“Ghost – O musical” é a versão para teatro do celebrado filme de 1990. Ela é, por aqui, facilmente dirigida por José Possi Neto com esforçada versão brasileira de Ricardo Marques, que também assina a produção através da 4Act Performing Arts, essa uma das primeiras escolas de teatro musical do país. A montagem, em que o papel no cinema de Patrick Swayze é interpretado por André Loddi sem destaque, tem enormes méritos nos trabalhos de Giulia Nadruz e principalmente de Ludmillah Anjos que interpretam os personagens que foram de Demi Moore e de Whoppi Goldberg respectivamente. O melhor de tudo continua sendo o ótimo roteiro de Bruce Joel Rubin que sobrevive às não mais que boas canções de Dave Stewart e de Glen Ballard. O espetáculo fica em cartaz até dezembro no Teatro Bradesco na zona oeste de São Paulo.
Na história, o bancário Sam (André Loddi) e a ceramista Molly (Giulia Nadruz) são um casal de namorados que, no início da peça, se mudam para o Brooklyn. Situado a leste de Manhattan, é um distrito enorme, com dois milhões e meio de habitantes e mais de 170 estações de metrô sobre o qual não é possível generalizar. Em “Ghost”, no entanto, ele é tido como uma região perigosa, o que faz Carl (Igor Miranda), colega de Sam, temer pela escolha do casal amigo de morar lá. A narrativa começa quando, vítima de um assalto, Sam é assassinado, ficando seu espírito junto ao corpo como testemunha do próprio funeral. Aos poucos, ele descobre informações mais complexas sobre a verdade por trás de sua morte e, sem conseguir se comunicar com o mundo dos vivos, enfrenta o conflito de ter que proteger Molly contra destino similar ao seu.
No roteiro bastante clássico de Bruce Joel Rubin, Sam recebe ajuda de um espírito como ele (Rafael Machado) e de uma pessoa viva, a vidente Oda Mae Brown (Ludmillah Anjos). Filha de médiuns, até ouvir a voz de Sam, ela nunca tinha se comunicado verdadeiramente com o além, ganhando a vida encenando algo que ela mesma acreditava ser uma farsa. Através desses personagens, o desafio de Sam vai parecendo menos inalcançável e sua vitória mais esperada positivamente por quem assiste. Em 1990, o filme recebeu três indicações e um Globo de Ouro (Whoopi Goldberg) e cinco indicações e dois Oscar (Goldberg e Melhor Roteiro). A canção “Unchained Melody”, escrita por Alex North e por Hy Zaret para um filme desconhecido de 1955, já era considerada um clássico do repertório da música popular americana, mas, depois de “Ghost”, atingiu sucesso internacional incalculável.
Em 2011, com dramaturgia do mesmo roteirista do filme, houve a primeira versão para teatro musical de “Ghost”. Com músicas e letras dos pouco experientes (no gênero) Dave Stewart e de Glen Ballard (que escreveu o musical “De volta para o futuro” que ainda não estreou), ela foi lançada em Manchester, no oeste da Inglaterra, e, em seguida, em Londres, onde fez enorme sucesso por dezoito meses. O mesmo não aconteceu na Broadway. A peça lá estreou em abril de 2012 e saiu de cartaz depois de quatro meses, tendo sido destruída pela crítica que a considerou melosa demais. Ao Tony, recebeu apenas três indicações sem chances naquele ano: cenário, luz e Melhor Atriz Coadjuvante para Da’Vine Joy Randolph, que interpretava Oda Mae Brown em seu primeiro (e único até agora) papel relevante. Ricardo Marques, que já produziu “Fame – O musical” no Brasil, assina com coragem sua terceira produção de espetáculo de grande porte e dá sinais de uma carreira meritosa por isso.
Como negativamente tem acontecido com frequência, a direção de José Possi Neto, nesse espetáculo, vai pelo caminho mais fácil em uma preguiçosa repetição do modelo. Os atores ficam virados para frente em quase toda a encenação, entradas e saídas de alguns elementos cenográficos que vêm de cima ou dos lados precisam dar conta da articulação das cenas, videografismos toscos se esforçam em melhorar o péssimo cenário e agudos apoteóticos têm a tarefa de, querendo valorizar a música (ou a defesa delas), garantir o ritmo. É como se, para Possi Neto, fosse fácil fazer um grande espetáculo como esse a partir da simples justaposição de várias ações isoladas que, em conjunto, poderiam oferecer o mínimo de aplauso. Isso não é outra coisa que não um barateio do projeto.
Apoiados respectivamente na habilidade para a dança e na importância do personagem para a narrativa, Rafael Machado (o Fantasma do Trem) e Igor Miranda (Carl) quase não trazem nada de relevante aos personagens em atuações mecânicas e sem vida. Dentro das poucas possibilidades, o mesmo não se vê no coro e em Franco Kuster (o assaltante Willie) que visivelmente procuram explorar oportunidades com galhardia. André Loddi (Sam), no papel protagonista, sofre com uma voz mais grave em partitura cheia de agudos, mantendo seu grande carisma e a riqueza do personagem no coração do público.
Giulia Nadruz (Molly) apresenta um belíssimo trabalho em “Ghost – O musical”. Sua personagem é difícil devido ao seu excesso de regularidade: ela aparece feliz na abertura da peça e depois, quase sem variações, guarda o luto. Esse desafio torna a vitória da intérprete ainda mais saboroso. Em primeiro lugar, Nadruz tem uma encantadora voz lindamente bem afeiçoada à personagem. Depois, a redução positiva de movimentos – em um elogio à direção –, impondo à atriz maior responsabilidade no canto, não só não é prejudicial, mas parece ser seu valor maior. Tensiona-se assim a ação com vistas às explosões que aparecem no início e no fim da encenação.
Para além de tudo, ao lado dos méritos do roteiro, está a participação de Ludmillah Anjos (Oda Mae Brown). Ela, considerada a coragem inicial do feito, dá vida no teatro a um personagem que deu à Whoopi Goldberg o seu segundo Globo de Ouro e único Oscar e à Da’Vine Joy Randolph a indicação ao Tony. Se há referências a esses trabalhos na composição da personagem por essa atriz, há muita originalidade nela também. Excelente potência e afinação vocal, vibrante ritmo para a comédia e íntima relação com o público, são dela os mais sonoros aplausos da plateia paulista. Eis um delicioso trabalho de destaque!
“Ghost – O musical”, como já dito acima, tem más contribuições do cenário de Renato Theobaldo e de Beto Rolnik e do videografismo de Zachary Borovay. Móveis isolados estão ao lado de construções de extremo mal gosto que parecem querer cumprir sua função de qualquer jeito. Destacam-se negativamente a sala de trabalho de Carl e o consultório de Mae Brow, esse que mais parece um cenário de “O Rei Leão” estranhamente. Esses quadros não são piores, porém, que uma estrutura de ferro coberta de pano que entra em pseudo-stravaganza em um número de Brown. A baixíssima definição dos vídeos projetados depõe contra o todo ao longo de toda a encenação.
O desenho de luz de Paul Miller está longe de aproveitar as possibilidades do Teatro Bradesco e, nesse mesmo sentido, o desenho de som de Gabriel D’Ângelo e de Gabriel Bocutti prejudica o trabalho dos atores, sobretudo o de André Loddi. As vozes do coro parecem estar no mesmo nível que as dos protagonistas de modo que as frases principais das canções frequentemente se embaralham com as outras. O figurino de Miko Hashimoto e o visagismo de Simone Momo são os elementos estéticos com melhores resultados. Vale citar a caracterização de Mae Brown e o figurino final de Sam, esse último com enorme participação no ápice da narrativa.
Quanto à versão brasileira de Ricardo Marques, há uma confusão cronológica. Em dado momento, a narrativa cita o início dos anos 2000, mas não aparecem telefones celulares, assim como os figurinos e o mobiliário remetem ao fim do século XX. As letras, considerado o ineditismo das canções, apresentam bom resultado, contribuindo bem para a diegese.
Como o filme, “Ghost – O musical” emociona o público, divertindo-o e fazendo pensar. Todos os problemas apontados não tiram o brilho final dessa história que permanece sendo bem contada pelo ótimo conjunto de elenco que essa montagem tem. É um bom espetáculo que vale a pena ser visto.
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Serviço:
Quanto: de R$20 a R$80
Ficha técnica
Elenco
Sam Wheat: ANDRÉ LODDI
Molly Jensen: GIULIA NADRUZ
Carl Bruner: IGOR MIRANDA
Oda Mae Brown: LUDMILLAH ANJOS
Willie e Ensemble: FRANCO KUSTER
Clara e Ensemble: JOSI LOPES
Louise e Ensemble: AGATA MATOS
Fantasma do Metrô e Ensemble: RAFAEL MACHADO
Fantasmas do Hospital e Ensemble: ARÍZIO MAGALHÃES, LOLA FANUCCHI E BNER DEPRET
Ensemble: RODRIGO GARCIA, FERNANDO MARIANNO, JOHNNY CAMOLESE, DÉBORA VENEZIANI, PAMELLA MACHADO e MARISOL MARCONDES
Swings: RENATO BELLINI e THAIS PIZA
Swing e Dance Captain: ANELITA GALLO
Equipe Criativa
Texto e Letras Originais: BRUCE JOEL RUBIN
Música e Letras Originais: DAVE STEWART e GLEN BALLARD
Música Unchained Melody: HY ZARET e ALEX NORTH
Versão Brasileira: RICARDO MARQUES
Direção: JOSÉ POSSI NETO
Assistente de Direção: VANESSA GUILLEN
Direção Musical: PAULO NOGUEIRA
Assistentes de Direção Musical: RODOLFO SCHWENGER e ANDREI PRESSER
Direção de Movimento e Coreografias: FLORIANO NOGUEIRA
Assistente de Direção de Movimento e Coreografia: ANELITA GALLO
Cenógrafo: RENATO THEOBALDO
Cenógrafo Associado: BETO ROLNIK
Figurinista: MIKO HASHIMOTO
Visagismo: SIMONE MOMO
Designer de Som: GABRIEL D’ÂNGELO
Designer de Som Associado: GABRIEL BOCUTTI
Designer de Luz: PAUL MILLER
Designer de Luz Associado: JOSEPH BEUMER
Designer de Projeção e Vídeo: ZACHARY BOROVAY
Designer de Projeção e Vídeo Associado: WLADIMIRO A. WOYNO R.
Ilusionista: MICHAEL KEATING
Direção Artística: LÉO ROMMANO E RICARDO MARQUES
Produção
Produtor Geral: RICARDO MARQUES
Supervisor de Produção: COLIN INGRAM
Diretor de Produção: LÉO ROMMANO
Gerente de Produção: MANU FIGUEIREDO
Marketing e Mídias Sociais: FELLIPE GUADANUCCI
Company Manager: LUANNA PEREZ
Production Stage Manager: GABRIEL AMATO
Stage Managers: MILA FOGAÇA e NAILTON SILVA
Diretor Técnico: CARLOS PEIXOTO
Coordenação Administrativa e Financeira: GLÁUCIA FONSECA
Assistentes de Produção: GERARDO MATOS e ANA DULCE PACHECO
Suporte Geral: MARCOS ZAMARO
* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.
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