Dando vida à Tarsila do Amaral em musical, Claudia Raia abre o coração sobre como superou a sexualização como atriz


A estrela aproveita a oportunidade de protagonizar um musical encarnando uma das principais artistas modernistas brasileiras para dar luz a tópicos sensíveis, como a superação de estereótipos do mundo audiovisual feminino, problemáticas sociais do envelhecimento da mulher e a gravidez para a mulher madura. Com o objetivo claro de ser vista como uma artista múltipla e que não se deslumbrou com os encantos que a beleza natural ofereceram a ela, Claudia afirma ter conseguido “usar o sistema e subvertê-lo”. “Não queriam, por exemplo, que eu fizesse o ‘TV Pirata’. Insisti tanto que entrei. Aí, depois não queriam me deixar fazer o ‘Tonhão’, porque eu tinha essa imagem da mulher bonita – como se eu não pudesse ser mais nada além disso! E foi justamente este o motivo que me fez querer tanto a personagem: eu acreditava muito que daria certo e que seria uma oportunidade para as pessoas me olharem de uma forma diferente”

A cantora Cláudia Raia reflete sobre o machismo introjetado na sociedade

*por Luísa Giraldo

A partir de janeiro, Claudia Raia encarna a artista modernista Tarsila do Amaral (1883-1973) em um musical pensado como plano de fundo para a comemoração do Centenário da Semana de 22. Os reflexos tardios da Pandemia da Covid-19 e a gravidez da estrela adiaram os planos de apresentar a trajetória da pintora nos palcos paulistanos em 2022. O show estreia em 25 de janeiro no Teatro Santander, em São Paulo: a venda dos ingressos começou na primeira semana deste mês. Escrito por Anna Toledo e dirigido por José Possi Neto, o espetáculo “Tarsila, a Brasileira” reúne marcos importantes da vida da artista paulista e da célebre Semana de Arte Moderna, que fez o ano de 1922 entrar para a história da cultura brasileira. Ao assumir papéis cada vez mais complexos, a estrela mescla os saberes adquiridos ao longo de mais de 30 anos de carreira com a empolgação pelos novos desafios no campo cultural. Ciente da visibilidade da personagem, Cláudia aproveita a oportunidade para refletir em umaa entrevista exclusiva à Heloisa Tolipan sobre a hipersexualização da sua imagem como atriz, a superação de estereótipos femininos no audiovisual e a rejeição do público diante da gravidez.

Apesar de chegar ao público apenas em janeiro de 2024, a produção do musical foi iniciada há três anos. “A ideia inicial era estrear o espetáculo no ano passado, comemorando o centenário da Semana de Arte Moderna, que aconteceu em 1922. Mas várias coisas aconteceram, inclusive a minha gravidez, e adiamos a estreia. Agora, já começamos os ensaios e vamos finalmente apresentar esta história emocionante para o público a partir de 25 de janeiro de 2024, no Teatro Santander”, descreve ela, ao lembrar que a data de estreia faz homenagem ao aniversário da cidade de São Paulo.

Emocionada, Claudia relembra que a história de Tarsila chegou até ela de “uma maneira muito bonita”. Isso se deu porque a sobrinha-neta da pintora, Tarsilinha, procurou a atriz com o pedido que ela desse vida à modernista em um musical. A descendente da artista afirmou acreditar que a atriz possuía a mesma força da tia-avó.

Atriz Cláudia Raia desabafa sobre a pressão que sofreu da mídia e do público ao anunciar que havia engravidado tardiamente, aos 55 anos

Claudia Raia será Tarsila do Amaral nos palcos (Foto: Juliana Coutinho)

“Foi muito emocionante ouvir que tínhamos a mesma força e eu não tive como recusar. Sempre admirei a obra da Tarsila e, durante as pesquisas para desenvolver o musical, me apaixonei ainda mais pela história de vida dela. Ela foi uma mulher extraordinária, que ajudou a projetar ainda mais a imagem do Brasil no exterior. Descobri algumas semelhanças entre a gente. Nós duas somos do interior de São Paulo e nossas famílias tinham negócios de café. Nosso amor pela arte e pela cultura, especialmente pela nossa arte e cultura, também é muito semelhante. O gosto pela moda é outra particularidade que nos une. Cada tijolinho deste está sendo colocado para construir a personagem que o público verá nos palcos a partir do ano que vem”.

Lembro muito bem quando foi que decidi que me tornaria atriz, que queria mostrar mais do meu trabalho. Com a decisão tomada, eu realmente aproveitei do status de símbolo sexual, agarrei as oportunidades que apareciam e corri atrás do que achava interessante — Claudia Raia.

Por outro lado, a estrela pontua o “novo” como seu grande e contínuo desafio no campo da atuação. Ela descreveu que “não se deixar endurecer, ser maleável e estar disponível para os personagens que chegam” também são pontos-chaves a serem enfrentados na profissão como artista. Cláudia confessou acreditar que é preciso encarar os novos personagens com o máximo de franqueza e disposição.

Saudosa dos primeiros trabalhos, a atriz relembra da minissérie “Engraçadinha“. “Foi uma personagem que batalhei muito para interpretar, porque realmente acreditava naquela história e, mais ainda, que eu poderia acrescentar ali, além de ser um registro diferente para minha carreira. Esse papel foi tão importante que foi por ele que João Emanuel Carneiro pensou em mim para fazer ‘A Favorita‘, outro grande desafio da minha carreira. Era como interpretar uma vilã e uma mocinha de uma vez, além de ter toda parte de construção corporal da personagem, que foi muito minuciosa”, diz ela, que costuma se envolver intimamente em todas as etapas de seus espetáculos.

Já nos palcos, apesar das oportunidades de interpretar personagens icônicos de “Cabaré” e “Sweet Charity”, a cantora elenca o desafio de dar vida à protagonista Lina Lamont, de “Cantando na Chuva“, como um dos principais na carreira. O papel exigia que a estrela cantasse propositalmente de forma desafinada, algo que, segundo ela, demanda muita técnica.

A artista Cláudia Raia afirma ter usado os estereótipos e a sexualização como oportunidades de mostrar o talento como atriz

Claudia Raia reflete sobre os pontos em comum com a artista plástica Tarsila do Amaral (Foto: Divulgação)

Ao fazer aulas de balé e canto cotidianamente e dedicar horas de estudo para captar a fundo a essência de seus personagens, Claudia confessou se empenhar para se manter bem para o trabalho. Para ela, o caminho como atriz se elucidou desde muito cedo, aos 17 anos, quando ainda estava em seu primeiro trabalho na TV, no quadro “Vamos Malhar”, do“Viva o Gordo”, produzido pela Globo.

Determinada a se colocar como uma profissional completa e respeitada no mercado, a bailarina não se limitou apenas a assumir papéis que evidenciassem sua sensualidade e beleza. “Lembro muito bem quando foi que decidi que me tornaria atriz, que queria mostrar mais do meu trabalho. Com a decisão tomada, eu realmente aproveitei do status de símbolo sexual, agarrei as oportunidades que apareciam e corri atrás do que achava interessante. Não queriam, por exemplo, que eu fizesse o ‘TV Pirata’. Insisti tanto que entrei. Aí, depois não queriam me deixar fazer o ‘Tonhão’, porque eu tinha essa imagem da mulher bonita – como se eu não pudesse ser mais nada além disso! E foi justamente este o motivo que me fez querer tanto a personagem: eu acreditava muito que daria certo e que seria uma oportunidade para as pessoas me olharem de uma forma diferente. E deu muito certo mesmo! Com ‘Engraçadinha’, foi a mesma coisa”, atesta.

Com o objetivo claro de ser vista como uma artista múltipla e que não se deslumbrou com os encantos que a beleza natural ofereceram a ela, Claudia afirma ter conseguido “usar o sistema e subvertê-lo”. Segundo a cantora, a construção da sua reputação como artista foi um processo longo e que exigiu muita determinação pela quantidade desanimadora de “não” que recebeu. Obstinada a se firmar no audiovisual brasileiro, a resposta da estrela se dava através da não aceitação do “tipo de certeza que os outros traziam sobre” ela.

Sensualidade da mulher madura

Aos 56 anos, Claudia não deixa de mencionar a importância do olhar para a sensualidade e autoestima da mulher madura. Além de ser uma pauta que merece ser pensada e discutida pelo público.

Para mim, como uma mulher que está sob o holofote por causa do meu trabalho, é muito cruel muitas vezes como as pessoas opinam sobre a minha vida, as minhas escolhas, querendo dizer que não tenho mais idade para isso ou para aquilo. E eu tenho plena consciência de que isso não acontece só comigo. Não é uma questão individual, é uma questão social. Para a mulher, amadurecer é um tabu social – Claudia Raia

A estrela avalia que o envelhecimento é a única certeza que as pessoas têm nesta vida. Trata-se de uma expectativa e desejo comum: viver. Portanto, ela questiona como poderiam as mulheres desejar a longevidade, mas querer uma juventude eterna. Para Claudia, a conta “simplesmente não fecha”.

Eu realmente não entendo que ainda falemos em produtos e tratamentos anti-aging, por exemplo. Quero algo que some para mim, que seja a favor da minha idade. Não quero parecer como eu era aos 30. Quero ser a melhor Claudia Raia aos 56 anos – Claudia Raia

Em contrapartida, a atriz concorda que nem sempre é fácil pensar no sentido de uma aceitação mais amena do envelhecimento feminino. Afinal, o foco da mídia e do público está sempre direcionado para a idade das mulheres, sobretudo daquelas que trabalham no mercado cultural. Os apontamentos “estar velha demais”, “não aparentar a idade que tem” ou que “está bem aos tantos anos” apontam para um caminho de análise e julgamento constante da artista pela sua idade, corpo e aparência.

“Quando colocam nossa idade o tempo todo à frente, estão deixando de ver como somos, quais são nossos desejos, nossas vontades. Em vez disso, analisam sempre sob a ótica de alguém que não deveria estar fazendo aquilo, mas está. Isso é cansativo, desanimador muitas vezes. Mas é preciso sempre recuperar o fôlego e continuar falando sobre isso, chamando a atenção, explicando”.

Maternidade 

Acrescendo mais uma camada ao tópico “envelhecimento da mulher”, Cláudia recordou do alvoroço midiático diante de sua última gravidez, aos 55 anos. O filho dela com o ator Jarbas Homem de Mello, o pequeno Luca, nasceu em 11 de fevereiro. Juntos há mais de onze anos, o casal se empenhava na tentativa de uma fertilização in vitro quando a atriz descobriu que havia engravidado naturalmente.

“Luca foi um bebê muito amado e desejado. A opinião das pessoas não interferiu nisso. Não tenho como dizer que não foi difícil ver as pessoas julgando minha escolha, falando que eu não tinha mais idade para fazer isso. Mais uma face da nossa sociedade machista e etarista: Jarbas em nenhum momento foi questionado sobre isso, mesmo ele sendo pai pela primeira vez aos 53 anos”, pontua.

A dançarina Cláudia Raia diz ser muito comparada e julgada como artista madura (Foto: Renam Christofoletti)

“Quero ser a melhor Claudia Raia aos 56 anos” (Foto: Renam Christofoletti)

A artista disse ter tido sorte de ter pessoas por perto que a apoiaram, acolheram e ajudaram a dimensionar esses comentários. Esse suporte emocional foi essencial para que ela não passasse a se definir pelo que o público dizia sobre a gravidez. Como lição da maturidade, Claudia aprendeu que não era capaz de controlar o que os outros acham ou pensam sobre ela. A nova abordagem de vida foi perceber, ao longo da carreira, que os pensamentos e opiniões alheios não pertencem a ela. Ela se ateve a agir e viver da maneira que acredita serem as melhores para a saúde física, mental e emocional.