Em 2014, o mundo abriu os olhos para a esclerose lateral amiotrófica, a ELA. Na época, o desafio do balde de gelo viralizou e teve a participação de personalidades de todas as áreas. Dois anos depois, uma pesquisa feita com o dinheiro arrecadado com a campanha virtual, cerca de U$ 115 milhões, permitiu a descoberta de um gene relacionado à doença. Mas, assim como as pesquisas foram além da brincadeira do balde de gelo, o ator e diretor Paulo Verlings também decidiu se aprofundar nessa história. No começo do mês, ele estreou o espetáculo “Ela” no CCBB do Rio de Janeiro que traz a doença como pano de fundo.
Na peça, Paulo Verlings, que assina a direção do espetáculo, apresenta a ELA como um novo personagem na vida de um casal homossexual. De maneira leve e apaixonante, o enredo conta a história de Clara e Isabel que passam a ter que conviver com os novos desafios após o diagnóstico da doença. “A ELA era um assunto que me intrigava muito. Quando a Elizabeth (Monteiro), Carolina (Pismel) e Patrícia (Elizardo) me procuraram para eu dirigir um espetáculo delas, eu logo propus esse tema. Foi então que, ao lado da Marcia Zanelatto, que escreveu a peça, começamos a desenvolver um material de pesquisas sobre o assunto muito grande”, lembrou.
Para esta abordagem, Paulo contou que escolheu o amor e a arte como engrenagens. Na história, a dança e o sentimento puro deste casal ajudam a abordar a doença de forma legítima e poética. Em “Ela”, o diagnóstico da esclerose lateral amiotrófica é o principal destaque e, segundo Paulo Verlings, a homossuxalidade do casal fica apenas em segundo plano. “Nós nem levantamos essa causa na peça. Ter um casal de mulheres como protagonistas é algo consolidado para o enredo e que não aparece como questão para a história. É algo estabelecido que tem apenas consequências por causa da doença, como a questão da maternidade”, explicou o diretor.
Com uma longa e brilhante carreira no teatro, “Ela” é a segunda experiência de Paulo Verlings como diretor. Na posição, o também ator reconheceu a importância de atuar em ambos os lados. Segundo ele, a dupla jornada tem reflexos positivos em seus trabalhos e permite dominar mais o set e os palcos. “Como diretor, eu me sinto o maestro que preciso organizar e pôr em ordem toda uma orquestra. Então, tenho que estar sempre atento a diversos detalhes e fazer o passo a passo de diferentes áreas de uma peça, seja na estética, produção ou bastidor. Mas é uma experiência maravilhosa. Ser diretor transforma meu trabalho como ator e me fez ser um profissional melhor e com mais paciência. Afinal, quando eu sou esse maestro, tenho que conviver com a ebulição de pensamentos de diferentes pessoas”, analisou Paulo que no espetáculo “Ela” dirige a própria mulher, a atriz Carolina Pismel.
Só que, neste momento de crise que o país passa, fazer teatro se tronou um exercício de amor à arte e resistência. Paulo, por exemplo, colocou o projeto de pé sem qualquer patrocínio e em um período em que o Rio de Janeiro passa por uma grave crise econômica e cultural. Inclusive, em seu Instagram, Paulo já fez um protesto contra o atual prefeito da cidade, Marcelo Crivella, que ainda não pagou o edital deste ano aprovado pela gestão anterior. “No governo passado, o Eduardo Paes assinou um edital que garantia o pagamento de R$ 25 milhões por 200 espetáculos culturais na cidade. Agora, com o novo prefeito, além de não termos recebido esse dinheiro, estamos sem nenhuma resposta do que irá acontecer”, contestou o ator e diretor que revelou estar participando de uma discussão com órgãos públicos do Rio de Janeiro a possibilidade de uma lei que garanta esse incentivo à produção artística carioca. “Em um edital, a gestão seguinte pode afirmar que não tem dinheiro e descumprir o acordo do prefeito anterior. Mas, se tornarmos isso uma lei, fica mais difícil”, explicou.
Porém, de longe, este não é um problema que se restringe à cidade do Rio de Janeiro. Por todo o Brasil, a arte vem sendo subvalorizada pelos governantes e tratada com descaso, como avaliou Paulo Verlings. Para ele, o poder público não reconhece a importância da cultura na formação dos jovens brasileiros. “A arte é necessária para a gente formar melhores cidadãos. Assim como a educação, que é a base de qualquer sociedade. Eu entendo que o país está em crise e que gastos precisam ser revistos. Mas, nesses casos, eles estão sendo simplesmente eliminados. Precisamos entender que temos que saber mexer, e não só cortar. Esse descaso não é justificado de nenhuma maneira”, argumentou Paulo que também destacou a importância do diálogo. “O governo não quer nem se abrir para uma conversa. Eu gostaria de poder chegar para eles e explicar que a cultura não é algo sem importância, como acham. Mas não existe diálogo”, completou.
E este posicionamento aberto e claro de Paulo Verlings não se restringe ao assunto cultural brasileiro. Em suas redes sociais, o ator é um daqueles personagens da vida real que mergulham em suas causas e defendem seus pontos de vista, independentemente da repercussão. Inclusive, junto de uma dezena de outros artistas, Paulo participou de uma campanha contra a reforma trabalhista e da previdência no último 1º de maio, dia do trabalhador. Para ele, ser pessoa pública não é sinônimo de se fechar às indignações modernas. “Antes de tudo, eu sou cidadão brasileiro. Assim como toda a população, eu também pago os meus impostos e me preocupo com os rumos do país. O fato de eu ser artista e uma pessoa pública não minimiza a minha luta e, por isso, gosto sempre se esclarecer as minhas opiniões”, disse Paulo Verlings que defende a valorização da nossa democracia nacional. “A população precisa ser ouvida e consultada sobre todos esses projetos que querem aprovar. São decisões que impactam milhões de pessoas”, afirmou.
No entanto – ainda bem –, Paulo Verlings tem energia e disposição para muito mais. Mais que teatro, luta política e defesa de sua cidadania, o ator ainda garante boas gargalhadas ao público de “Rock Story”. No ar como Romildo na novela das 19h da Globo, Paulo vai do luxo ao lixo ao abordar questões sérias, como o tráfico internacional de drogas, com humor. Atrapalhado, seu personagem acaba transformando grandes aventuras e picaretagem em cenas divertidas e que fazem sucesso com o público. “Esse é um personagem que me permite transitar em um carrossel de emoções e sentimentos. Quando me deram a sinopse, eu vi que seria um desafio falar de alguns assuntos fazendo parte do núcleo de humor da novela”, contou Paulo que definiu seu personagem como nonsense. “Os conflitos que ele vive chegam a ser patéticos. Porém, eu acredito que isso que gere identificação do público com a história dele. Quando é feito com verdade, tudo fica mais fácil”, acrescentou.
Para o futuro, Paulo Verlings tem mais projetos para o teatro. Em breve, o ator começa a ensaiar o espetáculo “Fevereiro”, que também terá Luís Melo e Carolina Pismel no elenco. Nesta peça, a história irá narrar o caso de amor de dois irmãos que não podem viver esse sentimento por causa da pressão do pai e da sociedade. Com estreia marcada para o CCBB de Belo Horizonte, Pulo Verlings adiantou que o projeto também ficará em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Serviço: “Ela”
Temporada: de 05 a 28 de maio, de quarta-feira a domingo
Local: CCBB – Teatro III
Rua Primeiro de Março, 66 – Centro
Horário: 19h30
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