*Por Rodrigo Monteiro
“Nu de botas” é o novo excelente espetáculo dirigido por Cristina Moura que tem dramaturgia dela e de Pedro Brício, com ele, Isabel Gueron, Inez Viana, Renato Linhares e Thiare Maia Amaral no elenco. A peça é baseada na obra “Nu, de botas”, do jovem escritor paulista Antonio Prata, publicada no fim de 2013. Ao longo da sessão, os atores oferecem um mergulho na infância: os primeiros sabores, o prazer de descobrir o mundo, o tamanho dos pais, os medos, as curiosidades, as decisões. Com excelentes atuações, a produção se situa como um dos pontos mais altos da programação teatral carioca nessa primavera. Fica em cartaz até o próximo domingo, dia 16 de outubro, no Teatro III do Centro Cultural do Banco do Brasil, na região central do Rio de Janeiro. Valeapeníssima ver!
Um dos aspectos mais interessantes de “Nu de botas” é a dramaturgia. Cristina Moura e Pedro Brício adaptaram as histórias do livro de Antônio Prata, procurando ressaltar, nas palavras originais, pontos de conflitos que fossem interessantes à cena. Desapegadas do papel, elas ganharam, no palco, um todo que é cheio de complexidade. Em meio a ele, o espectador do teatro pode perceber o embate entre os personagens, as situações controversas e também a realidade em que a encenação se dá. Tratam-se de cinco atores adultos interpretando, diante de um público também adulto, crianças que descobrem o mundo. Elas, no entanto, são imaginárias, pois nem os adultos que lhas interpretam e nem aqueles que lhas assistem chegam jamais a sua totalidade. É nessa busca do elenco e da audiência que o espetáculo se organiza, nos enormes méritos dessa investigação. Eis aqui um delicioso convite para cada um redescobrir a criança que há (ou houve) dentro da gente: seu olhar original por sobre o mundo, o sabor de quem experimenta as coisas pela primeira vez, a coragem e o medo de quem quase não tem do que se lembrar mas sabe que há muito para viver.
Ao longo da peça, Inez Viana, Isabel Gueron, Thiare Maia, Pedro Brício e Renato Linhares, todos em excelentes trabalhos de interpretação, oferecem ao texto a chance de ele ser o responsável maior por toda a situação dramática em que seus personagens se encontram. É através unicamente das frases ditas que se sabe quem eles são, onde estão, fazendo o quê e quais as questões envolvidas. No entanto, as falas surgem inseridas em um conjunto de corpo, voz e de relações temporais e espaciais próprias de modo que elas entram em choque. Tentando relacionar o que está sendo dito com o como o texto está sendo dito, o espectador vai assumindo seu papel de participante na construção do sentido: um personagem a mais que é acolhido pelos primeiros.
Na direção de Cristina Moura, os personagens dividem um espaço comum zoneado por diferentes traços (um banheiro, uma escada, um armário, uma banheira, zonas neutras), mas cujos limites são invisíveis. E reconhecê-los é outro compromisso do espectador participante. Durante boa parte da peça, ficam as dúvidas sobre quantos e quem são os personagens. De repente, porém, se percebe que, em “Nu de botas”, há melhor uma dissertação sobre a infância e que, portanto, as várias narrativas aparentemente soltas são, na verdade, partes de argumentos em prol de uma tese bem maior. Nesse momento, o espetáculo se vira para o público como se fosse um espelho que perguntasse: “quem foi a sua criança?”. Ao terminar, a plateia vai embora com outra peça ainda em andamento em sua cabeça. Excelente!
Inez Viana, Isabel Gueron, Thiare Maia, Pedro Brício e Renato Linhares usam as palavras muito bem. Gestos, movimentos, intenções são claras e potentes. Seus silêncios também participam bem da ação em que se alternam monólogos e diálogos em um jogo capaz de oferecer belas imagens e reflexões profundas, além de muita graça e emoção. Aqui, como raramente acontece, se destaca valorosamente o conjunto todo.
No cenário da Radiográficos, identificam-se objetos capazes de promover as diferentes zonas do espaço, mas há, sobre essas marcas, um esforço de apagamento delas. Isso faz com que emerja os personagens, os donos verdadeiros da ação. Através dos seus figurinos, Ticiana Passos é quem dá a cor de “Nu de botas”, elevando os méritos da obra na oferta de um panorama visualmente bonito, mas também muito interessante. A luz de Francisco Rocha e a direção musical de Domenico Lancelotti são outros dois elementos que colaboram para o sucesso do quadro com delicadeza e refinamento.
“Nu de botas” dá vontade de ver várias vezes! Aplausos!
*
SERVIÇO:
Onde: Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil
Quando: Sexta, sábado e domingo às 19h30 (Até dia 16/10)
Quanto: R$20 e meia R$10
FICHA TÉCNICA:
Baseado na obra de Antonio Prata
Direção, Criação e idealização: Cristina Moura
Dramaturgia: Cristina Moura e Pedro Brício
Criação e interpretação: Inez Viana, Isabel Gueron, Pedro Brício, Renato Linhares e Thiare Maia Amaral
Cenografia e design gráfico: Radiográficos
Figurinos: Ticiana Passos
Direção Musical: Domenico Lancelotti
Iluminação: Francisco Rocha
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Fotos: Maria Estephania
*Rodrigo Monteiro é nosso crítico teatral e dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.
Artigos relacionados