Crítica teatral: Rodrigo Monteiro analisa “Funk Brasil – 40 anos de baile”; “É o melhor musical em cartaz da temporada no Rio”


A trajetória do espetáculo “Funk Brasil – 40 anos de baile” é similar a do gênero que ele tematiza. Depois de mais de uma centena de apresentações na zona norte só agora esse musical consegue chegar à zona sul.

* Por Rodrigo Monteiro

“Funk Brasil – 40 anos de baile” é o melhor musical em cartaz no Rio de Janeiro neste fim de outono de 2015. Idealizado e produzido por Pedro Monteiro, a peça, com brilhante direção de Joana Lebreiro, é uma versão teatral para o livro “Batidão – Uma história do Funk”, de Silvio Essinger. De uma forma ágil e muito animada, mas também disposta a fazer a crítica e a explorar a complexidade do tema, o espetáculo conta a história de possivelmente o gênero musical que atualmente reúne mais pessoas no Brasil (gostando os intelectuais dele ou não).

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Do “Baile da Pesada”, no Canecão com o Big Boy, no início dos 70, até o fenômeno “Beijinho no ombro”, de Valesca Popozuda, e o “passinho”, febre nos bailes desde o inverno passado, a dramaturgia é um mix formado por 64 canções. No elenco, se destacam positivamente Luiza Mayall, mas principalmente Pedro Monteiro e Marcelo Cavalcanti em exuberantes trabalhos de interpretação. Os figurinos da Espetacular! Produções e Artes são outro ponto bastante elogiável. Tendo estreado em agosto de 2012, a produção chega, pela primeira vez, à zona sul, cumprindo temporada no Teatro Ipanema. É bonito ver a plateia lotar a audiência, batendo palma e se divertindo desde antes da peça começar e até o seu final.

Tendo surgido mais ou menos no fim dos anos de 1960, a partir do soul e do rock americano, o funk (variação de “fuck”, que todo mundo sabe o que significa) reuniu jovens principalmente no subúrbio do Rio de Janeiro até o fim dos anos 80, quando explodiu em todo o país. Ao unir a bateria eletrônica nas melodias e ao incluir os temas políticos nas letras, DJ Marlboro criava o funk carioca, cujo primeiro hit nacional foi “Feira de Acari”, de MC Batata, trilha da novela “Barriga de Aluguel” (Rede Globo/1990). A partir daí, com o reconhecimento da zona sul do Rio, de artistas renomados como Fernanda Abreu, Lulu Santos e Caetano Veloso e das maiores gravadoras, o gênero dominou as pistas de dança principalmente entre 1995 e 2005. São, dessa época, clássicos como “Rap da Felicidade” (Claudinho & Buchecha), “Cerol na Mão”, “Tchutchuca” e “O baile todo” (Bonde do Tigrão) e “Eguinha Pocotó” (Serginho e Lacraia). Associado à violência, às drogas e ao sexo, o funk nasce e se estabelece com a mesma fama que, um dia, teve o chorinho, a salsa, o samba, o tango e o rock’n’roll.

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A trajetória do espetáculo “Funk Brasil – 40 anos de baile” é similar a do gênero que ele tematiza. Depois de mais de uma centena de apresentações, tendo percorrido a zona norte da cidade e o interior do Estado do Rio de Janeiro, além de Goiás e do Espírito Santo, só agora esse musical consegue chegar à zona sul. Ao público, em primeiro lugar, está a qualidade da dramaturgia de João Bernardo Caldeira e de Pedro Monteiro, que consegue manter o ritmo da narrativa em ágil fluidez. De um lado, o aspecto didático-expositivo divide as bases para uma fruição mais segura, mas, de outro, a representação permite ver que a história se deu a partir das relações entre personagens. A mais uma vez qualificada direção de Joana Lebreiro articula as cenas com naturalidade, fazendo com que a narrativa evolua brilhantemente do fundo do palco ao proscênio através de um ótimo jogo em que as interpretações vão da representação das figuras reais até a apresentação dos narradores.

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A peça tem ainda excelente figurino assinado pela Espetacular! Produções e Arte (Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo). Pela modificação sutil de poucas peças, cada nova época retratada é vista em sua plenitude, mas ainda assim é parte de uma só narrativa que se mantém coesa e coerente durante toda a encenação. O figurino bem se relaciona com o cenário de Marieta Spada e com a iluminação de Djalma Amaral, esses últimos em contribuições mais modestas mas igualmente positivas dentro da proposta. O ponto negativo é da direção musical de Marcelo Rezende. A qualidade do som, nesse musical, não colabora com a baixa potencialidade dos intérpretes, revelando seus pontos mais sensíveis. Metáfora (e não repetição) para gênero musical, o espetáculo, nesse quesito, perdeu a oportunidade de fazer-lhe melhor, ressaltando os valores de cada canção infelizmente.

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O elenco formado também por Marcelo Dias, Michelly Campos e por Alex Gomes encontra seus melhores momentos nas participações de Luiza Mayall (Fernanda Lima) e principalmente de Pedro Monteiro (Marlboro) e de Marcelo Cavalcanti (Latino). Nesses últimos, a alternância entre os personagens que representam e os narradores permanece construindo e ratificando o excelente relacionamento entre palco e plateia. Os ritmos são bem usados, os diálogos estão vivos, as intenções de cada cena estão claras. De um modo geral, as coreografias preenchem o palco com galhardia, conferindo valores ao espetáculo. Parabéns.

É muito possível que personagens como Claudinho & Buchecha, Latino, DJ Marlboro, Dom Filó, Gerson King Combo, Tati Quebra-Barraco, Valesca e tantos outros venham a ser individualmente homenageados no futuro quando o distanciamento tiver feito “o recalque passar longe”. Até lá, vale a pena “passar cerol na mão” e curtir “Funk Brasil – 40 anos de baile”. Beijinho no ombro!

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FICHA TÉCNICA:
Idealização: Pedro Monteiro
Baseado no livro “Batidão – Uma História do Funk”, de Silvio Essinger
Texto: João Bernardo Caldeira e Pedro Monteiro
Direção artística: Joana Lebreiro
Elenco: Alex Gomes, Dérik Machado, Luiza Mayall, Marcelo Cavalcanti,
Marcelo Dias, Michelly Campos e Pedro Monteiro
Direção musical: Marcelo Rezende
Pesquisa musical anos 70: Leandro Petersen
Direção de movimento: Nathália Mello
Iluminação: Djalma Amaral
Figurino: Espetacular! Produções e Artes (Ney Madeira, Dani Vidal e Pati Faedo)
Cenário: Marieta Spada
Assistente de cenografia: Ana Machado
Ilustração de cenário: Coletivo M2FY
Preparação vocal: Pedro Lima
Caracterização: Fernanda Santoro
Design gráfico: Gemmal
Fotografia: Andrea Rocha – ZBR
Assistente de Figurino: Renata Lamenza
Assistente de direção: Vivi Oliveira
Operação de luz: Paulo Ignácio
Operação de som: Luanna Pinheiro
Direção de produção e produção executiva: Gabriela Imelk
Realização: Pedro Monteiro
Apoio institucional: Programa UPP Social, da Prefeitura do Rio de Janeiro
Montado com recursos do Prêmio Montagem Cênica 2011, patrocinado pela Petrobras

SERVIÇO:
Funk Brasil – 40 anos de Baile
Teatro Ipanema (R. Prudente de Morais, 824 – Ipanema)
Todas as quintas-feiras, de 04 de junho a 30 de julho de 2015
Horário: 20h30
Ingressos: R$ 30 (inteira) / R$ 15 (meia)

* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.