De Luiza Braga sobre peça “Ninho”: ‘O amor e a dor que a família e a casa podem representar’


A história aborda a vida de três mulheres que moram no mesmo lar e abrem as portas a convidados desconhecidos e, entre bolo e café, trazem à tona o que corre por baixo da frágil tecitura das relações familiares. Assim, revelam o que é ser mulher dentro dos limites da casa, questionando as bases sobre as quais se erguem o lar patriarcal

*Por Domênica Soares

Levando reflexão sobre os lares familiares, Luiza Braga  que, recentemente, estreou no cinema no polêmico longa-metragem “Uma Noite Não é Nada”, direção de Alain Fresnot, interpretando uma soropositiva que tem um relacionamento abusivo com o professor vivido por Paulo Betti -, está nos palcos com a peça “Ninho”, na Oficina de Cultura Oswald de Andrade, em São Paulo. A história aborda a vida de três mulheres que moram no mesmo lar e abrem as portas a convidados desconhecidos e, entre bolo e café, trazem à tona o que corre por baixo da frágil tecitura das relações familiares. Assim, revelam o que é ser mulher dentro dos limites da casa, questionando as bases sobre as quais se erguem o lar patriarcal. O espetáculo tem direção de Cris Ubach e Fernanda Viacava e foi produzido pelo coletivo Ninho, idealizado pela própria Luiza em parceria com as atrizes Patrícia Cretti e Fran Lipinski, que também atuam na peça.

“O espetáculo propõe uma reflexão do conforto e acolhimento da noção de lar até aspectos de violência doméstica, psicológica e as amarras do papel destinado às mulheres nesse ambiente. Não se trata de uma biografia, mas muitas histórias das nossas vidas foram passadas com muita poesia para o texto final”, conta Luiza. 

Luiza Braga integra o elenco da peça que aborda violência doméstica (Foto: Divulgação)

Sobre as personagens, a artista reflete que trata-se de uma costura de vivências de muitas mulheres. Ela divide que se coloca em situações diversas em cena para falar sobre os questionamentos e a importância de ser mulher nesse ambiente supostamente seguro da família. Então, dessa forma, a personagem não tem um nome definido, mas representa grupos de mulheres que vivem cotidianamente situações de violência. Além disso, aborda também o poder de se reconhecer mulher e conectar com a força ancestral. “Cada vez mais nós temos falado de gênero e da opressão de gênero. Agora é importante entender e se sensibilizar com as formas pelas quais essas opressões se enraizaram na nossa formação. Daí a importância de discutir a família. A casa e a família são as nossas primeiras referências, nossa base de formação afetiva e ideológica. Então, acho que é super importante levantar questões sobre o ambiente da casa com as contradições que ele abriga: amor, violência, fé, companheirismo, abrigo, mentiras…”, comenta.

A atriz revela ainda que falar sobre esses temas nem sempre é fácil e que boa parte de suas melhores lembranças e dores são consequências de relações com a família. Para ela, “Ninho” é um espetáculo que contém poesia e aborda essas questões difíceis sem cair no discurso panfletário, tornando-se uma peça sinestésica. E, diante disso, ela comenta que o objetivo principal é despertar o sentimento do público e que todos compartilhem experiências e saiam da peça refletindo, mas também sentindo a importância de reconhecer o amor e a dor que a família e a casa podem representar.

“Acho que arte tem muito de nossas vivências na vida. De experiência de vida real que a gente leva para o palco, o cinema e  TV. Acho fazer arte é um desafio diário e só o tempo, de cena e de vida, ensina e mostra os caminhos e nos ajuda a fazer as melhores escolhas artísticas. Eu tento sempre manter os meus sentidos abertos, o máximo possível, para aprender e dividir”, afirma.

Luiza Braga, Patrícia Cretti e Fran Lipinski se unem para retratar o cenário feminino de violência (Foto: Divulgação)

Luiza Braga explica que o melhor caminho para a evolução da sociedade está ligado à democracia e construção da noção de igualdade. Reitera que levar esses debates para o teatro é o que mais move sua vida. “‘Ninho’ é um exemplo. Falar sobre estruturas familiares e relacionamentos também é resistência”, frisa.

A atriz diz que evolução da sociedade está ligada à democracia e a construção da noção de igualdade (Foto: Divulgação)

Quando perguntada sobre a Luiza fora dos palcos, ela fica pensativa antes de responder, mas assume que é uma pessoa em processo. “É engraçado como olhar o passar dos anos tem diminuído as minhas certezas e aumentado minha necessidade de ouvir mais o próximo. Eu me sinto uma pessoa que tem se transformado com os encontros pessoais e profissionais. Tenho uma paixão gigante pelo teatro, pela dança e pelo cinema. Minha rotina é  sempre corrida, mas eu reservo um tempinho, nem que seja já no final do dia, para entrar em contato comigo. Meditar, ler um livro, fazer uma aula de dança ou de circo. Sinto que é aquele momentinho do dia onde eu permito que minha criança brinque. E daí vem boa parte da minha criação pras personagens. Nesses momentos, eu costumo ter muitos insights e inspirações”, conta.

E o que ama fazer nos momentos de lazer? “Dançar e passear por cachoeiras, ler bons livros e até praticar pole dance. A dança serve para que as pessoas gostem de si mesmas e também contribui na autoestima e leva diversão para quem pratica”, pontua. 

Fora dos palcos, Luiza se diz uma pessoa em processo constante de aprendizagem (Foto: Divulgação)

A atriz conta que se inspira em muitas mulheres fortes, como Fernanda Montenegro, Leandra Leal, Maeve Jinkings, Laura Cardoso, Gal Costa, Maria Bethânia, entre outras, além de grandes autores e diretores de teatro. E enfatiza que o processo do espetáculo “Ninho” a colocou tão em contato com sua família e com suas memórias “que poderia incluir nessa lista minha mãe, Riex, Vó Raimunda, suas irmãs, Lourdes e Luciana e sua mãe espiritual e grande amiga Rita Souza”. E o que tem como grande sonho de vida? “Meu maior sonho é viver com plenitude exercendo o que eu acho que estou nesta vida para fazer: atuar, ao lado das pessoas que eu amo. Profissionalmente, meu maior sonho é seguir fazendo cinema, quem sabe TV aberta também. Seguir explorando o mercado das séries de TV fechada e streaming. Quem sabe nesse caminho cruzar com algumas daquelas atrizes que citei ali em cima, né?”, indaga a artista sempre empolgada.