomando o cuidado de deixar espaço para a reflexão e a imaginação de cada um interpretar da sua forma.
– Todas as minhas escolhas na direção desta peça são para trazer o público para dentro da história. Proponho ao espectador um pacto do coletivo, o teatro, ao assistir juntos esta trama eletrizante, mas ao mesmo tempo que este espectador se sinta penetrando sozinho na casa dos personagens, com o cinema. Por tudo que acontece na peça, há diversas reações da plateia, mas nunca alguém saiu ou teve uma reação impulsiva – revela.
Diante do jogo de acusações que se estabelece ao longo dos 50 minutos de espetáculo, é inevitável não fazer um paralelo com a realidade nacional, em que a troca de palavras duras entre políticos é frequente. No entanto, o diretor garante que não procurou acentuar o caráter possivelmente político da trama:
– Existem diversos paralelos com a atualidade brasileira, mas meu compromisso é com aqueles personagens. Acredito que a analogia acontece claramente, sem a necessidade de ressaltar. Meu ato político com essa encenação é revelar personagens que estão tão cegos dentro das suas próprias pseudoverdades que não enxergam o outro. Não se importam com o outro. Não cogitam a possibilidade de existirem verdades confluentes e, assim, escolhem o ataque verbal e físico para afirmar o próprio ponto de vista. E o que realmente importa fica abandonado: na peça, a criança; na atualidade, o Brasil.
O diretor comenta ainda a experiência de se autodirigir:
– Foi algo que aconteceu muito tranquilamente, pois desde o início ensaiamos três atores, incluindo eu, para dois personagens. Uma forma da peça poder continuar em temporada mesmo quando surgisse outro trabalho. Como por exemplo agora, estou gravando “Jezebel” a nova macrossérie da Record em Paulínia e no Marrocos. Além de debatermos bastante sobre o comportamento e os caminhos de cada personagem, sempre pude pesquisar de fora desenhos de cena com o Felipe Dutra e o Ciro Sales. Ao entrar em cena seja como Cadu ou Breno, sentia que a teia cênica estava montada, eu só precisava jogar com Camila, Deborah, Ciro ou Felipe. E o olhar cirúrgico do meu assistente é sempre bem-vindo.
“Moléstia” fica em cartaz até 6 de maio.
Serviço
Teatro Glaucio Gill: Praça Cardeal Arcoverde s/n, Copacabana – 2332-7904
Sex, sáb e seg, às 21h; dom, às 20h, com bate-papo após a sessão
R$ 40 e R$ 20 (meia-entrada)
Ingresso Rápido: www.ingressorapido.com.br
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