Crítica Teatral: Rodrigo Monteiro analisa “O Livro Dos Monstros Guardados”. “João Fonseca dirige nova montagem de premiado texto de Rafael Primot”


Como são positivos os trabalhos de todo o grupo, crescem os méritos do quadro como um todo. Isso é, sem dúvida, mérito da direção de João Fonseca, sempre hábil articular os elementos narrativos em uma concepção bem definida.

* Por Rodrigo Monteiro

“O livro dos monstros guardados”, de Rafael Primot, ganhou segunda montagem e está em cartaz no Teatro do Centro Cultural da Justiça Federal, na Cinelândia, até o início de fevereiro. Escrito em 2005 por Rafael Primot, o texto já foi encenado em 2009 sob direção de Zé Henrique de Paula. Na ocasião, o dramaturgo recebeu os prêmios Shell-São Paulo e CPT (Cooperativa de Teatro Paulista) de Melhor Autor por esse trabalho. A versão atual é dirigida por João Fonseca e por Primot. No elenco, além do próprio Rafael Primot (Max), Carolina Pismel (Magali), Erom Cordeiro (Mojo), Guilherme Gonzalez (Maurício), Jefferson Schoroeder (Milton), Laila Zaid (Madá) e Leandro Daniel Colombo (Mestre M) apresentam bons trabalhos de interpretação. Tratam-se de sete monólogos justapostos sobre a precariedade humana. Vale a pena ser visto.

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Madá (Laila Zaid) trabalha em um serviço de atendimento viva voz, ouvindo pessoas que telefonam para relatar o que vêm sentindo. Cansada de apenas ouvi-las, ela passa a fazer algo que possa ajudá-las de um modo mais efetivo segundo sua própria opinião. E assim começa a fazer crimes, acreditando salvar o mundo com eles. Magali (Carolina Pismel) é uma garotinha cujos pais acabaram de se separar. Vivendo os primeiros desafios da pré-adolescência, ela toma sozinha e em segredo decisões importantes sobre a sua vida. Milton (Jefferson Schroeder) é um jovem senhor maníaco por limpeza que se casa com uma jovem aparentemente com os mesmos posicionamentos que ele. O modo metódico através do qual ele interage com o mundo revela o prazer que ele sente em estar livre da sujeira. Maurício (Maurício Gonzalez) é um garotinho que tem problemas de bexiga. No caminho de sua escola para casa, há senhora que está sempre observando algo através de sua janela. Ele a observa e fica curioso para saber o que a intriga.

Mestre M (Leandro Daniel Colombo) é um pai de família que esconde de todo mundo sua preferência por sexo sado-masoquista. Mojo (Erom Cordeiro), personagem do conto “Manual para atropelar cachorro”, de Daniel Galera, é um rapaz que trabalha em uma videolocadora. Para se livrar do estresse, ele sai à noite de carro, procurando por cachorros a fim de atropelá-los. Max (Rafael Primot), personagem do conto “O voo das ovelhas”, de Daniel Pelizzari, acredita apenas interpretar um louco, sendo psicologicamente são, para continuar morando em um sanatório. Nos intervalos da visita anual de sua mãe, ele cria personagens.

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No texto, os monólogos aparecem aos poucos e, lá pelas tantas, há algumas pistas de que pelo menos alguns deles vão se relacionar entre si de alguma forma. Desde então, a curiosidade deixa de ser o universo de cada um, mas se destina ao modo como essa possível relação pode se dar. Ao final, a estratégia parece ser mais interessante do que as peças em si, o que gera alguma frustração. Fora a letra inicial M em todos os nomes e um universo particular que cada um mantém, há pouco além de uma bela construção de personagem.

O aspecto mais positivo de “O livro dos monstros guardados” é o fato de que todos os trabalhos de interpretação são positivos. De um modo geral, mas também em cada parte, os atores aproveitam as oportunidades para gerar atenção do público por sobre a história que está sendo apresentada. Pequenas ações, como o aumento de uma pausa, uma intenção mais clara ou um gesto mais pontual, fazem com que o texto fique mais interessante. Como são positivos os trabalhos de todo o grupo, crescem os méritos do quadro como um todo. Isso é, sem dúvida, mérito da direção de João Fonseca, sempre hábil articular os elementos narrativos em uma concepção bem definida.

O cenário e os figurinos de Nello Marrese parecem estar positivamente dispostos a manter próximos os personagens do público. A iluminação de Adriana Ortiz colabora bem com a defesa de momentos individuais com sutil participação do coletivo. A trilha sonora do autor e do diretor participa bem da apresentação da narrativa.

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Na dramaturgia de “O livro dos monstros guardados” , não há uma única marca que assegure alguma relação entre os personagens: é a audiência que, observando algumas similaridades, faz as pontes e imagina algum parentesco ou alguma proximidade entre eles. Não havendo contracenas, a justaposição dos monólogos faz do espetáculo uma sugestão para o retrato complexo da humanidade que a dramaturgia bem apresenta. É uma peça em que se revela o universo íntimo, esse tão apaixonante por qualquer um que tenha apreço por sua espécie.

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Ficha técnica:
Texto: Rafael Primot
Direção: João Fonseca e Rafael Primot
Elenco: Carolina Pismel, Erom Cordeiro, GuilhermeGonzalez, Jefferson Schroeder, Laila Zaid, Leandro Daniel e Rafael Primot
Cenário e Figurino: Nello Marrese
Iluminação: Adriana Ortiz
Trilha Sonora: João Fonseca e Rafael Primot
Sound Design: Andre Aquino
Direção de Produção: Giba Ka
Produção Executiva: Letícia Napole
Assistente de direção: Philipe Carneiro
Assistente de cenografia: Maria Estephania
Assistente de figurino: Gustavo Henrique
Assistentes de produção: Julio Rosemberg e Sergio Dias
Operador de som e Diretor de Palco: Tallys Moreno
Operador de luz: Robson Cruz
Design Gráfico: Letícia Andrade
Fotografia: Leo Viana
Assessoria de Imprensa: JSPontes
Realização: Dois Pontos Produções e 5 Letras Produções Artísticas

Serviço

Onde: Centro Cultural Justiça Federal
Quando: Até 4 fev 2016 qua e qui 19:00
Quanto: R$ 30.00

* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.