*Por Rodrigo Monteiro
O ótimo “Até o final da noite” é o mais novo espetáculo com texto de Julia Spadaccini e direção de Alexandre Mello, dupla que já assinou os bastante elogiados “Quebra-ossos (2012)” e “Um dia qualquer (2013)”. Trata-se de uma comédia de boulevard: na casa de um deles, dois casais de gerações distintas se encontram e, pelas oposições entre eles, surgem conflitos que os distanciam e os aproximam. O público se diverte, mas também leva algumas reflexões interessantes para enfrentar o seu dia a dia. Com Rogério Garcia e Letícia Cannavale em boas colaborações, a peça tem ótima atuação de Angela Vieira e excelente trabalho de Isio Ghelman. Vale a pena conferir a montagem que fica em cartaz até o próximo dia 14 de novembro no Teatro Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro.
Olavo (Isio Ghelman) e Ana Lúcia (Angela Vieira) estão casados há trinta anos. Ele é um contador e ela dona de casa. Juntos eles tiveram um filho que se mudou há pouco tempo para o Leste Europeu, deixando uma sensação de vazio principalmente nela. A peça começa quando eles se preparam para receber Edu (Rogério Garcia) e Branca (Letícia Cannavale), que vêm para jantar. O encontro de um casal mais novo com um mais velho cheira a “Quem tem medo de Virgínia Woolf?”, mas as semelhanças realmente param na situação similar.
Em “Até o final da noite”, pairam dois mundos em conflito: aquele que deixa de existir e aquele que toma o seu lugar. De um lado, estão os relacionamentos físicos, os laços duradouros, o papel jornal, a cebola que precisa ser cortada, os segredos mantidos. Do outro, estão as relações virtuais, o imediatismo, o bluetooth, a ansiedade. O texto de Spadaccini não avalia um pelo outro, mas os justapõe, revelando a beleza e o horror de cada um deles.
Enquanto aceita as motivações do texto de “Até o final da noite”, o espectador se vê em uma história que abre caminhos, mas que, talvez ciente de sua verve mais reflexiva, não faz do seu fechamento uma obrigação. De modo habilidoso, Julia Spadaccini deixa para o público, se quiser, a colocação de um ponto final. Ele pode, no entanto, deixar tudo continuar, assumindo daí sua culpa (ou seus méritos) na longevidade dessa história.
A direção de Alexandre Mello, assistida por Renato Livera, tem o valor de abrir espaço, no texto, para a contribuição dos atores na viabilização dos quatro personagens. É bonito ver como cada intérprete parece ter (ou não) aproveitado as oportunidades para tornar o diálogo ainda mais próximo do público. Não há grandes movimentações, nem muito exercício de teatralidade, mas, como parece convir ao texto, sobra excelente ritmo nos diálogos, na estruturação das cenas e na articulação delas no todo da comédia.
Rogério Garcia (Edu) aproveita pouco as poucas chances que tem e, embora apresente boa colaboração, não se destaca. Letícia Cannavale (Branca) chama para si mais atenção, defendendo uma personagem que, ainda que aparentemente segura, está vivendo uma crise que há de explodir a qualquer momento. E sua sensibilidade em sustentar essa tensão lhe vale elogios. Angela Vieira (Ana Lúcia), com uma postura belíssima, vai deixando, de modo muito sutil e cenicamente inteligente, ver níveis mais íntimos de sua personagem, expondo sua problemática e filtrando a dos demais.
“Até o final da noite” é mais uma oportunidade do público carioca de conferir uma excelente interpretação de Isio Ghelman. Nesse espetáculo, com habilidade, o ator apresenta enorme repertório de expressões que abraça o público na medida em que sensibiliza a plateia com seu enorme carisma. O feito, que ecoa em todos os demais personagens, em especial em Vieira, eleva os níveis estéticos do espetáculo.
A peça tem figurinos de Ticiana Passos, luz de Renato Machado e trilha sonora de Leandro Baumgratz, atingindo seus objetivos sem aparentemente muitos problemas nem grandes desafios. O cenário de Beli Araújo, corajosamente, investe mais no lúdico do que no realismo, criando um conflito na relação com todos os elementos. A opção positivamente oxigena a recepção do espetáculo, impondo leveza e mantendo o interesse.
Para além de questões acerca dos relacionamentos, “Até o fim da noite” sugere uma belíssima reflexão sobre a busca da felicidade. Para uns, talvez ela se esconda de quem a procure. Para outros, não buscá-la é um pecado. Sem muitas pretensões, a montagem sai ganhando. E quem assiste mais ainda!
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SERVIÇO:
Onde: Teatro Ipanema
Quando: sáb 21:00 | dom e seg 20:00 Até 14/11
Quanto: R$40,00
FICHA TÉCNICA
Autora: Julia Spadaccini
Direção: Alexandre Mello
Elenco: Angela Vieira – Ana Lucia
Isio Ghelman – Olavo
Letícia Cannavale – Branca
Rogério Garcia – Edu
Direção de produção: Rogério Garcia
Iluminação: Renato Machado
Cenografia: Beli Araújo
Figurinos: Ticiana Passos
Direção de movimento: Márcia Rubin
Produção: Paula Loffler
Assistente: Felipe Porto
Programação Visual: Humberto Costa Ribeiro
Assessoria de imprensa: Daniella Cavalcanti
*Rodrigo Monteiro é nosso crítico teatral e dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.
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