Um texto de 1904 que não poderia ser mais atual. Assim é “O Mambembe”, de Arthur Azevedo, que coloca em cena as viagens de uma companhia teatral pelo interior do Rio de Janeiro e aborda as dificuldades e desejos de artistas ao realizar espetáculos e atrair o público. A montagem do diretor Rubens Lima Junior, que estreia em abril na sala Paschoal Carlos Magno – o palco da UniRio – , é ousada: faz do clássico um musical sem fugir da realidade pela qual muitos artistas – ainda hoje – vivem. É através das situações controversas, da submissão a um político corrupto e dos problemas que a companhia enfrenta que “O mambembe” faz uma crítica atual e representa uma espécie de homenagem ao amor pelo teatro.
“É realmente muito dificil viver de arte no país! Sofremos preconceitos, dúvidas, somos subestimados o tempo todo por não ser um trabalho ‘normal’ e o próprio ofício também é muito difícil, porque são muitas pessoas, sonhos, possibilidades. É uma luta diária e eterna, porque não se tem certeza de nada. Aé há uma parte do texto que meu personagem diz: ‘Um dia peço, outro ganho, assim vou levando a minha vida com a incerteza do amanhã’. É bem isso”, analisou Rodrigo Naice, que, na montagem, é o empresário teatral Frazão.
Robson Lima, responsável por dar vida ao mocinho Eduardo, concordou com o colega de elenco: “É realmente um gancho com ‘O mambembe’. É uma luta diária que temos que vencer. São os nossos medos e inseguranças de continuar dentro do meio. Mas nada substitui a paixão quando se está no palco, a sensação de se fazer o que ama, do dever cumprido, de provocar emoções. É uma profissão incrível e apesar dos problemas no país – e em todos os lugares porque a vida do artista é muito difícil, o saldo final sempre vale a pena”, garantiu. O que chamou atenção de Robson na peça foi justamente isso: “Tudo que é discutido dentro do texto é muito atual, por mais que seja de 1904. Há uma identificação grande com a vida dos artistas. É bem legal a comunicação que se faz entre o passado e o presente e acho incrível a visão que o Arthur (Azevedo) teve, foi transcendental”, elogiou ele, que passou por uma acirrada fase de testes para dar vida ao mocinho. “Teve a audição que durou uma semana inteira. Fizemos testes de improviso, canto, interpretação, dança. Foi completo, para verem se tínhamos aptidão e preparo para o musical. Foi uma surpresa ter sido aprovado”, comemorou.
Encenar um clássico das escolas de teatro sempre é uma responsabilidade, mas Rodrigo Naice garantiu que lida com isso da melhor forma possível. “Claro que dá um friozinho na barriga. É uma sensação engraçada porque é muito grandioso. Essa história é uma obra e todo mundo espera”, disse ele, que já havia assistido uma versão de “O mambembe”. “Eu vi a minissérie da Globo do Miguel Arraes, mas a adaptação é diferente do texto que estamos fazendo. Modifica os personagens. Mas essas inspirações não são difíceis de encontrar, estão na gente”, garantiu ele, que tem o desafio de interpretar um empresário com o dobro de sua idade. “Eu tenho 25 e o Frazão tem quase 50. Essa pessoa passou por coisas que ainda não passei e, apesar de ser um empresário, é, acima de tudo, um artista, está no mesmo barco, não tem essa questão de estar do outro lado. Ele até toma as rédeas da situação. Junta a grande experiência que tem e cria sua própria companhia, mas é um artista. Corre atrás de tudo”, explicou.
Joaz Perez, que vive o Coronel Panteleão, uma figura “destoante do espetáculo”, também analisou a importância de tratar de um texto como “O mambembe”. “Ele fala realmente de todos nós, de ser ator, da batalha, da luta. A peça que foi escrita no começo do século XX, mas vivemos da mesma forma hoje. Com as incertezas, as dúvidas se vamos conseguir colocar nosso trabalho em cena. É cada vez mais difícil. Viver de arte no Brasil é uma corda bamba, são incertezas constantes. Ficamos apoiando nossos sonhos num projeto e almejando que consigamos evoluir na carreira”, analisou. Seu Coronel Panteleão não é parte integrante da companhia, mas também tem seus próprios sonhos. “Ele é uma figura do antigo Brasil, do coronel que detém o poder, mas, ao mesmo tempo, ele deseja ser um grande dramaturgo e escreveu uma obra de dois dias que nunca foi encenada. Ele deposita o sonho de ver sua peça nos palcos na companhia do Frazão. Mas é um velho tarado que se aproveita das menininhas da companhia”, contou ele, que não teve medo de carregar um personagem complicado. “Tivemos muitos estudos teóricos, acompanhamento de professores que fizeram doutorado em cima da peça, então eles sempre vinham com embasamento para termos noção de que momento da dramaturgia estávamos falando. O começo do teatro de revista, que vem do teatro europeu. A pesquisa não começa no meu personagem, mas na Comédia Del Arte, então temos muita referência em outros espetáculos”, disse.
Robson endossou Joaz e acredita que o produto final estará à altura. “O texto original não é um musical, né. Nós estamos fazendo uma adaptação. É uma responsabilidade, mas a equipe do Rubens tem feito um trabalho incrível. Estamos conseguindo criar um produto que vai fazer bonito”, acredita ele, que espera, em abril, encantar o público. “Quero que a gente consiga trazer a qualidade que estamos tanto buscando e que as pessoas gostem. Essa peça é um clássico, mas nem tão conhecido pelo grande público. Desejo que possamos trazer a história para as pessoas de forma positiva”, disse. Se depender de seu mocinho, isso se tornará realidade. “O Eduardo é um trabalhador típico de uma repartição que se apaixona pela Laudelina, que é atriz da companhia. Ele tinha uma vida regrada, se apaixona loucamente e a vida certinha sofre uma reviravolta enorme. Ele é capaz de tudo para ter ela como mulher dele. Quer casar e ter filhos. É legal ver como não tinha tanto envolvimento com o teatro e se envolve pelo amor que sente pela Laudelina e acaba entrando na companhia. A coisa do galã acaba que está um pouco ultrapassada, mas acho que o Eduardo traz a moda antiga de forma cômica e cativa o público. Ele tem traços engraçados e fortes e que mostram que, além de ser apaixonado e certinho, é determinado, capaz de ir até o interior para não deixar a mulher que ama sozinha. Ele é leal, tem qualidades que trazem atrativos. Tenho quase certeza que o Eduardo vai encantar a todos”, afirmou.
Rodrigo garantiu que o público vai ver uma montagem totalmente nova de “O mambembe”. “Espero que vejam o quanto a gente ama a arte, o nosso ofício. É o primeiro espetáculo do projeto da Unirio que fala sobre nós mesmos – atores. As músicas são feitas para a gente, o texto é adaptado. Queremos mostrar esse amor”, disse.
Serviço:
“O mambembe”
Teatro Paschoal Carlos Magno – Palcão da UniRio
Av Pasteur 436, Fundos, Urca, Rio de Janeiro – RJ
Telefone: (21) 2542-2205
Estreia: 1ª quinzena de abril
Horários: Quinta a sábado às 21h / Domingo às 20h / Segunda às 21h
Entrada Gratuira
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