*Por Vítor Antunes
“Uma reflexão sobre os limites da fraqueza e da lealdade nas relações pessoais”. A partir desta frase que é apresentada “A Mentira“, peça de Florian Zeller, adaptada e dirigida por Miguel Falabella, que conta com Danielle Winits no elenco. Como bem se nota, a ausência da verdade é o tema principal da montagem. E, em um ano eleitoral e um momento no qual as fake news disputam espaço com as notícias reais, Danielle Winits acredita que a falta de empatia é uma das razões definitivas para influenciar a manipulação dos conteúdos.
“É um momento em que a gente tem que ficar alerta. Pensar para além da crença pessoal e alinhar-se com o mundo. É preciso sair do próprio ego e enxergar a real das coisas. Eu acho inconcebível no mundo de hoje quem faz valer a própria crença olhando a partir do próprio privilégio, da própria estrada. A empatia é o segredo. Não adianta a gente querer fazer diferença no nosso mundinho particular sem olhar pro outro. Eu acho que as pessoas acabam se revelando especialmente nestes momentos tão frágeis como os que a gente tem passado”, ressalta.
“A Mentira” marca não apenas o retorno de Danielle Winits ao teatro, mas também uma parceria de anos com Miguel Falabella. Ambos já trabalharam juntos como atores em filmes como “Zoando na TV”, de 1998, e em novelas como “Cara e Coroa”, de 1996. Quando Miguel migrou mais efetivamente para a direção e o roteiro, a atriz foi convidada por ele a estar nos inúmeros projetos em que investe – foi assim na televisão, com “A Vida Alheia”; no teatro, em “Xanadu“; e no cinema, em “Veneza”. Dani exalta a parceria com o louro: “Feliz por estar neste projeto ao lado dessa pessoa que eu amo. Miguel é uma voz potente e atuante dentro do nosso ofício. É sempre um aprendizado estar com ele, que é uma mola propulsora para nossa cultura. É difícil par mim mensurar o tamanho do Miguel como artista e a importância dele na minha vida”.
Além do retorno ao teatro, Danielle Winits marcou presença no reality da HBO Max batizado “A Ponte”. Neste, os participantes devem construir uma ponte de 250 metros sobre a água. O elenco, de 11 pessoas, teve de passar 20 dias em uma casa isolada no meio da Mata Atlântica, no interior de São Paulo. Embora seja um reality, o projeto tem um tratamento de série. A atriz achou a experiência enriquecedora: “O projeto em si era muito bacana. Foi um desafio interno pessoal fascinante, que dialoga muito com o meu modus operandi, que é o da aventura”.
A atriz salienta que haver ficado em tal ambiente foi importante por havê-la reconectado com a natureza. Tanto que resolveu mudar tudo: deixou o apartamento onde morava e mudou-se para uma casa, com quintal e área verde, objetivando ter “uma outra experiência de vida. Eu moro numa casa que é praticamente uma cabana, que tem uma arquitetura mais contemporânea, e, embora seja no Rio de Janeiro, me trouxe uma reconexão, me tirou dessa história meio cosmopolita”.
Mesmo tendo sido coautora de uma ponte, nada pode ser considerado mais difícil à atriz do que desbravar a cozinha. Seus dons culinários, ou a ausência deles, a fizeram famosa em 2016, quando participou do quadro “Super Chef Celebridades”, no Mais Você, programa de Ana Maria Braga. A “lasanha desconstruída” inventada pela atriz, em razão de não ter a menor habilidade culinária, ficou famosa, especialmente, por haver levado a nota mínima de todos os jurados. Lembrada desse episódio, a atriz riu e disse que “fazer uma ponte tem muito mais a ver comigo do que cozinhar. Este último é um dom lindo… que eu não tenho!”, divertiu-se. A participação no reality culinário, porém, não foi infrutífera. Foi neste programa que Winits conheceu seu atual marido, o ator André Gonçalves, com quem está casada desde então.
OS DESAFIOS DE SER UMA MULHER ARTISTA
Danielle estreou na TV em 1992, no seriado musical da dupla Leandro & Leonardo, na Globo. Entre participações especiais na telinha, acabou recebendo o seu primeiro papel de destaque em “Sex Appeal”, de Antônio Calmon, exibida em 1993, quando a atriz ainda era menor de idade. O que, em sua visão, não foi algo problemático: “Olhando pro passado, vejo que o meu trabalho, mesmo ainda muito jovem, foi consequência do meu esforço. Eu via a arte e o sucesso como consequência, não foi algo que veio do nada. (…) De maneira que não me impressionei com o fato de fazer sucesso nova. Sou muito grata ao Ricardo Waddington por ele haver sido a primeira pessoa a apostar em mim na TV. Mas não tenho dúvida de que minha carreira foi uma batalha solitária. Nunca tive ninguém para me ajudar ou para me aconselhar (na profissão). A insegurança me fez cursar Comunicação Social, por que eu tinha medo de fracassar no sonho de viver como atriz no Brasil”.
E acrescenta: “Eu não tinha nenhum artista na minha família, então, houve sim, um momento em que questionei a minha carreira e a forma como iriam me enxergar. Talvez o medo de verem em mim apenas uma garota bonitinha ou algo semelhante, então houve uma busca pela minha autoestima, de afirmação, em não me notarem apenas como a menina que estava se tornando mulher, ou para o meu corpo, ou ainda para o meu sex appeal”, relata, fazendo um trocadilho com a minissérie que a lançou na teledramaturgia.
Segundo ela, o ponto de mudança na carreira se deu após haver encarnado a Alicinha, de “Corpo Dourado”, novela de 1998. A personagem era uma moça ingênua que fazia o tipo gostosa-pouco-inteligente, e passou boa parte da trama fazendo topless: “Alicinha me estimulou na vontade em ser vista de outra forma, que não apenas “o vulcão”. Provocou em mim a necessidade que acreditar que eu podia, sim, fazer a mulher sexy, encarnar esse estereótipo, mas que eu podia, também, deixar o meu lado moleque aflorar e fazê-lo muito mais presente do que o da mulher-fatal-que-acorda-de-salto-alto. Inclusive, quem me conhece na minha vida pessoal sabe que esse lado (menos afetado) tem muito mais a ver comigo”. A atriz também atribui ao cinema uma colaboração à mudança de leitura que tiveram em relação a si, pois que atingiu o público infanto-juvenil, através da comédia “Os Farofeiros” e da franquia “Até que a Sorte Nos Separe”.
Voltando ao destaque que a atriz atribui ao teatro, ela diz que o palco “foi essencial na minha carreira. É o meu berço. Creio que a televisão meio que deixou os novos artistas mal acostumados, pois que eles já vislumbram o sucesso oriundo dela. Não que eu recuse os novos veículos e plataformas, inclusive acho que a geração nova deve aproveitar essa riqueza de espaços, coisa que não havia antigamente. Porém, acredito que não se pode esquecer o quão importante o teatro é. A raiz de tudo está ali, e convenhamos, que sem a raiz não cresce árvore. Sou uma missionária do teatro. É o que sei fazer. Ser atriz é a melhor versão de mim”.
Ser mulher nesse país e ter crescido na profissão não foi uma tarefa fácil, segundo Danielle. “Percebo que há entre as mulheres, com relação a mim ou à minha história, uma espécie de pré-julgamento, especialmente com o fato de eu ser uma mulher independente. Há um olhar (repressor) ao fato de eu haver trilhado o meu próprio caminho, por haver separado, casado, tido filho, tornado a casar… Como eu convivo com mulheres de todas as profissões e instâncias, me vejo tendo de me colocar sempre enquanto ‘Danielle mãe, mulher, cidadã e batalhadora’, para além daquela que está na TV ou no cinema. Sou uma pessoa que também tem seus momentos de baixa estima, independentemente da imagem que eu possa estar passando. Sou uma mulher comum, que, na vida real, busca a felicidade como qualquer outra. Creio que existiu sobre mim esse olhar um tanto preconceituoso, que, acho, tem sido quebrado”, desabafa.
Ainda sob a temática da empatia feminina, Dani diz que a concorrência entre as mulheres parece ter sido “incutida em nossa sociedade como se tivéssemos, necessariamente que entubar essa trava bélica que se estabelece entre as mulheres. Estou me dispondo, também, a me envolver mais nesta questão para que a gente possa seguir em marcha em favor da sororidade”. Ela prossegue dizendo que esse alerta da fraternidade feminina é algo mundial e que é importante por conta de, sobretudo, as mulheres terem de lutar pelo simples fato de existirem e “permanecerem vivas”. “O feminicídio é algo avassalador e progressivo. O feminismo não pode ser uma questão pontual. Precisa ser uma prática. A gente precisa botar a boca no trombone”, alerta.
Entre tantas músicas que estiveram presentes em sua vida, entre trilhas sonoras de personagens, entre “Marissóis”, “Sandras”, “Alicinhas” e “Amarilys”, Danielle disse-nos que a canção que mais a define no atual momento, às raias de completar 50 anos, é uma cujo título traduz uma personagem que nunca viveu: “Superwoman”, sucesso de 2007, da Alicia Keys. Segundo ela, esta canção é a que mais representa: “Eu tenho gostado de músicas que exaltam o quanto as mulheres são maravilhosas dentro de suas imperfeições. Existe essa ilusão de que a Mulher Maravilha é perfeita, infalível, quando na verdade ela é apenas uma mulher. Gosto dessa música por achar que ela diz muito sobre mim, sobre como me sinto. Afinal, mesmo com todas as dificuldades, a gente põe a capa e se predispõe a voar, sem deixar que o mundo se abata sobre nós. Precisamos sempre voar com força para dar leveza ao mundo”, observa.
Winits não nega o seu passado. Não interpretara a super-heroína da canção de Alicia Keys em seu ofício, mas a afirma em cada palavra. Pode ter sido um vulcão, sim. Porém, não é segredo que após cada erupção, os vulcões aquiescem, arrefecem e formam uma terra nova. E, neste novo espaço, floresceu uma nova mulher. O vento que bateu na pétala a fez alcançar voos altos. E de onde vê o mundo, pelo alto, se dispõe a traduzi-lo sob o seu olhar. O olhar potente de uma “Supermulher”.
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