Crítica – Rodrigo Monteiro analisa “Cinco Júlias”: “Não há história para 120 min. Mas Matheus Souza é um dramaturgo que merece atenção”


Sobre o elenco, nosso crítico disse: “Bruna Hamú e Isabella Santoni apresentam bons trabalhos, mas Carol Garcia, Gabi Porto e Malu Rodrigues se destacam positivamente”

Por Rodrigo Monteiro*

O maior mérito de “Cinco Júlias” é o modo como o espetáculo conversa com uma geração pouco contemplada no teatro: a dos anos 90. Escrita e dirigida por Matheus Souza, a produção deixa ver uma estética que caracteriza a controversa geração Y, aquela que já era adulta quando a internet chegou, mas não velha o bastante para curti-la desde o seu início. Bruna Hamú (verde) e Isabella Santoni (amarela), mas principalmente Gabi Porto (laranja), Malu Rodrigues (rosa) e Carol Garcia (azul) são cinco Júlias cujas vidas se cruzam na noite em que o mundo virou de cabeça para baixo. Na história, um grupo de hackers invadiu todas as redes sociais e publicou, em um site chamado uLeaked.com (“vazado”), todo o conteúdo que até então estava privado: fotos, mensagens inbox, e-mails. Com belíssima direção musical de Pablo Paleologo e colaborações interessantes da luz de Rodrigo Belay, do cenário de Miguel Pinto Guimarães e dos vídeos de Dudu Chamon, apesar de longa, a peça tem presença marcante na programação teatral do Rio. Ela está em cartaz no congelante Teatro das Artes, no Shopping da Gávea.

(Foto: Paprica Fotografia)

(Foto: Paprica Fotografia)

Para quem nasceu do início dos anos 80 ao dos 90, o mundo não é tão colorido como era para os hippies e nem tão precursor como para os yuppies. Paira uma ânsia pela calma, mas ao mesmo tempo a consciência de que é na tempestade em que se lembra de que se está vivo. A internet, que revolucionou o mundo e nele as relações entre os homens, não apagou a lembrança de quando se deixavam mensagens em secretárias eletrônicas, se compravam CDs e se faziam pesquisas em enciclopédias. Essa melancolia burguesa não esconde a autocrítica junto ao lamento, o medo junto da euforia, a preguiça junto com o orgulho. “Cinco Júlias” proporciona essa reflexão através do seu ideário estético, mas perde inúmeras possibilidades de dar conta do recado com mais eficiência.

Nessa dramaturgia de Matheus Souza, não há história o bastante para cento e vinte minutos de espetáculo. A peça abre com monólogos em primeira pessoa em que cada uma das cinco personagens – todas elas têm o mesmo nome – se apresenta. Esse trecho dá lugar para a situação em que elas se conheceram e essa para o final acrescido de um epílogo. Uma hora depois de ter começado, o espetáculo, na ordem da dramaturgia e da encenação, apresenta uma sucessão de fins que confirmam as expectativas, oferecendo mais do mesmo em uma gordura cansativa.

Matheus Souza rodeado pelo elenco do musical (Foto: Páprica Fotografia)

Matheus Souza rodeado pelo elenco do musical (Foto: Páprica Fotografia)

A amizade une duas Júlias opostas, o sexo outras duas também diferentes. A quinta, que é narradora, participa circunstancialmente do todo. Algumas questões bastante relevantes ficam sufocadas em um conjunto de clichês melodramáticos, que têm algum mérito em uma análise sem preconceitos, mas fazem com que a narrativa perca a força.

De um lado, a excelente direção musical de Pablo Paleologo estrutura um argumento que tem pouca – mas visível – colaboração dos diálogos. Canções de Radiohead, Florence and The Machine, Arcade Fire, Smashing Pumpkins e outras bandas, interpretadas ao vivo pelas atrizes-cantoras, pontuam, entre várias outras questões, o contexto essencial do drama. O olhar do outro é fator determinante não apenas na construção da identidade, mas sobretudo de sua autocrítica. No dia em que todos os segredos do mundo foram revelados, a individualidade de cada um(a) entrou em choque consigo mesma. E esse movimento promoveu, para todas as Júlias, uma viagem adentro de si que, no palco, se permite ver através da fuga das personagens do Rio de Janeiro para São Paulo.

Além da música, o cenário em perspectiva de Miguel Pinto Guimarães marca o protagonismo de todas elas através de quem o mundo se vê e é visto. E essa problemática é essencial ao indierockismo de “Cinco Júlias”: o fato de você não saber o mesmo que eu me faz especial, mas só estamos conversando porque há algo em mim que você não sabe e algo em você que eu não sei, mas quero saber.

Por outro lado, as personagens são da geração Z, ou seja, tendo sido já alfabetizadas no computador, sentem a problemática da internet de um modo diferente. Elas, vistas a partir dos coloridíssimos figurinos de João Lamego e da luz de Rodrigo Belay, sobretudo nas partes mais açucaradas da dramaturgia, se pasteurizam. Em outras palavras, o indie vira pop, Bjork fica ao lado de Taylor Swift, o público alvo se indefine e a discussão perde a força (porque se vende). “#meninos e meninas”, assim como “Mamma Mia! – O musical”, só têm nobres valores porque mantiveram-se firmes em suas concepções. Sem comparações, vale lembrar também de “Trilhas sonoras de amor perdidas” e de “Música para cortar os pulsos”.

Bruna Hamú e Isabella Santoni apresentam bons trabalhos, mas Carol Garcia, Gabi Porto e Malu Rodrigues se destacam positivamente. Seja pela graça da primeira, seja pelas belíssimas vozes das duas últimas, elas garantem os melhores momentos de “Cinco Júlias”. As cinco apresentam valorosas interpretações, defendendo suas personagens e suas questões mais essenciais através de dicção clara, intenções bem postas e de movimentação limpa. Vale também o destaque para os vídeos de Dudu Chamon, elevando as qualidades artísticas do desenvolvimento da proposta inicial com vibrante potência.

Bem como sua equipe, Matheus Souza é um dramaturgo que merece atenção. Aplausos.

*Rodrigo Monteiro é nosso crítico teatral e dono do blog “Crítica Teatral” (clique aqui pra ler) , licenciado em Letras – Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, bacharel em Comunicação Social – Habilitação Realização Audiovisual, com Especialização em Roteiro e em Direção de Arte pela mesma universidade, e Mestre em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no Curso de Bacharelado em Design da Faculdade SENAI/Cetiqt. Jurado do Prêmio de Teatro da APTR (Associação de Produtores Teatrais do Rio de Janeiro) desde 2012.