*Por Rodrigo Monteiro
“Meu passado me condena – A peça” é o maior sucesso do teatro no verão carioca de 2016. A montagem, dirigida por Inez Viana com texto de Tati Bernardi, tem tido sessões lotadas no Teatro das Artes no Shopping da Gávea, confirmando a preferência do grande público da cidade por comédias. No elenco, Fábio Porchat e Miá Mello repetem os personagens da série de TV e do filme homônimos. Com os mesmos nomes dos atores que os interpretam, os personagens Fábio e Miá se conheceram em uma fila de banheiro e se casaram um mês depois. O público assiste à noite de núpcias do casal, quando eles de fato se conhecem e decidem se valerá a pena continuar juntos. Um espetáculo engraçado!
“Meu passado me condena”, com roteiro de Tati Bernardi e direção de Júlia Rezende, foi uma série de sucesso no canal de televisão por assinatura Multishow que estreou em 2012. Um ano depois, veio o filme com a mesma equipe. Em 2015, foi lançada a continuação. Os números de Ibope e de bilheteria revelam o modo positivo com que o público brasileiro recebeu as produções. De alguma maneira, a narrativa corresponde às expectativas dos espectadores, conversa com eles, com seus anseios, reflexões e valores. Nesse sentido, a obra pode ser analisada como um tipo de retrato – parcial, mas sólido – da contemporaneidade, o que é um enorme mérito.
De início, a dramaturgia de Tati Bernardi reforça os preconceitos iniciais, mas talvez com vistas a não criar barreiras a quem está conhecendo os personagens. Fábio se casa porque acha Miá sexualmente atraente, ela porque tem medo de envelhecer ainda solteira. Ele é financeiramente mais limitado que ela, Miá é intelectualmente mais complexa que Fábio. Quando a história começa, os dois estão chegando da festa de casamento ao quitinete em Copacabana que ele comprou para ambos morarem. Há caixas por todos os lados, a cama ainda não chegou e os dois precisam fazer hora antes de pegar o voo que os levará para a lua de mel. É aí que o conflito começa.
Pouco a pouco, com habilidade, o texto oferece nuances que distanciam a narrativa da ratificação de estereótipos. O tema da vida sexual pregressa de ambos vem à baila, revelando problemáticas bem atuais. Questões familiares, sociais e religiosas também, deixando ver o jeito leve com que parcela de nossa sociedade (felizmente) encara esses assuntos apesar de seus aspectos mais sérios.
Sem dúvida o maior mérito do texto é jeito como a história caminha, alternando-se em nuances diferentes. Bernardi renova o fôlego da narrativa para além apesar de não haver nem mudanças de cenário ou de figurino, nem entradas e saídas de terceiros personagens. Dadas as dificuldades disso, eis aqui um ponto positivo a se destacar entre outros. Mais que tudo, o público se diverte e qualquer pessoa que gosta de teatro aplaude uma plateia lotada e não só a peça que ela confere.
No que diz respeito às interpretações, Fábio Porchat tem problemas de dicção e investe pouco em novas modulações de energia, de corpo e de voz. Fixo no personagem que a fama lhe consagrou, em “Meu passado me condena – A peça”, ele experimenta nada. No entanto, como numerosos comediantes que nossa história acumula, seu carisma é enorme. Acrescenta-se ainda sua indiscutível inteligência cênica, essa que nota através de uma soberba noção de ritmo aqui. Miá Mello, aproveitando melhor as oportunidades, defende com zelo e potência seu direito de brilhar ao lado de Porchat, ganhando no teatro os mesmos elogios a ela já feitos por suas atuações nesse personagem na TV e no cinema. Os dois formam uma bela dupla!
Em “Meu passado me condena – A peça”, os aspectos estéticos também são positivos. Visualmente, o espetáculo é muito simples, mas isso não quer dizer que não tenha havido concepção, planejamento e controle de viabilização. Enorme quantidade de caixas de papelão dominam o ambiente no cenário de Aurora dos Campos, que representa um apartamento recém ocupado. Uma estrutura de madeira delimita o espaço, fechando e concentrando o quadro dentro do palco do Teatro das Artes. No figurino de Juli Videla e na luz de Tomás Ribas, não há grandes destaques e na trilha sonora de Marcelo Alonso Neves também não, mas a montagem atende bem às necessidades da narrativa.
Em sua sétima direção, Inez Viana, aqui assistida por Junior Dantas, assina a responsabilidade pela elogiosa encenação dessa comédia, existente na TV e no cinema, mas que agora se encontra com o teatro. “Meu passado me condena – A peça” vale a pena ser visto e é digna da numerosa plateia que tem recebido no Rio de Janeiro e que há de ganhar outros palcos pelo país.
Ficha Técnica
Elenco: Fábio Porchat e Mia Mello
Texto: Tati Bernardi
Direção: Inez Viana
Assistente de direção: Júnior Dantas
Direção Musical e Trilhas: Marcelo Alonso Neves
Iluminação: Tomás Ribas
Cenografia: Aurora dos Campos
Assistente de cenografia: Julia Saldanha
Figurinos: Juli Videla
Assistente de figurinos: Alessandra Padilha
Arte e design: Marcos Guimarães
Assessoria de Imprensa: Luiz Mena Barreto
Produção executiva: Ricardo Almeida (Rick)
Diretor de produção: Sergio Sayd
Realização: Sayd Empreendimentos Culturais
*Rodrigo Monteiro é nosso crítico teatral e dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.
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