*Por Rodrigo Monteiro
“Clarice Lispector & eu – o mundo não é chato” é o excelente monólogo em que Rita Elmôr interpreta histórias de Clarice Lispector e narra sua relação com a escritora. Com habilidade e segurança, dirigida por Rubens Camelo, a atriz vence o árduo desafio muitas vezes tentado e raramente vencido no Rio de Janeiro de atualizar bem o que é uma literatura enormemente densa em teatro. Essa delícia de espetáculo está em cartaz no Teatro Poeirinha, em Botafogo, até o dia 30 de outubro. É correr para poder assistir várias vezes!
A peça começa com a narrativa de um fato curioso. Na primeira produção profissional da carreira da atriz Rita Elmôr, em 1998, ela interpretava a ucraniana-brasileira Clarice Lispector (1920-1977). A caracterização era feita pelo maquiador João Roberto Pereira (1944-2014), o famoso Gilles, que maquiou a escritora nos seus últimos anos de vida. O resultado é que Elmôr ficava tão parecida com a personagem que as fotos de divulgação dessa peça, desde então e até agora, são frequentemente utilizadas como imagens da própria Clarice. Em outras palavras, muita gente publica fotos de Elmôr como se fosse Lispector.
Para além de uma óbvia reflexão sobre o uso (inadvertido) da imagem em tempos de explosão de conteúdo, “O mundo não é chato” propõe, como ponto de partida, uma sensação sobre de que modo possivelmente nos perpetuaremos na Terra. Esse desejo de alongar a existência, que aparece na cena dos coveiros em “Hamlet”, mas também, na grade atual de programação do Rio de Janeiro, no monólogo “Vaga Carne” e no musical “Ordinary Days”, é questão humana e, por isso, cara. É como ser humano que Rita Elmôr se anuncia como personagem de si mesma diante do público olhando para as narrativas de Clarice Lispector. E, porque a obra dessa escritora é um dos melhores exemplos de nossa literatura de pesquisa sobre o interior do homem, enquanto concepção estética de espetáculo teatral, esse é um grande feito.
A dramaturgia contempla também narrativas colhidas da obra de Clarice: 36 recortes aprovados pela família da autora. “A paixão segundo G.H.” e vários contos são facilmente identificados. A beleza está no modo como Elmôr vence o desafio de atualizar isso para teatro. Sem recorrer ao impulso grosseiro de supervalorizar a ação, criando situações que, às vezes, nem existem como meios de fazer a interpretação negativamente se sobrepor à literatura, “O mundo não é chato” investe na sensibilidade introspectiva, no comedimento, na força da palavra, sustentando-se naquilo que Clarice era melhor: a reflexão. Versões teatrais da obra de Lispector são frequentes, e ficarão ainda mais numerosas em 2017 devido à celebração dos 40 de falecimento da escritora. No entanto, é raro encontrar boas montagens, como “Simplesmente eu, Clarice Lispector”, com Beth Goulart; e “Silêncios claros”, com Esther Jablonski; e como essa aqui, infelizmente.
Rita Elmôr, em cena, apresenta um trabalho de intepretação coerente com os méritos da dramaturgia. Sua presença é limpa, sem excesso de expressões, defendendo uma encenação que valoriza a introspecção, a delicadeza, a força que está por dentro. Os movimentos são sóbrios, os gestos reduzidos, tudo é muito cuidadoso. O resultado, com méritos à direção de Rubens Camelo, é que a relação entre o palco e a plateia privilegia o encontro compartilhado sem que um pareça mais importante que o outro. Similar ao que acontece na fruição literária, o espectador da peça tem tempo para experimentar os sentidos e se aventurar na narrativa.
O vídeo mapping de Paulo Denizot, que assina também o desenho de luz, e o figurino de Mel Akerman dividem os valores positivos da montagem como parte de uma estrutura equilibrada, elegante, nobre. Com fluidez, a encenação, através também desses elementos, se desenvolve com vistas não apenas a uma homenagem valorosa, mas a uma proposta original, que é potente e enriquecedora.
“Clarice Lispector & eu – o mundo não é chato” surge ao lado de uma exposição de fotos (Daniel Mattar) e de vídeos (Ricardo Chreem) que acontece no foyer do teatro. Nela, pode-se perceber parte da extensão do uso de imagem que é feito, no mundo, de Rita Elmôr como se ela fosse Clarice. A atividade contextualiza a proposta da peça.
Em tudo, esse é um belo trabalho! Aplausos!
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SERVIÇO:
Onde: Teatro Poeirinha
Quando: Qui, sex e sáb 21h, dom 19h. Até 30 out 2016.
Quanto: R$ 50.00
FICHA TÉCNICA
Texto: Clarice Lispector e Rita Elmôr
Dramaturgia, Trilha Sonora e Interpretação: Rita Elmôr
Direção: Rubens Camelo
Cenário, Luz e vídeo mapping: Paulo Denizot
Figurino: Mel Akerman
Costureira: Marenice Alcantara
Fotos: Daniel Mattar
Design Gráfico: Estúdio Quedesenholegal
Mídias Sociais: Ramon de Angeli
Legendas em Inglês: West Coast Languages
Assessoria Jurídica: Murilo Rabat
Assistentes de Direção: João Pontes (2ª fase) e Radha Barcelos (1ª fase)
Assistente de Produção, Operação de vídeo mapping e som: Raquel Simen
Direção Vídeos e Edição: Ricardo Chereem
Edição e finalização: Caio Garcia Grandi
Fotos Exposição: Daniel Mattar
Direção de Produção: Christiano Nascimento e Rita Elmôr
Produção: Art Hunter Produções
Realização: Ovo Produções Artísticas
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
*Rodrigo Monteiro é nosso crítico teatral e dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.
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