Drag queen no teatro, Leandro Luna diz sobre preconceituosos: ‘Internet está dando cara e nome aos bois’


O premiado ator está ensaiando o espetáculo A Vela, no qual divide cena com Herson Capri, que interpreta o pai de seu personagem expulso de casa por ser homossexual. “O público vai se emocionar por viver essas questões ou por conhecer pessoas que passam por isso, afinal, vivemos em uma sociedade preconceituosa. Hoje, a gente consegue identificar os preconceituosos. Existe uma ferramenta potente que é a internet. A gente hoje para de seguir familiar, para de falar com amigos, exclui gente de agenda, porque em postagens a gente acaba vendo como a pessoa pensa sobre determinados assuntos”, afirma

* Por Carlos Lima Costa

A arte como um instrumento para debater questões relevantes, ajudando a levar respeito a todos os indivíduos e a colocar um ponto final em preconceitos. É sob essa ótica que o ator e dublador Leandro Luna pensa a profissão e escolhe os projetos  nos quais vai participar. “Por isso decidi também produzir, para ter autonomia de escolha, porque como ator, a gente fica muito refém dos testes. Muitas vezes, eles são para diretores muito bons, mas a temática do espetáculo não é agregadora”, reflete. Assim escolheu o atual projeto, realizado pela Viva Cultural, sua produtora em sociedade com Priscilla Squeff. No espetáculo A Vela, ele divide o palco com Herson Capri, e aborda a questão sobre relações entre pessoas do mesmo gênero.

No texto de Raphael Gama, com direção de Elias Andreato, Leandro interpreta um homossexual que trabalha como drag queen e que reencontra o pai, após 20 anos. “O pai, na verdade, sabe da orientação sexual do filho. Por isso estão distantes um do outro. O filho volta para ter a oportunidade dessa última conversa com o pai. É um show de revelações. O filho vai e esse encontro com a persona artística dele, drag queen, para colocar o pai de frente com a verdade e nisso criar vários questionamentos. Ele vai ter que lidar com a escolha artística do rapaz, ressignificar suas crenças. O público vai se emocionar por viver essas questões ou por conhecer pessoas que passam por isso, afinal, vivemos em uma sociedade preconceituosa”, observa ele, produtor da montagem em parceria .

Em setembro, Leandro estreia a peça A Vela, de forma online. A ideia é apresentar presencialmente, em janeiro (Foto: Adriano Dória )

Em setembro, Leandro estreia a peça A Vela, de forma online. A ideia é apresentar presencialmente, em janeiro (Foto: Adriano Dória )

Leandro acrescenta que o personagem de Herson não tem características extremistas e conservadoras que conhecemos hoje em dia da polarização política. “Ele é um senhor acadêmico, letrado, já teve muito contato com alunos gays, sempre os respeitou, então, daí que surge a narrativa, do motivo pelo qual ele não soube lidar com as questões do próprio filho, que volta para entender porque foi expulso de casa”, pontua. “Vamos criar o evento pelo Sympla e fazer 12 exibições através da plataforma Zoom, em setembro. Presencialmente temos o foco de estrear em São Paulo. É uma possibilidade, contando, claro que a gente já tenha 100% da capacidade do teatro”, explica. Todos os ensaios iniciais tem sido online.

Leandro fala sobre os preconceitos que ainda permeiam a realidade brasileira: “A gente está no século 21 e é presente o preconceito. A peça traz isso exatamente no núcleo familiar, que eu acho que é a base de tudo. Isso que me chamou atenção quando li o texto. É a relação de um pai e um filho, que é de onde pode nascer todo preconceito. Se a família não te der essa base, as chances desse filho sofrer, inclusive fora de casa, são muito maiores. Então, a discussão é mais profunda, sensível, sentimental e a peça acaba se tornando uma função social muito grande. Essa discussão é necessária. A gente precisa através da arte conscientizar as pessoas de que a gente não pode ter preconceito, é preciso respeitar o próximo. Então, o espetáculo é exatamente a expressão da arte que a gente busca transformar a consciência das pessoas, alertá-las de que não vale a pena esse caminho do preconceito e criar um futuro harmonioso”, avalia.

"Através da arte alertamos que não vale a pena esse caminho do preconceito", ressalta o ator (Foto: Reprodução Instagram)

“Através da arte alertamos que não vale a pena esse caminho do preconceito”, ressalta o ator (Foto: Reprodução Instagram)

Mas por que as pessoas ainda se incomodam tanto com a sexualidade dos outros? “É o cuidar da vida do outro, é tudo cultural. É do ser humano. Vivemos uma revolução constante. E tudo que aconteceu de ruim durante toda evolução da humanidade acaba se tornando uma lição para as próximas gerações. Então, acho que toda essa desconstrução que a gente vive hoje é consequência de uma humanidade que já foi outrora muito rude nessas questões de empatia, respeito. Era tudo muito na brutalidade, o homem que resolve, então, mulher era subordinada ao homem. Hoje, vemos uma ocupação da figura feminina em todas as áreas, a gente consegue enxergar que todos somos iguais e que não existe distinção de gênero, nem de cor, nem de nada.

Engajado em lutas contra preconceitos, acrescenta: “Todo mundo tem que estar aberto para se desconstruir, pensando mesmo que a vida tem múltiplas escolhas e a gente pode escolher o que é bom. Para que a gente vai segregar se a gente pode agregar, então, são escolhas. Temos que incentivar as pessoas a tomarem as escolhas boas, positivas, inclusive, a questionar as religiões, as que optam por segregar e não aceitar, não evoluir junto com a humanidade. Tudo precisa ser repensado, não dá para ficar parado no tempo. Hoje, a gente consegue identificar os preconceituosos. Existe uma ferramenta potente que é a internet que está dando cara e nome aos bois. A gente hoje para de seguir familiar, para de falar com amigos, exclui gente de agenda, porque em postagens a gente acaba vendo como a pessoa pensa sobre determinados assuntos”, reflete.

“Todo mundo tem que estar aberto para se desconstruir, pensando mesmo que a vida tem múltiplas escolhas", frisa Leandro (Foto: Reprodução Instagram)

“Todo mundo tem que estar aberto para se desconstruir, pensando mesmo que a vida tem múltiplas escolhas”, frisa Leandro (Foto: Reprodução Instagram)

Na montagem de A Vela, à princípio, andar de salto alto pode parecer o detalhe mais difícil na hora de colocar o personagem em cena. Não para Leandro que já usou esse acessório feminino em outros espetáculos como no musical Priscilla, Rainha do Deserto, em que também deu vida a uma drag queen. “Sempre é um desafio, porque no dia a dia eu não uso salto alto. Então, tem suas dificuldades. Mas vou praticar nessas duas semanas de ensaios presenciais para voltar ao condicionamento, porque sei que vou sentir uma dor na panturrilha (risos). É condicionar o corpo para fazer aquela uma hora de espetáculo. Não vou ficar convivendo com o salto”, diverte-se o ator de 1,83m, que calça 42. “Essa semana vou experimentar umas opções de acordo com o visagismo do personagem, porque essa drag é diferente das outras que eu fiz. Essa tem uma pegada na literatura, nos romances. Ela constrói a personagem dela em cima da Emma Bovary, do livro do (Gustave) Flaubert (1821-1880), a Madame Bovary, inclusive, uma referência da própria escola do pai, que por ser professor lê bastante, tanto que o cenário é composto por muitos livros, então, o espetáculo traz muita poesia”, completa ele, cujo personagem se chama Carlos Eduardo.

Leandro e o desenho de Héctor, personagem dublado por ele no longa Viva - A Vida É Uma Festa (Foto: Reprodução Instagram)

Leandro e o desenho de Héctor, personagem dublado por ele no longa Viva – A Vida É Uma Festa (Foto: Reprodução Instagram)

Em sua trajetória, Leandro participou ainda de espetáculos como Chaplin, produzido por Claudia Raia. No cinema, protagonizou o longa Satyrianas, enquanto na TV participou da série (Des)Encontros, da Sony e fez uma pequena participação na novela Guerra dos Sexos, na Globo. Outra faceta é a dublagem. É dele, por exemplo, a voz do personagem Héctor do filme Viva – A Vida  É Uma Festa, da Disney/Pixar, que no original ganhou a voz do ator mexicano Gael García Bernal. Por conta desse trabalho, já recebeu pedidos de amigos para gravar um áudio cantando a canção Lembre de Mim, do filme.

Em seu original, em inglês, Remember Me ganhou o Oscar de Melhor Canção Original, em 2018. O filme conquistou também a estatueta de Melhor Animação. “Pedem para eu mandar uma mensagem como Héctor, porque esse longa realmente marcou as pessoas, foi muito emocionante. Na medida do possível eu tento atender”, conta. E prossegue. “Gosto muito de criança, sempre me identifiquei com trabalhos infantis, inclusive, meu primeiro musical profissional foi O Cravo e a Rosa. Tenho uma relação forte com criança, eu mesmo sou um crianção, tanto que tenho cinco sobrinhos que me amam”, comenta ele que vai completar 39 anos em 11 de setembro.

Natural de São Paulo, morou vários anos em São Bernardo do Campo, onde estreou como ator interpretando Jesus na Paixão de Cristo. “Falo que entrei com o pé direito”, diz ele, que desde pequeno gostava de brincar de interpretação e dublagem, amava os filmes da Disney, decorava a fala dos personagens. “Em todos os churrascos sempre me pediam para cantar, então, sempre tive essa parte artística aflorada, brincava com bonequinhos como se fossem personagens de novelas”, conta. Aos 14 anos disse para o pai que queria estudar teatro na escola. “Ele não deixou e uma semana depois me colocou para trabalhar na metalúrgica dele. Ele tinha o sonho de ter os três filhos trabalhando na empresa. Com 17 fui estudar comércio exterior e fui fazer intercâmbio de inglês para negócios, três meses, na Califórnia. Quando voltei, já estava fazendo curso de teatro e quando comecei a participar de algumas montagens, falei com meu pai que realmente tinha esse dom e ele nesse momento me apoiou. Minha família ama, vai assistir todos os meus espetáculos”, relata.

Na dublagem, entre outros trabalhos, é de Leandro a voz do personagem Michael Banks no filme O Retorno de Mary Poppins (Foto: Reprodução Instagram)

Na dublagem, entre outros trabalhos, é de Leandro a voz do personagem Michael Banks no filme O Retorno de Mary Poppins (Foto: Reprodução Instagram)