Crítica Teatral: Rodrigo Monteiro analisa a peça “Não Vamos Pagar”. “Deliciosa comédia com texto de Dario Fo e Franca Rame”


Na história, duas mulheres se envolvem em um protesto de donas de casa contra o aumento dos preços dos produtos dentro de um supermercado, levando para casa alguns produtos sem pagar

* Por Rodrigo Monteiro

“Não vamos pagar” é uma deliciosa comédia que está em cartaz no Teatro do Sesi, no centro do Rio, até 14 de maio. O texto foi escrito pelo casal italiano Dario Fo (Prêmio Nobel de Literatura em 1997) e sua esposa Franca Rame (1954-2013) em 1974. Na história, duas mulheres se envolvem em um protesto de donas de casa contra o aumento dos preços dos produtos dentro de um supermercado, levando para casa alguns produtos sem pagar. A crise na fábrica onde trabalham seus maridos e as buscas da polícia na vizinhança estruturam uma situação cheia de entradas e saídas, perseguições e segredos revelados em muita confusão. O público gargalha! Dirigida por Inez Viana, a comédia tem Guilherme Piva, Elisa Pinheiro, André Dale, Zéu Brito e Virgínia Cavendish no elenco, essa última a idealizadora do projeto. O período de discussão política que o Brasil vive nesse período é contexto ideal para assistir a esse excelente espetáculo. Nele, o riso não substitui a reflexão, mas talvez até a qualifique!

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(Foto: Divulgação)

“Non si paga! Non si paga!” foi levado à cena tão logo foi escrito por Fo e por Rame no grupo Colletivo Teatrale La Comune, fazendo muito sucesso na Itália e ganhando o mundo. No Brasil, sob o título de “Pegue e não pague”, foi dirigido e protagonizado por Gianfrancesco Guarnieri, em 1981, com Renato Borghi, Bete Mendes, Regina Viana e Herson Capri no elenco. Cinco anos depois, Dina Sfat (1938-1989) estava ensaiando “Ninguém paga, ninguém paga!” quando descobriu-se doente. A montagem, dirigida por Celso Nunes, foi a última produzida por ela, sem infelizmente a sua atuação.

A peça começa com Antônia (Virgínia Cavendish) contando para sua amiga Margarida (Elisa Pinheiro) o que aconteceu enquanto fazia compras no supermercado. O nova taxação de preços irritou as donas de casa presentes, um tumulto começou e o local foi saqueado. Antônia, assim, trouxe vários produtos roubados, alguns dois quais estranhos à sua rotina: como comida para cães e alpiste para canário. Agora, ela precisa esconder esses mantimentos, pois seu marido João (Guilherme Piva) é um homem de valores muito restritos e não gostará nem um pouco da história. Embora relutante, Margarida topa ajudá-la, mas a coisa se complica quando inesperadamente Luís (André Dale), seu marido, volta do trabalho mais cedo. Começa aí um corre-corre entre as esposas e o marido e de todos contra as investidas da polícia (Zéu Brito), em que sobra força, mas falta cérebro.

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(Foto: Divulgação)

É em João que a maior transformação da história acontece. No original, seu personagem foi escrito como uma espécie de comunista conservador: determinado a lutar pelas causas sociais e definitivamente contrário ao consumismo capitalista e à desordem. Em questão, está, de um lado, o ideal filosófico de sociedade desapegado das realidades cotidianas representado por ele. De outro, as dificuldades do dia a dia – contas vencidas, dinheiro escasso, comportamentos em transformação – representadas por Antônia. Na tradução de José Almino, a referência à sociedade comunista (provavelmente clara aos espectadores italianos do meio dos anos 70) desapareceu. Em seu lugar, entrou uma concepção mais pantanosa do personagem que reflete a complexidade dos nossos dias e da nossa cultura. É quase impossível, afinal de contas, identificar um governo de esquerda ou de direita por aqui.

Assim, o texto de “Não vamos pagar” enfrenta hoje um dilema que talvez não tenha sido tão problemático há 40 anos: em que circunstância o roubo é permitido? É enorme o mérito dessa montagem em enfrentar essa difícil questão com tanto êxito. Ela substitui, através da comédia de vaudeville, a ação específica que deu origem à toda a narrativa pelo conjunto de valores que a circunda. Em cartaz desde outubro de 2014, quando ainda estavam quentes as reinvindicações sociais do inverno de 2013, eis aqui uma proposta divertida e inteligente que tem tudo a ver com o momento atual.

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(Foto: Divulgação)

A direção de Inez Viana, assistida por Luis Antônio Fortes, tem resultado excelente sobretudo no ritmo ágil com que a narrativa se estabelece. As cenas são fluídas, as situações claras, os contextos sempre dispostos a surpreender e manter firme a atenção do público. O cenário de Omar Salomão, talvez atendendo à necessidade da peça em abandonar o realismo mais político e falar de realidade através do nonsense, abre campo para a teatralidade. A casa de João e de Antônia é representada por tapumes de madeira e módulos que, dentro do conceito, têm várias funcionalidades. O figurino de Juli Videla dá conta do realismo, a direção musical de Ricco Viana auxilia no ritmo e no estabelecimento da graça e a iluminação de Renato Machado enaltece os aspectos visuais, participando da narrativa de modo invisível nas cenas mais realistas e aparente quando o conceito estético da peça precisa ser ratificado.

Todos os trabalhos de interpretação são ótimos. Zéu Brito (sargento, capitão e pai de Antônia) investe mais na caricatura, Guilherme Piva (João) no naturalismo. Virgínia Cavendish (Antônia), André Dale (Luís) e Elisa Pinheiro (Margarida) equilibram a encenação ora mais para um lado, ora para outro. Em todos, vê-se claramente um jogo profícuo entre si e com o público que é vibrante. Ele é responsável juntamente com o todo pelos muitos méritos do espetáculo.

Muito raramente se encontra uma comédia tão boa quanto “Não vamos pagar” em cartaz no Rio de Janeiro apesar da programação teatral daqui ter outra fama. Essa peça é imperdível!

Leia também: Atriz e produtora no espetáculo “Não vamos pagar!”, Virgínia Cavendish traça um paralelo entre a trama e o momento político brasileiro atual
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Serviço:
Não vamos pagar! – Teatro Sesi Centro
Temporada: 24 de março a 14 de maio
Horário: Quintas e sextas-feiras às 19h30min e sábado às 19h
Local: Av. Graça Aranha, 01, Cinelândia – Centro.
Capacidade: 350 lugares
Duração: 100 minutos
Classificação indicativa: 16 anos. Menores de 16 podem entrar acompanhados de responsável, mediante preenchimento de autorização diretamente no teatro.
Gênero: Comédia
Mais informações: 21 2563-4163
Valores: R$ 34 (inteira) e R$ 17 (meia)
Ponto de Venda: Bilheteria, segunda a sexta-feira, das 12h às 20h. Sábados e feriados, quando houver espetáculo, duas horas antes.
Site oficial da peça: www.naovamospagar.com.br

Ficha Técnica:
Idealização: Virginia Cavendish
Autoria: Dario Fo
Tradução: José Almino
Direção: Inez Viana
Elenco: Virginia Cavendish (Antônia), Guilherme Piva (João), Elisa Pinheiro (Margarida), George Sauma | André Dale (Luís) e Zéu Britto (sargento, capitão e pai).
Stand in: Luisa Arraes (Margarida)
Iluminação: Renato Machado
Direção musical: Ricco Vianna
Figurino: Juli Videla
Cenário: Omar Salomão
Cenotécnia: André Salles
Operação de luz e som: Jorge Maciel Filho
Camarim e contrarregragem: Marcelo Gomes e Cedelir Martinusso
Design gráfico e fotos de divulgação: Omar Salomão
Assistência de direção: Luis Antonio Fortes
Assistência de figurinos: Alessandra Padilha
Assistência de produção: Bruno Fagotti
Produção executiva | Direção de produção: Virginia Cavendish
Realização: Casa Fortes Produções

*Rodrigo Monteiro é nosso crítico teatral e dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.