Com Bruno Motta, “1 milhão de anos em 1 hora” é como se chama a versão brasileira do stand-up comedy americano “Long short story”, de Colin Quinn. Pela primeira vez fora dos Estados Unidos, essa adaptação é assinada por Marcelo Adnet, chegando aqui com direção de Cláudio Torres Gonzaga. A comédia, ao apresentar uma versão crítica da humanidade, faz um passeio por diferentes épocas e lugares, sempre colocando o homem de frente para si mesmo. De uma forma bem humorada, a plateia se diverte enquanto reflete sobre a fome de poder e a dificuldade em compartilhar, avaliando se houve ou não evolução e progresso nos últimos milênios. Em cena, Bruno Motta conquista o público aos poucos, garantindo ao final um programa divertido que não se esquiva da intenção de ser mais do que isso. A peça está em cartaz na Sala Tônia Carreiro do Teatro Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro. Vale a pena ver!
Embora a adaptação de Marcelo Adnet tenha acrescido a versão original de Colin Quinn de algumas menções aos brasileiros e aos demais povos latino-americanos, o texto de “1 milhão de anos em 1 hora” continua, nessa montagem, sendo relativamente fiel àquela que estreou em Nova Iorque no começo de 2010. Em cena, um homem (Bruno Motta) conversa abertamente com seu público a respeito das proximidades e das distâncias entre o hoje e o ontem e entre o lá e o cá. Um dos aspectos mais relevantes é que, se o modo como se conta é cômico, o que está nessa narrativa não o é. Em um determinado momento, por exemplo, Quinn traz a seguinte frase: “a história é chata, porque ela é sobre homens e homens são chatos, pois nada mudou.” Relacionando a audiência de Sófocles à do reality show, o surgimento do fogo ao do Facebook, as culturas orientais às ocidentais, o homem australopitecus ao contemporâneo, Quinn pode (até) ser criticado por superficializar a reflexão sob determinado aspecto, mas mesmo assim oferece um panorama revelador em vários pontos, o que é positivo. Em termos de estética, é interessante observar como as análises da história e as descrições sobre as regiões do mundo aparecem naturalmente no discurso logo depois das interrogações sobre o hoje em dia.
Dirigida por Cláudio Torres Gonzaga, a encenação de Bruno Motta não começa bem. Aparentemente tentando disfarçar o tom de palestra, a peça começa como se pedisse desculpas ao público em fracas tentativas de aproximação com a audiência, em indicações sobre como se comportar ao longo da apresentação e em aviso de que esse monólogo, apesar de ser um stand-up comedy (como se esse fosse um gênero menor – e não o é), é algo que veio da Broadway e fez muito sucesso por lá. Diferente da encenação original, os relatos históricos e as descrições culturais surgem com menos fluência na primeira parte, quando parece ter mais importância aspectos específicos daquele público (a presença de um gaúcho ou de um menino menor de idade, por exemplo) do que a riqueza do homem seja de quando ou de onde for. Nesse momento, é como se a peça deixasse de ser sobre a humanidade – da qual todos nós fazemos parte – e passasse a ser apenas sobre quem assistiu à peça em determinada noite. (O uso do público como tema para piadas é um recurso empobrecedor do texto cômico, vale dizer.) Felizmente, esse momento é superado na medida em que Bruno Motta parece se sentir mais confiante ao longo da noite. Nos trechos finais, os tipos deixam de remeter à habilidade do intérprete em apresentar personagens diferentes e passam a ser um meio realista do público se identificar com várias facetas de si próprio. Acompanhar a curva ascendente que se estabelece ao longo dessa encenação é um prazer a mais de quem analisa esse ótimo espetáculo e não apenas lho assiste.
As projeções no grande globo terrestre e o amplo uso de juta no cenário assinado pelo diretor não valorizam o ambiente onde se descortina a história universal. As colaborações da iluminação de Claudia Urbanisk e da trilha sonora de Leandro Nassif são positivas porque permitem identificar as nuances entre os quadros em que a narrativa se apresenta.
“1 milhão de anos em 1 hora”, disparando uma concepção amarga sobre todos os povos, culturas e tempos, une a humanidade por um só eixo. Ao mesmo tempo que o feito garante a larga comicidade, oferece um ponto acerca do qual pode-se refletir ao sair do teatro. Eis aqui uma boa sugestão para todos
os públicos.
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Ficha técnica:
Autor: Colin Quinn
Tradução: Daniel Alves
Adaptação: Marcelo Adnet
Direção: Cláudio Torres Gonzaga
Com: Bruno Motta
Trilha Sonora: Leandro Nassif
Iluminação: Claudia Urbanisk
Cenário e Figurino: Cláudio Torres Gonzaga
Direção de Produção: Ágatta Marinho
Assessoria de Imprensa: Duetto
Técnico de Som e de Luz: Tubarão
Contrarregra: Ramon Silva
Fotos: Marcos Guimarães e Daniel Pacífico
Serviço:
Onde: Teatro Leblon – Sala Tonia Carrero
Rua Conde Bernadotte, 26 | Leblon – Rio de Janeiro – RJ
Quando: Quinta, Sextas e Sábados 21h e Domingos 20h. Até 30 de agosto.
Quanto: R$ 50,00 (qui) / R$ 60,00 (sex) / R$ 70,00 (sab e dom)
* Rodrigo Monteiro é dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.
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